Fundo que já captou R$ 26 milhões para projetos de mulheres tem edital aberto para lésbicas, bissexuais e trans

Desde 2000, o Elas, do Rio, leva investimentos a iniciativas desses grupos, que têm mais dificuldades para acessar recursos devido à discriminação

Por Daiane Costa, Do O Globo

Logo da fundação Elas, duas flores e a palavra "ELAS" escrita.
(Foto: Reprodução/Twitter)

Perto de completar 20 anos de atuação, o Fundo Elas, do Rio, já conseguiu captar em torno de R$ 26 milhões para investimento em projetos sociais liderados por mulheres de todo o Brasil, com atenção especial aos protagonizados por lésbicas, bissexuais e trans, os LBTs. A seleção é feita por meio de editais públicos. No último, o Elas recebeu 127 propostas de 20 estados e selecionou dez. Todas focadas no protagonismo de lésbicas , bissexuais e trans. Até o próximo 10 de julho podem ser feitas inscrições para mais uma seleção — o edital está disponível aqui. Dos 25 projetos que serão escolhidos para receber investimentos, a previsão é que 15 sejam liderados por LBTs.

Convencer empresas e instituições a destinar dinheiro para estes projetos é o trabalho da socióloga, fundadora e coordenadora-geral do Fundo Elas, Amália Fischer:

— O que fazemos é uma filantropia de justiça social, que nada tem a ver com caridade ou transferência de renda. Fazemos o investimento chegar a grupos de mulheres que têm dificuldades de acessar recursos, devido à discriminação e exclusão que vivenciam.

O coletivo Transarte, do Rio, formado por transexuais e travestis, foi um dos selecionados ano passado, no edital feito exclusivamente para apoiar a cidadania e o fortalecimento de direitos LGBTs. O investimento foi de cerca de R$ 30 mil em cada selecionado. Com os recursos que receberam, os integrantes do Transarte viabilizaram a 3ª edição do festival que leva o mesmo nome do coletivo. Foram quatro dias de atividades gratuitas, com apresentação teatral, exposições e seminário. Todos protagonizados por mulheres travestis e transexuais, com formação técnica e artística.

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A atriz e ativista travesti Dandara Vidal, do Transarte, diz que sem os recursos não teria sido possível fazer o evento. O coletivo, que já existe há cerca de dez anos, vem enfrentando dificuldades financeiras e teve de suspender as aulas de formação teatral.

— Nosso público alvo muitas vezes não tem dinheiro para pegar condução para frequentar as aulas. São pessoas negras, analfabetas ou analfabetas funcionais, porque tiveram de abandonar a escola ao serem postas para fora de casa pelo pais, na infância. Participamos de eventos e organizamos festas para levantar recursos, mas ainda são insuficientes. Nosso grande objetivo é tonar as aulas de teatro contínuas. Elas ajudam, inclusive, a diminuir as dificuldades de falar em público, algo importante quando vão a uma entrevista de emprego — conta Dandara.

A Padê Editorial, de Brasília, também recebeu investimentos. O coletivo publica livros artesanais de autoras negras, periféricas, lésbicas, travestis, pessoas trans e bissexuais em tiragem pequena.

— Conseguimos fazer um bonde gigante de publicações majoritariamente de pessoas lésbicas e trans, 80% delas negras. Isso é inédito — conta Tatiana Nascimento, da Padê.

Foram publicados 44 livros feitos por 44 mulheres lésbicas, transexuais, travestis e bissexuais, fruto de oficinas de texto, literatura e diagramação do qual participaram. Em São Paulo, o Ciber Ana – A Mulher LBT e a Tecnologia promoveu uma capacitação sobre segurança digital com os recursos que recebeu, conta Larissa Santiago:

— A proposta é trabalharmos com os assuntos de segurança digital para lésbicas, bissexuais, travestis e trans, entendendo também que essas mulheres são mais vulneráveis e que sofrem ataques virtuais, sobretudo nas redes sociais.

O Fundo Elas apoia iniciativas em todo o Brasil nas áreas de prevenção da violência de gênero, promoção da autonomia econômica e do empreendedorismo, de expansão do acesso à saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos, de ampliação do acesso à cultura, arte e aos esportes e de promoção da equidade étnica e racial.

— Se conseguirmos apoiar uma ideia nova de uma população tão discriminada, marginalizada, vamos conseguir transformar a sociedade. Não é comum que grandes apoiadores e financiadores acreditem nos direitos LGBTs e das mulheres. É dificil que tenham conhecimento e confiança nos ativistas porque é uma realidade muito distante da deles. Fazemos essa intermediação — explica K.K. Verdade, coordenadora-executiva do Fundo Elas, que tem entre seus apoiodores financeiros nomes como a Avon, Ford, Onu Mulheres, Chevron e Mac.

O edital em aberto vai apoiar projetos de grupos de mulheres e LBT com enfoque na promoção de parcerias entre diferentes movimentos sociais, inclusive com grupos de outros países, com foco na defesa dos direitos LGBT, projetos liderados por mulheres jovens e por mulheres LBTs que vivem com HIV/Aids.

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