21 pessoas contam em que momento perceberam que eram negras

“Aos 5 anos, quando ouvi: ‘não brinque com eles. Eles são pretos.'”

Por Aline Ramos Do BuzzFeed

Perguntamos a algumas pessoas em que momento em suas vidas elas entenderam que eram negras. Eis as respostas:

Dimapf / Getty Images

1. “Eu só tive plena consciência a partir da minha iniciação no Candomblé”.

Além de me aproximar da minha ancestralidade através dos orixás, o ritual de transição capilar (no candomblé, raspa-se a cabeça) em minha iniciação à religião foi fundamental para a minha consciência racial. — Floriza Fernandes

2. “Quando uma professora pediu para fazermos um desenho colorido de nossas mãos.”

Eu vi todos apontando seus lápis de cor rosa ‘Peppa Pig’ e fui no embalo. Só percebi que estava errado quando olhei minha mão e olhei o lápis. Hoje dou risada, mas naquele momento me senti meio mal por não ser igual aos outros. Agora tenho muito orgulho da minha cor e das minhas origens. — Tadeu Bernardes

3. “Quando ouvi uma vez dos meus colegas : ‘quem vai querer dançar com preto?'”

Na época do primário, lá no Paraná, tinha festa junina, com dança e tal. Nenhuma menina queria dançar comigo. Eu era o único preto da sala, da primeira até a sexta série. Todo mundo formava casal… e certa vez ouvi de um dos coleguinhas: “quem vai querer dançar com preto?” Eu só tinha 7 anos e já tinha caído na real. — Eduardo Dudu

Victor_brave / Getty Images

4. “Aos 5 anos, quando ouvi: ‘não brinque com eles. Eles são pretos.'”

Aos 5 anos, na escolinha particular. Um menino de 6 anos viu que a irmã dele brincava com os meus irmãos e disse: “não brinque com eles. Eles são pretos”. — Iris Abrante

5. “Eu percebi que era negra durante um teatro na escola, no ensino fundamental.”

Entre os vários personagens, tinham os anjos. Eu tentei fazer o papel de um deles, mas um colega de classe disse que eu não poderia porque anjo tem que ser branco, loiro, de olhos azuis e de cabelo bom, e que como eu era negra, só poderia fazer papel de demônio. — Angélica Alves

6. “Quando eu tinha 11 anos e a mãe de uma colega de classe me acusou de roubo.”

No meio da discussão dela com a coordenadora, essa mãe disse que uma negrinha nunca teria condições de comprar uma cola bastão, que era uma novidade na época. — Aniele Bernardo

Mhatzapa / Getty Images

7. “Quando um dos meus primos se recusou a brincar comigo alegando que não gostava de pessoas pretas.”

Sou filha adotiva em uma família branca. Descobri minha negritude aos oito anos, quando um dos meus primos que mora na Bahia se recusou a brincar comigo alegando que não gostava de pessoas pretas. Para uma criança de oito anos, doeu. Naquele dia, descobri minha identidade racial. No entanto, me negava ser negra. Queria ser como meus irmãos para ser aceita. Somente aos 12 anos comecei a fazer um processo de autoaceitação, buscando mais sobre a história de meus ancestrais e suas lutas contra a escravidão e o racismo. — Gerla Dutra

8. “Ouvi minha ex-cunhada comentar que eu limpava a casa muito bem: ‘é por causa da cor.'”

Num fim de semana, fiz uma limpeza na casa da minha ex-sogra e ouvi minha ex-cunhada comentar com ela que eu limpava a casa muito bem. Ouvi a resposta em alto e bom som: “é por causa da cor.” Na época não fez muito sentido para mim porque eu não me entendia como negra. Eu era café com leite, mulata, moreninha. Mas aquilo mexeu comigo, não só a frase, mas o tom que ela usou, ficou na minha cabeça. Conhecendo melhor o feminismo e o sentido de empoderamento, entendi a importância de me assumir negra e nunca mais ficar calada quando tentarem me rebaixar por isso. — Thais Moreira

9. “Aos treze anos, quando uma tia branca falou que eu nunca deixaria de ter cara de pobre.”

Olhei em volta e vi todos os primos brancos e de cabelo liso. Essa eu nunca vou esquecer. — Nara Lacerda

Bluebearry / Getty Images

10. “Quando minha mãe disse que orava todos os dias pedindo a Deus que eu nascesse com a pele clara pra não sofrer.”

Em vários e vários momentos. Porém, a ficha caiu de verdade quando uma vez, falando com minha mãe sobre a gravidez dela (de mim), ela me disse que orava todos os dias pedindo a Deus para que que eu nascesse com a pele clara para não sofrer. Aquilo me quebrou. — Keren Nonato

11. “As pessoas sempre fizeram questão de enfatizar a ‘infelicidade’ de eu não ter traços finos e ser loira como a minha mãe.”

Por ser filha de mãe branca, as pessoas sempre fizeram questão de enfatizar a “infelicidade” de não ter traços finos e ser loira como ela. Aquilo me incomodava muito. Quando eu era criança não entendia, vim perceber agora adulta. — Ana Carolina

12. “Quando meu chefe disse na frente de 40 pessoas que meu cabelo não era higiênico, era sujo para o ambiente hospitalar.”

Quando, aos 18 anos, me apresentei à reunião de boas vindas no estágio extracurricular. No auditório, estavam presentes acadêmicos de Medicina, Nutrição, Farmácia e Fisioterapia (minha área). Ao longo do encontro, o médico-chefe responsável pediu para que nos apresentássemos e disséssemos em que setor estávamos lotados. Na minha vez, respondi: “me chamo Raíza, tenho 19 anos e fiz prova para o CTI Adulto”. Ele respondeu: “bem-vinda, Raíza, mas tenho que te dizer: ou você muda seu cabelo ou muda de área! Não é permitido esse tipo de cabelo em um ambiente como o CTI”.

Na hora eu não entendi (meu cabelo era um black médio, envolto em um turbante), só me dei conta quando conversei com minha única professora negra na universidade. A real é que ele disse na frente de 40 pessoas que o meu cabelo não era higiênico, era sujo para o ambiente hospitalar. Fala sério! Fiquei um ano no estágio, sofri assédio moral nos dois primeiros meses por causa do meu cabelo, até que me posicionei: disse que entraria em contato com meu advogado. Simplesmente nunca mais tocaram no assunto. — Raiza Cabral

Dimapf / Getty Images

13. “Acho que a chave só virou de vez quando comecei em meu primeiro emprego: um estágio no Tribunal de Justiça.”

Eu não percebia maldade alguma sobre como as coisas funcionavam fora da rotina casa-escola, demorei para perceber o que fazia com que as pessoas me olhassem e tratassem de uma forma diferente.

No contato com advogados, era comum que questionassem minha posição, como se eu não fosse apto para a atividade que exercia. Nos elevadores, eram frequentes as vezes em que evitavam dividir o espaço comigo, mesmo sabendo que eram 12 andares e levaria um tempo até que chegasse outro. E o que mais me constrangia era que todos os dias o mesmo segurança cumprimentava todos pela manhã, mas fazia questão que eu apresentasse meu crachá durante dois anos inteiros.

Uma maneira de eu compreender essa diferença também aconteceu quando percebi o quanto me sentia bem e próximo da copeira que trabalha no andar abaixo do térreo: uma senhora negra adorável, que tratava a todos como seus netos, ainda que nem todos retribuíssem com o mínimo de educação.

Essa experiência também foi divisora quando eu percebi fazer a diferença mesmo nas ruas e, por algum tempo, cogitei ser o culpado pelos olhares e comportamentos, fosse pela forma como me vestia, pela maneira como estava meu cabelo ou até mesmo a expressão facial de quando andava. — Guilherme Tintel

14. “Quando conheci, por acaso, o movimento dos Panteras Negras e a série ‘Dear White People’.”

Todos me consideravam parda ou morena, nunca me vi como negra e nunca tinha sido apontada como tal. Quando conheci, por acaso, o movimento dos Panteras Negras e a série ‘Dear White People’, minha mente pareceu finalmente se abrir. Comecei a me informar cada vez mais e foi como se eu finalmente tivesse me achado. Sinto muito orgulho de ser quem eu sou e, não importa o que digam, eu sou negra e estarei sempre lutando pelos meus ideais. — Clara Portela

15. “Com um comercial que tinha a Taís Araújo se autoafirmando negra.”

Felizmente de forma positiva, com um comercial que tinha a Taís Araújo se autoafirmando negra. Vi que eu parecia com ela quanto ao tom de pele. — Cássia Victória

Lightcome / Getty Images

16. “Eu estava brincando com um prima ruiva no parquinho do condomínio e uma moça me avisou “gentilmente” que os filhos dos empregados não podiam usar aquela área.”

Sempre soube que era preta, mas descobri o racismo quando tinha sete anos e estava brincando com um prima ruiva no parquinho do condomínio e uma moça me avisou “gentilmente” que os filhos dos empregados não podiam usar aquela área. Detalhe: minha tia morava no apartamento dos meus pais. — Aline Medinah

17. “Precisei da polícia uma única vez, para registrar uma abordagem violenta da própria polícia e me foi negado o direito de registrar o B.O.”

Me dei conta que era negro quando enxerguei que quando eu ia à escola, frequentava uma praça ou voltava a noite para casa caminhando, meu maior medo era ser visto pela polícia. Pois sempre que a polícia me via, era mais uma abordagem violenta.. Precisei da polícia uma única vez, para registrar uma abordagem violenta da própria polícia e me foi negado o direito de registrar o B.O. Percebi o que era ser negro quando andava numa rua e as pessoas mudavam de calçada ou na maioria das vezes corriam. — Willi Jhon

18. “Quando meu pai me ensinava a como tomar enquadro da polícia e não sofrer repressão.”

Olha, lembro de algumas coisas básicas na minha infância. Como meu pai me ensinando a como tomar enquadro da polícia e não sofrer repressão, dizia que eu deveria tratá-los sempre como “senhor” e fazer exatamente o que eles pediam. E sempre dizia que apesar de eu ser um pouco mais claro, os olhos da polícia sempre seriam racistas. Detalhe: meu pai foi policial por 10 anos em Belo Horizonte. — Victor Rodrigues Batista

Stocksanta / Getty Images

19. “Um segurança me pegou pelo braço e falou que ali não era lugar para mim.”

Passei boa parte da minha infância sem me sentir negro e sem me reconhecer assim. Por ter um pai branco com uma condição de vida boa, eu não lidava diretamente com racismo. O dia que caiu a ficha eu tinha 11 anos, foi quando fui em um restaurante chique com meu pai. Em determinado momento, fui ao banheiro. Quando estava saindo, um segurança me pegou pelo braço e falou que ali não era lugar para mim. Ele foi me levando arrastando até a saída dos fundos enquanto eu chorava e dizia que meu pai estava lá dentro. O que me deixou mais surpreso com tudo o que aconteceu era que o segurança também era negro. — Eric Satine

20. “A resposta foi que se não fosse preto, talvez eu fosse bem mais bonito e ele ficasse comigo.”

Quando se é negro e gay, é bem comum ouvir de alguns caras que você seria bem mais bonitinho se não fosse preto. Além disso, meus pais eram um casal biracial, então eu era o moreninho. Gostava de um garoto da escola e não era assumido, foi então que caí na besteira de perguntar se ele me achava interessante. A resposta foi que se não fosse preto, talvez eu fosse bem mais bonito e ele ficasse comigo. No ano seguinte, fiz amizade com uma moça incrível que sempre abordava questões raciais e LGBTQs, aprendi muito com ela. — Andre Aphonso

21. “Ela, a diretora da faculdade, exigiu crachá das duas únicas negras com a finalidade de nos expulsar da sala de informática.”

Quando a diretora do campus da faculdade onde me formei entrou na sala de informática (aberta a todos, é pública) e gritou para que quem não fosse aluno saísse do local. Ela exigiu crachá das duas únicas negras com a finalidade de nos expulsar. Mostrei meu crachá. Processo e inquérito policial correm na Polícia Federal pela fato da universidade ser federal. Ela tentou nos incriminar e até respondemos sindicância na época.

Foi quando o racismo se entregou na minha cara, na minha pele, no meu corpo. — Juliana Florentino

+ sobre o tema

‘Neguinha do Espanador’ Boneca da Estrela fere dignidade das crianças negras

Luana Tolentino: “Choque, repulsa, raiva, meu sangue ferveu. Foi o...

Mulher negra filma sua expulsão de loja Victoria’s Secret; assista

Suposto caso de preconceito racial ocorreu nos Estados Unidos A...

Pela primeira vez, três diplomatas negros brasileiros ocupam postos em Washington

De diferentes regiões brasileiras, três diplomatas de carreira negros...

para lembrar

Ivete Sangalo, até quando irá se apropriar e fechar os olhos?

Milionária, cantora que fez sucesso com música que descende...

Alabama de John Coltrane, o Jazz contra o racismo

A clássica e triste canção “Alabama” de John Coltrane,...

A guerra em que os que morrem são os mais pobres

Por Mauro Santayana Falta identificar as forças beligerantes...
spot_imgspot_img

Todos os argumentos contra as cotas se revelaram errados

O Censo da Educação Superior mostrou que o Brasil está prestes a bater a marca dos 10 milhões de jovens nas universidades. Como os dados são...

Viva a língua pretuguesa!

"É engraçado como eles gozam a gente quando a gente diz que é Framengo. Chamam a gente de ignorante dizendo que a gente fala...

A natureza se impõe

Mundo afora, sobram sinais — de preocupantes a desesperadores — de fenômenos climáticos. Durante a semana, brasileiras e brasileiros em largas porções do território,...
-+=