Há um racismo indicioso que exige luta dos movimentos sociais de uma maneira que não se pensava antes diz Boaventura Santos

Fonte: http://www.direitoshumanos.etc.br

{xtypo_quote}Há um racismo indicioso que exige luta dos movimentos sociais de uma maneira que não se pensava antes diz Boaventura Santos {/xtypo_quote}

 

Sociólogo português reconhece a atuação do Movimento Negro e do Movimento Quilombola, classificando-os “como fortes e emergentes”. Ele foi o grande nome do seminário Universidade e Sociedade, iniciado ontem (4/6) na Universidade de Brasília, e sentenciou: “a sociedade brasileira é racista e acabou”

Por :Isabel Clavelin

 

 

Aclamado pelos movimentos sociais e partidos de esquerda, Boaventura Sousa Santos apresentou a conferência “A Reinvenção da Emancipação Social a partir das Epistemologias do Sul”, na última quinta-feira (4/6), na Universidade de Brasília. O sociólogo português abordou temas bastante conhecidos pelo movimento social brasileiro, como o distanciamento das universidades dos grandes problemas sociais e o descrédito da ação política dos movimentos sociais pela academia. E mais: conclamou o público para a valorização dos saberes indígenas, afrodescendentes, de mulheres e grupos excluídos como elementos estratégicos para um novo paradigma mundial.
“Há uma discrepância entre a Teoria Crítica e as transformações sociais em curso. Isso sequer foi pensado ou imaginado pelo pensamento crítico. Esse é um momento de revisão do que foi aprendido há tempos para o apontamento de outras realidades, oportunidades e desafios”, iniciou o pesquisador. Sua exposição apontou para um mundo repleto de alternativas, mas ainda não captado pelo pensamento crítico. Mais que alternativas, o pensador português percebe transformações sociais impulsionadas por agentes descredibilizados e, por vezes, desqualificados ou descartados pelas forças hegemônicas da sociedade e pela Teoria Crítica.

 

Estranheza de toda a gente excluída
Citando os agentes dessa transformação – indígenas, afrodescendentes, mulheres, camponeses, gays, moradores de favelas, grevistas, entre outros -, Boaventura sentenciou: “é gente estranha fazendo transformação social. É essa gente estranha que fala língua estranha, que não fala a língua colonial”. O sociólogo mencionou os casos da da Bolívia e do Equador, países em que os marcos legais passaram a incorporar conceitos culturais indígenas, como exemplos de um processo de inclusão e ressignificação, denominado por ele como “ecologia do saber”.
Ciente da limitação e do longo percurso para essas mudanças, Boaventura ele recomenda a abstração do pensamento ocidental, para que valores e visões dos “grupos descredibilizados” sejam compreendidos. “África e Ásia. Há um mundo não resignado, que está reagindo e trazendo novos elementos. Mas é preciso humildade científica e humildade cultural. Não há justiça social sem justiça cognitiva. Não precisamos de alternativas, e sim de conhecimentos alternativos ao modelo que aí está”, reflete.

 

Ancestralidade africana e indígena
São bases de sua tese o passado e a energia futurante de indígenas e africanos. “Os movimentos indígenas e afrodescendentes demonstram que é possível inovar a partir do novo e do ancestral. Eles têm a seu dispor um passado pré-capitalista e pré-colonialista, antes de tudo”.
Para Boaventura, deve ser estruturada uma base epistemológica (pensar e repensar a ciência) do Sul a partir do conhecimento e da experiência dos povos tradicionais e de grupos historicamente excluídos do poder e da participação social. Ele também sugere que os meios hegemônicos sejam usados de forma contra-hegemônica, sobretudo, para o enfrentamento do racismo e da distribuição de terras. “A epistemologia do Sul tem o desafio de credibilizar os indígenas , afrodescendentes, mulheres e todos os excluídos pelo pensamento ocidental, pela epistemologia do Norte elaborada por cinco países da Europa e pelos Estados Unidos”.

 

Fracasso do século XX: racismo e apropriação de terras
“Há um racismo insidioso que exige luta dos movimentos sociais de uma maneira que não se pensava antes. O Movimento Negro e o Movimento Quilombola são expressões fortes e emergentes no Brasil. Mas o peso da democracia racial é alto e profundamente ideológico”, apontou. Boaventura pontua que as “duas grandes lutas do século XX – a anti-colonial e a anti-capitalista” fracassaram devido à continuidade do racismo e da apropriação da terra.
Classificando a sociedade brasileira como “racista e não a única no mundo”, o pesquisador citou as manifestações de racismo na Europa através da repressão de imigrantes e na academia, percebida na própria palestra. “A luta do racismo é contra as ausências. Vejam esse auditório. Quem falta nessas cadeiras? O mesmo se aplica ao sexismo. Vejam essa mesa!”, desafiou. Para ele, o questionamento da constitucionalidade das cotas para negros nas universidades brasileiras deve ter reforços: “vamos ver se os estudantes, que gostam tanto de ir às ruas, também irão nesse tema. A resistência está aí”, incentivou.

 

Grande imprensa e imprensa negra
Um dos lugares da sociedade em que a luta contra o racismo se expressa de forma mais acentuada é na imprensa, por meio do acesso à informação e pluralidade de opiniões. Sabedor da desproporção do debate de ideias para superação do racismo no noticiário da grande imprensa brasileira, Boaventura aposta na produção de outros meios de comunicação.
{xtypo_quote}”São as rádios comunitárias, a imprensa negra e as diferentes possibilidades de comunicação que estão travando a luta contra a hegemonia. O racismo é a combinação mais venenosa e insidiosa entre o capitalismo e o colonialismo”, finalizou.{/xtypo_quote}

 

+ sobre o tema

Coletivo Luiza Bairros: conheça grupo que atua no combate ao racismo institucional na UFBA

A principal estratégia utilizada é na exigência do cumprimento...

Após reivindicação do movimento negro, sítio arqueológico no centro do Rio será preservado

Diferente das ossadas humanas descobertas durante escavações próximas à...

Agenda única de eventos em novembro celebra a consciência negra na UFMG

Iniciativa, que une comunidade e gestão, integra formação, informação...

para lembrar

spot_imgspot_img

João Cândido e o silêncio da escola

João Cândido, o Almirante Negro, é um herói brasileiro. Nasceu no dia 24 de junho de 1880, Encruzilhada do Sul, Rio Grande do Sul....

Levantamento mostra que menos de 10% dos monumentos no Rio retratam pessoas negras

A escravidão foi abolida há 135 anos, mas seus efeitos ainda podem ser notados em um simples passeio pela cidade. Ajudam a explicar, por...

Racismo ainda marca vida de brasileiros

Uma mãe é questionada por uma criança por ser branca e ter um filho negro. Por conta da cor da pele, um homem foi...
-+=