Grafiteiras, sim! Um papo com Nina Pandolfo e Criola

Conversamos com duas das artistas mais lembradas do país sobre grafite (ou grafitti), feminismo e reconhecimento.

Por Mirela Mazzola Do Tao Feminino

Em comum, Nina Pandolfo, de 39 anos, e Tainá Lima, a Criola, de 26, fazem arte de rua e são respeitadas e reconhecidas por isso. Uma em São Paulo, a outra em Belo Horizonte – ambas com trabalhos além dos muros das duas capitais. Nina já expôs na galeria Lazarides, em Londres, em outros países da Europa e nos Estados Unidos. Criola já está preparando as obras para sua primeira mostra individual.

Nina é conhecida, principalmente, pelas figuras femininas, joviais e de olhos grandes, quase sempre na presença de seres da natureza, como gatos (inspirados no seu Rakim, de 17 anos), pássaros e cogumelos. Nascida em Tupã, no interior paulista, Nina é a caçula de cinco irmãs e se mudou ainda bebê para a capital. As meninas presentes em suas obras são influência direta desse universo.

Criola nasceu na capital mineira, onde mora, e estampa pela cidade sua marca, em cores vivas, traços étnicos e brasileiros, com representações frequentes da mulher negra. Seu discurso social é forte: para ela, não é possível falar de grafite (ou grafitti, já que se recusa a usar a grafia aportuguesada) sem conhecer seus verdadeiros protagonistas.

A gente bateu um papo com elas, sem esquecer de mencionar as medidas do prefeito João Doria, de São Paulo, de apagar murais do maior corredor de grafite da América Latina, na Avenida 23 de Maio, e em outros pontos da cidade. Vale a leitura, garota!

Entrevista com Nina Pandolfo

Quais as lembranças da sua infância mais influenciam suas obras?

Justamente ter crescido entre quatro irmãs mais velhas, em um universo totalmente feminino

Você acha que precisou de reconhecimento no exterior, expondo em galerias e mostras individuais, para ser valorizada no Brasil?

Antes de ter mostras fora do Brasil já havia exposto por aqui, mas com repercussão menor. Claro que expor no exterior ajudou a olharem meu trabalho de forma diferente, mas não foi só isso que levou ao reconhecimento que tenho hoje.

O que o grafite significa pra você? É sua plataforma favorita de expor suas obras?

Para mim, representa uma arte sem fronteiras, que inclui pessoas independentemente da classe social ou conhecimento de arte. Uma arte para todos. Gosto muito de provar novas técnicas, suportes e tintas, então não tenho como dizer qual é a favorita. Ainda estou conhecendo muitas coisas novas.

Você consegue pontuar o momento mais marcante da sua carreira?

Existem vários, tanto pelo tipo de suporte, como foi com o castelo [em 2007, Nina, a dupla Os Gemeos e Francesca Nunca, todos brasileiros, grafitaram o castelo de Kelburn, na Escócia], quanto pelo país, como Cuba e Suécia, onde o sol quase não se mostra no decorrer do ano. Enfim, foram muitos momentos, e todos diferentes entre si.

Você acha que a presença constante de elementos femininos em suas obras exige um engajamento feminista? Como você se posiciona em relação a isso?

Nunca parei pra pensar, mas talvez pelo fato de pintar mulheres e em uma área em que a maioria é homem, eu já esteja engajada.

Em quais projetos está trabalhando atualmente?

Em junho estarei em Xangai para pintar um mural, e há outros projetos sem data definida.

Você já se sentiu discriminada por outros grafiteiros por ser mulher?

No início, alguns grafiteiros não consideravam meu trabalho como sendo grafite. Mas foram poucos e isso nunca me abalou.

E entre outros artistas plásticos, por ser grafiteira?

Infelizmente, algumas pessoas de outras áreas, não digo artistas plásticos, nos vêem como um “iniciante”, alguém que está brincando de ser artista.

Como é sua rotina? Considera-se feminina e vaidosa como as figuras que cria?

Sim, me considero vaidosa e feminina. Não sei se como minhas personagens, mas me considero.

Entrevista com Tainá Lima, a Criola

Quando você descobriu o grafite? O que ele representa na sua trajetória pessoal?

Foi através do hip hop. O grafite representa praticamente tudo na minha vida. É o instrumento com o qual eu dialogo com o universo expressando as minhas ideias, crenças e emoções.

Onde aprendeu a pintar?

Primeiro aprendi desenho e pintura em tela em uma escola chamada Maison da Arte. Já o grafite eu aprendi e aprendo como autodidata.

Em que momento você percebeu que era reconhecida pela arte que produz?

Acredito que o artista nunca tem a medida exata do reconhecimento e do alcance da sua arte. Eu me surpreendo cada vez que alguém chega até mim dizendo ser fã do meu trabalho. Outro dia, estava pintando em um evento e a Camila Pitanga se aproximou e disse amar minha arte. Quando eu iria imaginar isso? [Risos.] Esse “não saber” é muito belo, porque isso demonstra que o artista não é o detentor da arte e sim o espectador. A partir do momento em que eu termino um mural ele deixa de ser meu, é lançado ao universo e a quem permite se sintonizar com ele.

Você acha que o grafite ser reconhecido e admirado como arte, digamos assim, diminui sua função marginal, de protesto?

O grafite não é uma expressão regular. Acho que a sociedade tem dificuldade em entender esse universo por não buscar o conhecimento na fonte. É preciso que as pessoas se predisponham a dialogar com os integrantes de maneira horizontal, para buscar conhecimento com os próprios artistas urbanos. Vejo muitas pessoas definindo o que é grafite, o diferenciando de pichação, sem ao menos considerar as definições dos próprios autores. As pessoas parecem ter doutorado quando o assunto é street art, principalmente depois da ação do prefeito de São Paulo, sem procurar entender essa manifestação urbana. Levando em consideração a origem do termo “graffiti”, que não pode ser traduzido por grafite [tanto Nina quanto Criola usam o termo original em italiano, grafitti. Os verbetes grafite e grafiteiro são reconhecidos pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, assim como pichação, e o tãofeminino optou por usá-los]: se eu fizer sem pedir autorização ao morador ele é irregular. Mas se eu for autorizada, ele deixa de ser grafite e passa a ser um mural. Isso porque a essência conceitual do grafite é marginal e ilegal.

O que acha da medida da Prefeitura de São Paulo de apagar grafites? [Nina preferiu não se manifestar sobre o assunto nesta entrevista, mas já havia declarado, para o jornal Folha de S. Paulo, ser contra a iniciativa de apagar os murais.]

Acho que o prefeito João Doria deu um tiro no pé. Não importa como a sociedade enxergue o grafite, ele continua ocupando o seu papel, e isso independe de projetos para enquadrá-lo em uma legalidade ilusória. É triste ver a essa mentalidade representada por pessoas eleitas, que ditam a ordem e o capital de uma cidade tão imensa. A mídia manipula e o governo rouba, e no meio disso tem um grafite. Adivinha para onde é canalizado o ódio da maioria? Uma cidade grande sem grafite é uma cidade morta. Não sejamos inocentes em acreditar que tudo passa apenas por uma questão estética: bonito X feio, legal X ilegal, grafite X pichação.

Você tem medo que a iniciativa se repita em outras cidades?

Não, pelo contrário [risos]. Acho ótimo quando o ódio vem à tona, isso significa que podemos ao menos tentar dialogar e transformar, algo impossível quando as coisas são veladas. Apagar os muros foi na verdade um clarão colocado sobre a forma ignorante como a maioria dos governantes enxerga o grafite.

Você acha que a presença constante de elementos femininos em suas obras exige um engajamento feminista?

Não acho, mas se engajar no feminismo é um caminho natural para uma artista que traz esses elementos femininos para as obras. Não é preciso se declarar feminista para ter esse engajamento. E essa não-obrigação em ter que levantar uma bandeira é ótima. Isso porque uma bandeira só pode ser levantada de dentro pra fora, você precisa sentir a força interna para levantá-la. Eu sou feminista porque eu sou mulher, não quero morrer por ser mulher e não quero que nenhuma mulher seja aniquilada pela violência machista. Se você é mulher e concorda comigo, pasme! Você é feminista e nem sabia!

Em quais projetos está trabalhando atualmente?

No momento estou pintando uma série de telas limitadas para a minha primeira exposição.

Como é sua rotina e quais são seus hobbies?

Quando estou em BH eu gosto de ir a exposições, sair pra jantar, meditar e praticar ioga. Mas meu hobby mesmo é pintar.

Você já se sentiu preconceito de outros grafiteiros por ser mulher?

Já senti preconceito por ser mulher algumas vezes sim. Aquela olhada básica, como se você não soubesse ou não desse conta de pintar, não fosse qualificada ou não merecesse o trabalho. Quando pintei o mural na loja da Nike na Rua Oscar Freire, em São Paulo, chegaram a me falar que eu não tinha técnica suficiente para isso e que não entendiam o porquê haviam me chamado com tão pouco tempo pintando. Mas muitas pessoas esquecem que, mais importante que a técnica, é a mensagem. E isso vale pra tudo na vida, eu aprendo até hoje a lidar com o spray.

E entre outros artistas plásticos, por ser grafiteira?
Nunca senti preconceito, pelo menos os que convivi sempre acharam legal.

Inspire-se!

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