Geledés recebe ILABANTU – Instituto Latino Americano de Tradições Afro Bantu em sua sede

Enviado por / FontePor Beatriz de Oliveira

Artigo produzido por Redação de Geledés

As duas organizações vão desenvolver ações em defesa da valorização de tradições afro-brasileiras

Na última quinta-feira (13), Geledés – Instituto da Mulher Negra recebeu em sua sede integrantes do ILABANTU – Instituto Latino Americano de Tradições Afro Bantu. O encontro marcou o início da cooperação entre as duas instituições, que vão desenvolver ações conjuntas em defesa das tradições afro-brasileiras e de enfrentamento ao racismo religioso. 

Localizado em Itapecerica da Serra (SP), o ILABANTU é uma entidade não governamental, de fortalecimento institucional e político dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana. O local também é sede da comunidade de candomblé Inzo Tumbansi, de matriz centro-africana Congo-Angola, de feição bantu, fundada por Taata Kwa Nkisi Katuvanjesi (Walmir Damasceno), jornalista, licenciado em Letras e bacharel em Direito.

O bantu é um termo que se refere a povos da África Central, bem como suas línguas e tradições. Deivison Nkosi, de nome africano Muendexi, integrante da comunidade Inzo Tumbansi, explica que fazem questão de demarcar que são de feição bantu devido ao apagamento que esse segmento sofreu ao longo da história brasileira. 

“O candomblé no Brasil foi criado a partir da negociação de diversas culturas africanas que aqui estavam [durante o período da colonização]. E, vale lembrar, que dessas várias Áfricas que vieram ao Brasil, a que que mais influenciou a cultura brasileira, o nosso jeito de ser brasileiro, foi a cultura conhecida como bantu. (…) No entanto, essa herança foi invisibilizada e estigmatizada em razão do racismo eugenista do século 19”, afirma o também professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e pesquisador das relações raciais, capitalismo e tecnologia.

Encontro abordou ensino de história e cultura afro-brasileira

“Uma parceria entre ILABANTU e Geledés é estratégica e fundamental, unindo forças de duas importantes instituições que compartilham o compromisso de preservar as tradições afro-brasileiras e combater o racismo religioso” disse o líder espiritual Taata Kwa Nkisi Katuvanjesi, que classificou a reunião como um “reencontro espiritual e ancestral”. 

Além de Taata Kwa Nkisi Katuvanjesi e Deivison Nkosi, a conversa contou com a presença de outros integrantes da comunidade: Elvia Cristina Santos e Tata João Victor de Oliveira. Estavam presentes também Antonia Quintão, presidenta de Geledés, Suelaine Carneiro, coordenadora de Educação e Pesquisa e Isabela Cristina Pereira, do Centro de Referência de Promoção da Igualdade Racial (CRPIR). 

Foto: Beatriz de Oliveira

O encontro abordou os desafios de aplicação da Lei 10.639, de 2003, que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira em todas as escolas brasileiras, principalmente nos níveis fundamental e médio. Para os presentes, entre os impasses para a plena implementação da lei estão o racismo religioso, a falta de formações adequadas para professores e a negligência do Estado com a efetivação da legislação. 

Segundo Taata Kwa Nkisi Katuvanjesi, as comunidades tradicionais de matriz africana podem contribuir com estratégias de disseminação desse tipo de ensino, pois os “terreiros são espaços educativos” e podem promover ações como visitas pedagógicas e intercâmbios culturais para aproximar estudantes da realidade dessas tradições.

Foto: Beatriz de Oliveira

“Lideranças religiosas e culturais podem atuar como agentes formadores, ministrando palestras, oficinas e rodas de conversa sobre temas como ancestralidade, resistência, religiosidade e cosmovisões africanas. A música, a dança, os cânticos e os rituais também se apresentam como ferramentas pedagógicas poderosas para ensinar não apenas história e cultura, mas também valores de coletividade, respeito e espiritualidade”, explica. 

E acrescentou: “a presença dessas comunidades no ambiente escolar contribui para desmistificar preconceitos, fortalecer a identidade de alunos negros e oferecer uma perspectiva histórica que reconheça a centralidade do povo africano na formação da nação brasileira”. 

O líder espiritual pontuou ainda que o racismo religioso afeta amplamente as comunidades tradicionais de matriz africana, por meio de atos de violência e ações que marginalizam e estigmatizam tais práticas religiosas. “A intolerância religiosa muitas vezes se mistura com práticas de exclusão racial, refletindo uma longa história de escravização e invisibilização dos povos negros” resumiu. 

Convidados destacaram importância da preservação da memória de comunidades negras

Os membros do ILABANTU foram ainda apresentados ao Centro de Documentação e Memória Institucional (CDMI), biblioteca que abriga o acervo histórico produzido ao longo de mais de três décadas de Geledés, além de disponibilizar documentos e livros relevantes para assuntos de raça e gênero. Durante a conversa, foi ressaltada a importância de se preservar documentos relacionados às comunidades negras em suas diferentes frentes de atuação, como forma de perpetuar seus legados. 

Foto: Beatriz de Oliveira

Deivison Nkosi destacou que as comunidades tradicionais de matriz africana são espaços que detém memórias de diferentes gerações, e que, por isso, devem ser preservadas, haja vista o apagamento das tradições e o racismo religioso por elas enfrentadas. “A preservação desses espaços é uma tarefa fundamental, não só para o Estado, em termos de políticas públicas, mas para comunidade negra como um todo”, disse. 

Para o pesquisador, uma parceria entre Geledés e ILABANTU ratifica o compromisso político de ambas as organizações no enfrentamento ao racismo religioso e no fortalecimento de uma educação antirracista. 

Taata Kwa Nkisi Katuvanjesi, por sua vez, afirmou que: “a aliança entre essas organizações simboliza a força da coletividade na luta contra o racismo e a intolerância, reafirmando que a resistência e a preservação das tradições afro-brasileiras só são possíveis por meio de esforços compartilhados”.


*Beatriz de Oliveira é jornalista de Geledés e tem experiência na cobertura de temas com recortes de raça e gênero

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