Glória Maria posa com as filhas e fala sobre criação: ‘mostro a elas que o mundo também é negro’

Mãe de Maria, de 10 anos, e Laura, de 9, ela fala sobre novas tecnologias para crianças, tolerância e a importância do não

por Bruno Astuto no O Globo

Glória, Laura e Maria vestem Dolce & Gabbana – Foto:  João Arraes

Quando fizemos esta entrevista, por telefone, Glória Maria estava terminando uma viagem de 20 dias pelo Sri Lanka, para um dos tantos programas que vão comemorar os 45 anos do “Globo Repórter” ao longo de 2018. Ela tinha acabado de conversar com as filhas, Maria, de 10 anos, e Laura, de 9, pelo Skype, uma ferramenta com que as meninas

estão mais do que familiarizadas, afinal são filhas de quem são. Exemplo de profissionalismo, vitalidade e independência, a jornalista, uma das mais admiradas do país, tornou-se também referência quando o assunto é maternidade. Ela discorre, sem qualquer rodeio, sobre os tabus — antigos e novos — que envolvem o tema, como redes sociais, adoção e a pressão que sofreu ao longo da vida para ser mãe, inclusive nos dois casamentos.

O GLOBO: Em que momento você se deu conta de que tinha se tornado uma mãe para valer?

GLÓRIA MARIA: Acho que foi logo no início, quando a Laura engasgou com um pedacinho daquela ameixa vermelha, sabe? A menina não desengasgava! Eu usei todos os recursos que eu aprendi ao longo da vida, de primeiro socorros, aí não deu. Liguei para a vizinha, saí com ela que nem louca para o hospital. Então, naquele momento, eu tive consciência da maternidade. Naquele desespero, eu tive a noção do que é ter um outro ser que depende de você e vice-versa.

Ninguém nunca a cobrou, ao longo da vida, para ser mãe?

A vida inteira, só que eu não estava nem aí. Eu nunca tive vontade de ser mãe, porque o meu trabalho era o meu filho. Eu cuidava, amava, dependia dele, não podia pensar na possibilidade de perdê-lo. A maternidade, para mim, significava jornalismo. Até eu conhecer as minhas filhas.

Como era essa cobrança dos outros?

Era uma coisa cruel. Diziam: “O seu tempo está passando. Depois que você ficar velha, você vai se arrepender, porque mulher nasceu para ser mãe”. A cobrança não doía, mas incomodava. Porque, quando você não cumpre aquele papel que as pessoas acham que você tem que cumprir, você vira um ET. Então eu me sentia um ET pelo fato de nunca ter pensado em ser mãe.

Você foi casada duas vezes. O que diziam Seus maridos?

Os dois cobravam, o tempo inteiro. Com o primeiro, que foi o Eric, um francês, eu até tentei para agradar a ele, que talvez tenha sido o maior amor da minha vida. Ele queria-porque-queria ser pai, então eu resolvi, na época, até fazer um tratamento para engravidar. Durou um ano, não rolou e o nosso casamento acabou basicamente por causa disso.

Não ter engravidado a frustrou?

Não. Primeiro porque eu não me esforcei tanto, e o desejo era muito mais dele do que meu. Fiquei frustrada por ver que o amor dele não era suficiente para superar a falta de um filho.

Como era sua relação com a sua mãe?

A minha mãe era — e é — uma pessoa maravilhosa, que me ensinou que o sentido da maternidade é o da liberdade. Ela nunca disse: “Olha, meu sonho é ver você entrando na igreja com vestido branco, casar e ter filhos”. Ela disse: “Olha, eu quero que você seja uma pessoa legal, que você seja um ser humano consciente”, e ponto.

Em 2007, você decidiu tirar dois anos sabáticos e viajou para a Nigéria e a Índia, para fazer trabalhos humanitários. Foi lá que bateu a vontade de ser mãe?

Eu fui à Índia para trabalhar com monges e mendigos. Quando eu cheguei lá, vi a carência daquelas crianças, a falta de amor que elas tinham. Não que no Brasil não existam crianças assim, mas na Índia eu tive a oportunidade de, pela primeira vez na vida, ser anônima. Em todas as viagens que eu fiz pelo mundo, vi tanta criança sofrendo, sozinha, abandonada e tratada como bicho, que eu tinha certeza de que um dia trabalharia com elas. Daí fui trabalhar num abrigo em Salvador e conheci minhas filhas.

Eu lembro que, nos primeiros anos de vida delas, elas só assistiam a DVDs de balé. Não rolava mesmo um desenho animado?

Até cinco, seis anos, elas assistiam ao Quebra-Nozes no Municipal, viajavam comigo para Nova Iorque para ver os musicais infantis e só ouviam música clássica. Até o dia em que, por acaso, no rádio do carro, elas ouviram Anitta, com o Show das Poderosas. E viraram as maiores fãs da Anitta.

Da esquerda para a direita, Laura, Gloria Maria e Maria – Foto: João Arraes

Isso foi bom ou ruim?

Eu acho que foi maravilhoso. Porque o mundo é feito de Shakespeare, de Anitta, de Rolling Stones, Frank Sinatra, João Gilberto. Até hoje, elas vão comigo ao Municipal e fazem balé clássico. Recentemente, a Maria me pediu para fazer street dance. Daqui a pouco, ela vai querer dançar funk. Eu vou dizer o quê? Tudo bem! Elas só não podem se tornar mulheres que não sabem o que é o mundo. Eu não fui criada no balé clássico porque a minha família não tinha dinheiro para isso. Só fui conhecer a música clássica quando tinha 18 anos. Minha educação foi muito diferente da delas e, hoje, dou a base que eu não tive, para que elas façam disso o que quiserem.

Você tem dificuldades em dizer “não”?

Tenho. Mas eu digo. Aprendi. Faço terapia até hoje para conseguir dizer “não” quando é necessário. Porque educar um filho, ao contrário do que muita gente pensa, não é só um trabalho psicológico, mas físico também. Dizer “não” cansa fisicamente. Então, o “sim” facilita a sua vida. Só que as crianças não vão ouvir “sim” de todo mundo, a vida inteira.

E nesse mundo de redes sociais, quais são os cuidados que você toma?

Todos. Meu bem, tablet só em casa, e com horário. Depois que chega em casa, a Maria pode usar o telefone durante meia hora para falar com as amigas. O aparelho dela é ligado ao meu. Por exemplo, eu a deixei fazer um Instagram. Ela tem 20 seguidores, que são os padrinhos, as madrinhas, as tias, as amigas da escola, e eu controlo todo mundo que ela segue. Elas ainda não têm acesso ao YouTube normal, só o Kids. E, quando querem assistir a alguma coisa, veem no meu telefone. No delas é proibido.

E por que as mães têm tanta dificuldade de administrar essas tecnologias?

É porque dá trabalho. Muitas mães não querem se incomodar, então toma tablet e iPhone! Porque, aí, o filho fica lá, cada um no seu quadrado, e não perturba a mãe.

Como você preparou as meninas para elas saberem que foram adotadas? Afinal, é um fato público.

A gente já conversou sobre isso. Elas têm um apoio terapêutico e, desde pequenininhas, sabem que saíram do meu coração. A nossa ligação é baseada na verdade.

Incomoda quando escrevem na imprensa “as filhas adotivas de Glória Maria”?

Eu tenho horror. Porque elas não são mais minhas filhas adotivas. Na certidão de nascimento, assim como tem escrito na dos filhos biológicos, não se lê “filha adotiva”. Recuso milhões de convites para fazer campanhas sobre adoção. Porque acho que isso é uma coisa de cada pessoa. O que que eu vou dizer para você? “Adota, que é maravilhoso”? E se não for maravilhoso para você, da maneira como foi para mim? A minha contribuição para o tema é o meu exemplo, e eu não quero ficar bancando a boazinha, porque adotar não faz de ninguém uma pessoa boazinha. É uma relação de amor e pronto. E você não tem que ficar dando satisfação para ninguém a respeito do amor.

Você era das poucas negras no seu métier. Suas filhas veem que, em volta delas, não existem tantos negros? Elas já a questionam a respeito disso?

Não existem referências negras suficientes no Brasil. Por isso, desde pequenas, eu as levei para o mundo. Para a África, já foram comigo duas vezes. Mostro a elas que o mundo também é negro. Porque, se dependesse do Brasil, elas não iriam saber disso nunca. No meio delas, na escola delas só tem brancos; no teatro, idem. O único lugar, no Brasil, em que elas conseguem ver a diversidade, encontrar a diversidade, são as festas da Regina Casé.

Num mundo em que se fala tanto de diversidade, as casas continuam brancas.

É um falatório, um trololó sem fim, com quase nenhuma aplicação prática. Dentro das casas, continua a segregação. A tolerância é só da porta para fora. A melhor amiga da Laura é a Maria Fernanda, uma menina que tem Down, sem a qual ela não vive. Minhas filhas são amigas dos filhos das babás, do meu motorista, dos porteiros do prédio, dos artistas, dos profissionais liberais. Elas são crianças que têm o olhar para tudo.

Não foram criadas para serem princesas, é isso?

Elas foram criadas para serem meninas que até podem ser princesas se quiserem. Veja a Meghan, que vai casar com o príncipe Harry (risos). Nada é descartado, mas elas são criadas para fazer o bem e com o pé no chão, como filhas de uma mãe que tem um trabalho e depende dele para viver.

Não pensa em dar um tempo nas viagens para ficar mais perto delas?

Para elas acharem que tudo cai do céu? Elas sabem que, para estudarem na escola em que estudam e irem aos lugares maravilhosos, é preciso trabalhar muito. Não gostam, sofrem, morrem de saudades, mas a gente se fala dez vezes por dia,eu quase enlouqueço. Não existe nada mais forte do que o exemplo. A referência é o que move a vida.

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