“Me gritaron negra”

O último 25 de julho foi o Dia da Mulher Afro-latino-americana e caribenha. Com o objetivo de ampliar e fortalecer a união e a mobilização das mulheres negras no continente, a data foi criada após o I Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e caribenhas em Santo Domingo, na República Dominicana, em 1992.

Por: Mônica Francisco*

Ainda há muito a fazer para mudar o status da mulher negra, ainda em subempregos, ganhando menos do que os homens brancos e negros e do que as mulheres brancas, e tratadas de forma jocosa nas artes, ou sempre em condição subalternizada. Estão à mercê das condições mais extremas de vulnerabilidade em todo o mundo, mas cada vez mais imbuídas de um desejo de mudança, e não só desejando mas agindo em relação a isso.

Resolvi escrever um pouco e inspirar-me nas mulheres negras do Continente e também da minha vida, que me influenciaram, comoveram e continuam me influenciando até hoje, por sua luta, resiliência e fé na vida. “Me Gritaron Negra” é um poema ritmado da compositora e coreógrafa afro-peruana Victória Santa Cruz Gamarra, 91 anos, e que tem como roteiro a narrativa de uma experiência verídica de racismo sofrida pela autora em sua infância, na poesia.

Um amigo me fez recordá-lo ao postar em meu Facebook esta semana e eu resolvi compartilhá-lo com vocês em meu artigo e usá-lo como ponto de partida de minhas reflexões e suas também meu querido e querida leitor(a).

“Eu tinha apenas sete anos, apenas sete anos, que sete anos, não chegavam a cinco. De repente algumas vozes na rua gritaram NEGRA.

Negra não te esqueças, é só olhar onde vives e em que escola estudas, e te faremos lembrar caso ouses te esquecer, com o destino dos teus irmãos e teus amigos da infância que serão contados entre os mortos e farão parte das tuas memórias desde tenra idade.

Por acaso sou negra? sim, pensei então o que é ser negra? Eu não sabia a triste verdade que aquilo escondia. E me senti NEGRA, como eles gritavam e recuei como eles queriam. Odiei meus cabelos e meu lábios grossos e olhei com vergonha minha carne tostada e recuei, recuei.

E o tempo passava e eu sempre amargurada seguia levando nas costas minha pesada carga, e como pesava! Alisei meu cabelo, passei pó de arroz no rosto, mas nas minhas entranhas sempre ressoavam as mesmas palavras: NEGRA,NEGRA,NEGRA!

Até que um dia eu recuei tanto que ia cair.

E o que é que tem, negra sim, sou negra. De hoje em diante não quero alisar meu cabelo, não quero. E vou rir daquelas pessoas que, por educação,e por nos evitar, chama os negros de “gente de cor”. E que cor é essa? NEGRA!

E que linda soa!  NEGRA! E que ritmo tem, NEGRA, NEGRA, NEGRA!

Por fim entendi, já não recuo mais. Já avanço segura, avanço e espero.

E dou graças a Deus de ter como cor da pele o negro âmbar!

Já entendi, já tenho a chave, sou NEGRA!”

Sentimento que dói no começo, mas que se transforma ao longo da vida em força. Me lembro de Lélia Gonzales, Ruth Barros, Maria Luiza Fiuza(minha vó/mãe), Nina Simone, Angela Davis, Nathália Rodrigues,Ruth de Souza, Benedita da Silva, Cláudia Silva Ferreira, arrastada, corpo que não vale nada, carne barata, descartável e  sem valor.

Me gritaram negra aos 11 anos quando a diretora da minha escola disse que onde minha colega de turma da quinta série, filha de diplomata, que onde ela entrava, nós todas negras, nunca colocaríamos nem o dedão do pé.

Assim em um lugar idealizado e sagrado, a escola, a gente descobre rápido o que é ser negra. Somos nós, a linda Refem enegrecendo e feminilizando a vida, e a forte Combatente, lutadoras contra o duradouro racismo e a discriminação ao nosso corpo negro.

Lembro de Luiza Mahin, das lutas das empregadas domésticas contra o colonialismo do poder e da subalternidade,Carolina Maria de Jesus, Elizete Napoleão, Dandara. Milena Francisco(minha filha). Dos cabelos crespos blackpower da Lília de Souza, jornalista baiana, agredida pelo racismo das nossas instituições.

Lembro das Blogueiras Negras, das Meninas Blackpower, Jurema Werneck, Sueli Carneiro, CRIOLA, Renata Trajano,Oraída Abreu, Adriana Barbosa, Ana Célia Minuto, poderia nominá-las todas e continuaria cometendo injustiças, porque tantas e tantas heroínas não foram contadas, nominadas na história negra das negras da nossa história.

“A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não à GENTRIFICAÇÃO e ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!”

*Membro da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.

Fonte:Jb

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