Cansados de acompanhar casos de preconceito promovido por clientes direcionados a seus funcionários, os donos do local divulgaram uma nota de repúdio na página da hamburgueria na rede social
Foto: Edson Chagas | GZ
“Estou inseguro com meu trabalho. E tenho medo de atender as pessoas.” Esse é o relato do funcionário de uma hamburgueria, de Laranjeiras, na Serra, que foi vítima de uma atitude racista nesta semana.
O recepcionista Richardson Oliveira, de 21 anos, foi destratado por um cliente e tem certeza: o fato aconteceu por ele ser negro. Após cumprimentá-lo, o cliente limpou as mãos na sua frente. E pior: sem se importar com o mal-estar que tinha acabado de causar, pediu para que outro funcionário o atendesse.
“Era um casal. Eu os recepcionei, e como de costume, estendi as mãos para um cumprimento de boas-vindas. Parece que ele (o homem) retribuiu no automático. E, ao perceber, limpou as mãos na camisa e perguntou se eu poderia chamar outra pessoa para atendê-lo”, relatou o funcionário da lanchonete Mad Rock’s, em Laranjeiras, na Serra.
NOTA DE REPÚDIO
Os donos do local, indignados com a atitude do cliente, escreveram uma mensagem nas redes sociais em defesa do funcionário. Na nota de repúdio, com hastag #nãoaoracismo, os proprietários, entre elas Michelly Panciere, dizem que não vão aceitar esse tipo de atitude. “Se for muito difícil pra você lidar com o respeito, sugerimos ficar em casa.”
“90% dos nossos clientes são brancos. E parece que alguns roqueiros acham que têm licença para cometer atos de racismo. Não fazemos questão desse tipo de cliente, porque são criminosos. A mensagem dos donos da hamburgueria é de basta. São poucas as situações que presenciamos, e não queremos que isso se repita”, disse Octavio Baioco Aguiar.
Leia na íntegra a publicação:
CHORO
A discriminação sofrida o abalou, e seu trabalho naquela noite não foi mais o mesmo. Depois de um tempo, ele não aguentou e teve uma crise de choro. Foi aí que outros funcionários perceberam que algo tinha acontecido, ou se repetido naquele local.
“Percebi que ele estava chorando próximo ao caixa. Me aproximei, e quando me contou o tinha acontecido aqueles clientes já tinham ido embora. Juntamos os fatos, pois na hora de pagar a conta o casal disse que tínhamos que contratar mais garçons”, afirmou o funcionário, Octavio Baioco Aguiar, de 29 anos, responsável pela divulgação do cardápio e atrações musicais da hamburgueria.
O choro de Richardson no final do dia teve início ainda no caminho para o trabalho. No ônibus quase vazio, uma idosa branca não quis se sentar ao seu lado, no banco amarelo que indica prioridade. Pediu para que Richardson que estava sozinho, se retirasse. Mas com a recusa, foi procurar outro local para acomodar o perceptível incômodo causado pela presença do jovem negro.
“Eu estava sentado em um banco do ônibus e uma mulher pediu para eu me levantar. Era prioritário, mas o ônibus estava vazio. Ela parou e ficou olhando na minha cara. Como eu não levantei ela foi para o outro lado. Depois fiquei pensando por que ela não quis se sentar do meu lado”, contou.
Cansados de acompanhar casos de preconceito promovido por clientes direcionados a seus funcionários, os donos do local divulgaram uma nota de repúdio na página da hamburgueria na rede social. “Parece que alguns clientes acham que têm licença para cometer atos de racismo. Não fazemos questão desse tipo de cliente. São poucas as situações que presenciamos, e não queremos que isso se repita”, disse Baioco.
ANÁLISE
“Solução é o enfrentamento legal”
O racismo não acaba. A gente que estuda muito o assunto entende que é um fenômeno social que se reinventa com o passar do tempo e à medida que se reinventa, vem de formas mais cruéis. Ainda continua existindo uma negação do outro. Por mais que a gente enfrente e construa políticas públicas, sabemos que vamos ter que continuar lutando.
As pessoas não falam de racismo considerando a perspectiva histórica, só falam de si mesmas. O problema é complexo, ultrapassa a questão de amizades. Estamos falando de pessoas que vão se ofender e se ferir, mas estamos falando também de situações que vão mexer na estrutura da sociedade.
É necessário que a educação assuma, que o país assuma isso. A solução é o enfrentamento legal, a contrução de políticas efetivas. Mas o fundamental é a educação.”
[ Patrícia Rufino, coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Ufes]
INJÚRIA RACIAL
A atitude do cliente em relação ao funcionário da hamburgueria não pode ser considerada racismo, e sim injúria racial, segundo o advogado Bruno Rossi Doná. As diferenças são sutis. No primeiro caso, a ofensa é dirigida à coletividade, no segundo, a um indivíduo.
“Em todos os casos temos atitudes racistas, preconceituosas, mas em casos como o que aconteceu na lanchonete, para fins legais, a classificação é injúria racial.”
Para ser enquadrado no crime de racismo, que é inafiançável e imprescritível, a “ofensa” atinge uma coletividade, ou seja, todo um grupo é igualmente prejudicado. “Um exemplo de crime de racismo é se eu, por exemplo, sou proprietário de um restaurante e proíbo a entrada de negros.”
O advogado explicou que é mais comum vermos no dia a dia casos de injúria, já que são mais comuns as ofensas individuais.