Geledés participou do Fórum dos Países da América Latina e Caribe

Geledés na ONU, incidencia internacional de Geledés Instituto da Mulher Negra

O encontro sobre Desenvolvimento Sustentável de 2025 aconteceu em Santiago, no Chile, entre os dias 30 de março e 4 de abril

A urgência da justiça racial como elemento central da Agenda 2030 e do Pacto para o Futuro, em um ano especialmente estratégico para a incidência regional e global, foi o principal tema da discussão levada por Geledés – Instituto da Mulher Negra ao Fórum dos Países da América Latina e Caribe sobre o Desenvolvimento Sustentável 2025, realizado entre os dias 30 de março a 4 de abril, em Santiago, no Chile. 

Além deste fórum regional, neste ano acontecem outras três grandes conferências das Nações Unidas que dialogam diretamente com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS): a Quarta Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, de 30 de junho a 3 de julho, em Sevilha, na Espanha, o Fórum Político de Alto Nível sobre Desenvolvimento Sustentável (HLPF), de 14 a 23 de julho, na sede da ONU, em Nova York, e a Segunda Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social, entre os dias 4 a 6 de novembro, em Doha, no Catar. Essas agendas são estratégicas para Geledés inserir na pauta as temáticas da equidade racial, a justiça reparatória e os direitos das mulheres afrodescendentes no epicentro das políticas globais.

“Apesar da relevância da agenda e das múltiplas crises enfrentadas pelos países da região, o fórum registrou um esvaziamento significativo, reflexo direto do enfraquecimento do sistema multilateral – intensificado desde os cortes para a cooperação internacional, e em especial em um ano com tantas conferências importantes para a articulação global”, avalia Letícia Leobet, assessora internacional e representante de Geledés no evento. 

Uma das reflexões trazidas pela equipe de Geledés é que com esta baixa participação no fórum, as organizações multilaterais e o Estado brasileiro precisaram ser mais criativos e mais comprometidos ao pensarem em alternativas que possam enfrentar essas barreiras, de forma a garantir que a sociedade civil siga sendo um ator central em termos de participação, especialmente as organizações negras, de mulheres e indígenas, que historicamente dependem de recursos de cooperação internacional.

De acordo com equipe de Geledés, esse cenário de baixa representatividade afeta de maneira ainda mais dura as organizações da região, “impactando de forma significativa o desiquilíbrio de participação esse ano, além de refletir na Declaração da Sociedade Civil, articulada e promovida durante o Fórum, enfraquecida em comparação aos anos anteriores”. 

Como uma das ações no Fórum LAC, Geledés realizou o evento paralelo “Desenvolvimento Sustentável, Empoderamento Econômico e Justiça Climática: Estratégias para Avançar a Agenda Racial e de Gênero nos Espaços Globais 2025”, no dia 2 de abril, em Santiago, com a principal estratégia de articular atores institucionais relevantes no âmbito multilateral para fortaleceram o diálogo entre si e com a sociedade civil no intuito de impulsionar a agenda racial nessa janela de oportunidade que será o ano de 2025. 

Participaram presencialmente deste evento de Geledés Maria-Noel Vaeza, representante da ONU Mulheres para América Latina e Caribe, Barbara Reynolds, representante do Grupo de Trabalho de Especialistas sobre Afrodescendentes da ONU, Luciana Servo, presidenta do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Rocío Muñoz Flores, assessora Regional do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e Karen Garcia Rojas, especialista de estatística da Divisão de Gênero da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). 

Em seu discurso, Maria-Noel se comprometeu a apoiar a aprovação de uma recomendação geral do CEDAW sobre mulheres afrodescendentes, assim como fortalecer a interseccionalidade nas demais recomendações em elaboração. Ela também reforçou o chamado para as organizações de mulheres afrodescendentes para a etapa regional da CSW70 (Comissão sobre a Condição da Mulher), que acontecerá em agosto no México. “O tema da CSW será acesso à justiça. Portanto, devemos incluir as mulheres afrodescendentes, as indígenas, nas propostas e iniciativas que buscam solucionar os múltiplos problemas que enfrentamos como sociedade”, disse ela.

Barbara Reynolds reforçou a necessidade de os Estados membros se comprometerem com a justiça reparatória. Barbara mencionou ainda a importância de se debruçar sobre a temática da justiça digital. “Eu gostaria de colocar na mesa o tema sobre a justiça digital. E dizer que o desenvolvimento sustentável, o empoderamento econômico e a justiça climática irão, mais cedo ou mais tarde, interseccionar com a justiça digital. Precisamos apenas olhar o que está acontecendo globalmente com as empresas tecnológicas e os oligarcas tecnológicos para entender isso” alertou ela.

A representante do Grupo de Trabalho de Especialistas sobre Afrodescendentes da ONU também reforçou a importância de se reconhecer a expertise das organizações afrodescendentes, bem como a de acadêmicos afrodescendentes para que tenham suas contribuições reconhecidas, impactando as decisões globais. 

Ao destacar a temática do empoderamento econômico da população afrodescendente, Luciana Servo, presidenta do Ipea, lembrou o documento “Empoderamento Econômico da População Afrodescendente e o Papel dos Bancos Nacionais e Multilaterais de desenvolvimento”, produzido por Geledés, Ipea e os grupos de engajamento do G20, Civil 20 (C20), Think 20 (T20), Women 20 (W20) e a ONU Mulheres Brasil e lançado em dezembro do ano passado com 40 recomendações concretas para trabalhar com os bancos multilaterais e com os bancos regionais e nacionais de desenvolvimento. 

Neste contexto, Luciana Servo chamou atenção para a importância de serem reconhecidos os mecanismos já adotados para igualdade de gênero junto aos bancos de desenvolvimento em modelos a serem replicados a partir do critério de raça, em outras regiões e a nível global. Isso a ser feito em diálogo com a declaração a ser adotada na Quarta Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4). 

Já Rocío Muñoz Flores, assessora regional do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), ressaltou o uso de dados desagregados e dados qualitativos para visibilizar os desafios específicos, em especial os enfrentados por meninas e mulheres em diversas áreas, com foco em seus direitos sexuais e reprodutivos, produzindo um efeito dominó para todos os outros direitos constantemente negados.

Nessa mesma direção, Karen Garcia Rojas, especialista de estatística da Divisão de Gênero da Cepal, reforçou a importância da coleta e aplicabilidade de dados desagregado, resgatando alguns compromissos assumidos pelos Estados em declarações e consensos anteriores. Esse resgate citado por ela é importante tanto para as agências da ONU quanto para que a sociedade civil se instrumentalize para garantir que compromissos assumidos sejam verdadeiramente cumpridos e implementados.

Ainda em Santiago, Geledés também foi convidado a participar do evento do governo brasileiro promovido pelo Ipea e o Ministério da Igualdade Racial (MIR) sobre o ODS 18. O posicionamento do instituto foi sobre a trajetória histórica e a atuação do movimento de mulheres negras na luta por justiça social e igualdade, destacando a contribuição da organização na formulação e implementação de políticas públicas alinhadas à Agenda 2030 da ONU. 

A partir dessa perspectiva, Geledés sublinhou a importância do recém-criado ODS 18 como um marco estratégico para enfrentar o racismo estrutural no Brasil para colocar essas questões no centro das políticas públicas, de forma a garantir o desenvolvimento sustentável, o crescimento econômico, a inclusão social e a proteção ambiental. 

“No entanto, para que isso seja alcançado, será necessário um esforço real e comprometido por parte do Estado e uma articulação consistente com a sociedade civil, especialmente com as organizações negras, o movimento negro, as organizações indígenas, os quilombolas e as comunidades tradicionais. Essas têm sido, historicamente, as principais forças motrizes das metas agora propostas pelo ODS 18”, alertou Letícia Leobet.

Como Geledés vem reafirmando nos fóruns internacionais, “não há desenvolvimento sustentável sem que haja justiça racial e reconhecimento da diversidade de experiências e saberes das comunidades negras e tradicionais”. Neste sentido, a equipe internacional de Geledés avalia de forma positiva o acordo de cooperação técnica assinado entre o governo brasileiro e a CEPAL, que inclui o desenvolvimento do ODS 18 – Igualdade Racial, como uma oportunidade para fortalecer o debate racial a um patamar regional. 

“Avaliamos como uma medida positiva para promover a discussão racial em termos regionais e esperamos que essa iniciativa também seja uma ferramenta para que, ao assumir compromissos internacionais e com a região, o Brasil intensifique e assuma compromissos mais radicais de enfrentamento ao racismo à nível nacional. Não podemos ter dois “Brasils”, um com Z que afirma que o racismo é uma prioridade e um com S que deixa a população à míngua sem direitos básicos e até mesmo sem direito à vida”, afirmou Letícia Leobet.

Sobre os acordos entre os governos da América Latina e Caribe, Geledés observou a importância da inclusão do Pacto para o Futuro e novas métricas, com o objetivo de ampliar o foco e os compromissos da região para acelerar a implementação da Agenda 2030, que teve apenas 23% das metas alcançadas até o momento. 

Houve ainda um aprofundamento das causas estruturais das desigualdades e introdução de novos marcos conceituais como a interseccionalidade, com maior ênfase na interconexão entre desigualdades de gênero e raça e o uso do termo ‘pobreza multidimensional, segundo avaliação da equipe de Geledés. 

A equipe internacional da organização notou também um maior reconhecimento do racismo estrutural e da necessidade de ações afirmativas e uma breve referência à educação de qualidade para crianças afrodescendentes e indígenas, reforçados com o compromisso de serem feitos investimentos específicos e educação inclusiva, equitativa e acessível desde a primeira infância. 

Em relação ao ODS 5 – Igualdade de Gênero, na avaliação da equipe, a declaração incorporou a representatividade, reconhecimento do trabalho de cuidado remunerado e reforça a interseccionalidade entre gênero e raça, porém ainda de forma muito rasa.

Outro elemento inédito no documento da oitava edição, e evidenciado em muitas sessões e eventos paralelos durante o Fórum, é o reforço da necessidade de um ambiente mais propício ao combate das desigualdades interseccionais, porém sem a menção a ações concretas para este fim, incluindo as ameaças e desafios digitais, em parte reforçados pelos compromissos do Pacto do Futuro e o anexo sobre o Pacto Digital Global, lançados em setembro de 2024, durante a Cúpula do Futuro da ONU. 

“Com esse conjunto de intervenções e articulações, Geledés contribuiu para reposicionar a agenda racial como eixo transversal e prioritário nos debates sobre desenvolvimento sustentável, justiça climática, financiamento e governança global. Em um ano decisivo, a organização segue atuando para que os compromissos assumidos em fóruns internacionais se traduzam em mudanças reais na vida da população afrodescendente, especialmente das mulheres negras. Justiça racial não é demanda setorial, é estrutura de futuro”, afirmou Letícia.

Em paralelo ao Fórum LAC, a assessora de Geledés para a Juventude e Clima, Ester Sena, nomeada Ponto Focal Regional Adjunto para o mecanismo de juventude da América Latina e Caribe, teve uma atuação de extrema importância no Fórum de Crianças, Adolescentes e Juventudes (Foro NNAyJ.

O Fórum da Juventude é uma iniciativa estratégica para garantir o engajamento efetivo das juventudes no acompanhamento da implementação da Agenda 2030 que acontece paralelamente ao Fórum LAC, atuando em articulação com organismos multilaterais como a CEPAL, OIT, UNFPA e PNUMA. O fórum se consolida como uma plataforma que promove a justiça intergeracional, a escuta ativa de vozes diversas e a construção de propostas concretas para o avanço dos ODS. 

Ester Sena - Geledés
Ester Sena – Geledés

“As barreiras globais são o resultado de estruturas discriminatórias, patriarcais, colonizadoras e racistas que perpetuam a marginalização das populações. A invisibilidade desses grupos é resultado de um mecanismo histórico de desumanização e exclusão, que reforça o acúmulo de poder dos grupos hegemônicos, enquanto marginaliza os demais em condições de precariedade social. Esse é o contexto que molda as condições de desigualdade. Somos um grupo de jovens ativistas e nossa luta vai além de nossos próprios direitos: estamos aqui para construir um futuro melhor para as próximas gerações. Queremos que nossas crianças e jovens não tenham que enfrentar os mesmos desafios. Estamos lutando para que a próxima geração possa avançar e conquistar novos direitos, em vez de ter que repetir as mesmas batalhas que enfrentamos hoje”, afirmou Ester Sena.

Como Ponto Focal, Ester Sena esteve envolvida no desenvolvimento e promoção da Declaração de Crianças, Adolescentes e Juventudes da América Latina e Caribe, representando o mecanismo na cerimônia oficial de leitura do documento e em sua entrega à Secretaria da Presidência da República do Brasil, à diretoria da ONU Mulheres Regional e ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil.

Ester Sena centrou sua fala no engajamento e inclusão de jovens, especialmente os afrodescendentes, e na importância da participação ativa nos espaços de tomada de decisão. O Fórum da Juventude, parte do mecanismo geral da América Latina e Caribe, é uma iniciativa voltada aos jovens que visam promover a participação ativa na região.

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Letícia Leobet

Na continuidade de ações de Geledés no âmbito das conferências da agenda de Desenvolvimento Sustentável, o instituto irá promover um evento paralelo durante o Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU, intitulado “Estratégias para promover a justiça reparadora para africanos e afrodescendentes na arena internacional”, nesta quarta-feira 16, na sede da Bahá’í International Community nas Nações Unidas, em Nova York. 

O evento reunirá representantes de governos, organismos internacionais, especialistas e sociedade civil afrodescendente, e tem como objetivo fomentar estratégias de incidência internacional que posicionem a justiça reparatória como eixo transversal e estruturante das agendas multilaterais contemporâneas. A atividade será bilíngue (português e inglês) e pretende fortalecer redes, articular compromissos políticos concretos e promover a coordenação entre os diversos atores engajados na promoção da justiça racial e dos direitos das pessoas africanas e afrodescendentes no cenário internacional​. Não perca!

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