Hepatite C: Nova terapia chega ao SUS até outubro. “Sucesso é superior a 90%”, comemora Evaldo Stanislau

Como repórter especializada em saúde, acompanho a epidemia de aids, desde 1980, quando o diagnóstico de infecção pelo HIV era sentença de morte.

por Conceição Lemes, do Viomundo 

De lá até dezembro de 2013, ela ceifou a vida no Brasil de 278.306 homens e mulheres, de crianças a idosos, anônimos e famosos, pobres e ricos.

A partir de 1996, com o advento dos “coquetéis antirretrovirais” e sua incorporação ao Sistema Único de Saúde (SUS), vi, felizmente, essa história mudar pouco a pouco e a aids se tornar o que é hoje:  uma doença crônica, tratável, como diabetes e hipertensão.

Em 30 de junho deste ano, todos nós testemunhamos algo impensável há 35 anos: a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou:  Cuba havia se tornado, oficialmente, naquele dia, o primeiro país do mundo livre da transmissão de mãe para filho do HIV e da sífilis.

Pois bem, preparem-se, outra virada importantíssima está a caminho. A OMS pretende eliminar a hepatite C como problema de saúde pública até 2030.

O vírus da hepatite C (HCV) foi  isolado em 1989. Até então a sua hepatite era  chamada de  Não A-Não B.  Em 1990, surgiu o teste para a detectá-lo no sangue. Em 1993, o teste passou a ser obrigatório em todos os doadores de sangue.

Atualmente, o HCV causa no Brasil cerca de 3 mil óbitos por ano – no mundo, entre 350 mil e 700 mil.  Estima-se no País 1,4 milhão de infectados.

“A primeira tarefa para atingir a meta da OMS é diagnosticar mais. Menos de 10% dos infectados sabem da sua condição sorológica. São apenas a  ponta doiceberg”, alerta o médico infectologista e pesquisador Evaldo Stanislau Affonso de Araújo, do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. “A segunda tarefa é tornar a nova terapia, comprovadamente muito mais eficaz, mais acessível aos pacientes.”

O primeiro passo foi dado com a introdução no SUS dos testes rápidos para diagnóstico da hepatite C. Em 2011, foram distribuídos 15 mil. Em 2014, 1,4 milhão.

O segundo passo foi anunciado no final de julho pelo ministro da Saúde, Arthur Chioro: o SUS disponibilizará três novas drogas para tratar a hepatite C. São daclatasvir, simeprevir e sofosbuvir. Além de muito mais eficaz do que o até recentemente disponível, o novo tratamento tem menor duração, aumentando a possibilidade de o paciente segui-lo à risca, o que eleva a chance de cura.

Durante a ntrevista coletiva, o ministro previu que elas estariam disponíveis no SUS em dezembro. Mas isso deve acontecer antes, até o outubro. O daclatasvir já está no almoxarifado do Ministério da Saúde.  O simeprevir e sofosbuvir devem chegar na segunda quinzena de setembro.

“As taxas de sucesso serão superiores a 90%, em média”, comemora desde já Evaldo Stanislau, que integra os comitês Técnico-Assessor  em Hepatites do Ministério da Saúde e  Científico e Estratégico para Hepatites Virais da OMS.

Foi pela comparação entre o novo tratamento e o antigo que começamos a nossa entrevista. 

Blog da Saúde – A taxa de cura com o tratamento existente até pouco tempo atrás é baixa. Qual é e por quê?

Evaldo StanislauA terapia antiga é baseada no interferon.  A combinação dele com ribavirina (antiviral) tem eficácia de 30%. Além disso, o tratamento com interferon tem limitações devido à sua complexidade e aos efeitos colaterais. A baixa efetividade não resulta apenas dessas variáveis, mas também da interação com características genéticas do pacientes.

Já o tratamento com boceprevir e telaprevir tem uma eficácia ao redor de 60%. Esses medicamentos são a primeira geração de antivirais que atuam diretamente numa das proteínas do vírus HCV, mas foram abandonados devido à complexidade de utilização e inúmeros efeitos colaterais.

Blog da Saúde – Interação genética?! Explique melhor.

Evaldo Stanislau — Os brasileiros são  fadados a responder mal ao interferon devido a características genéticas próprias ao latinos e diretamente ligadas ao mecanismo de ação do interferon.  Por isso, o seu uso associado à ribavirina não é altamente efetivo.

Outros complicadores do tratamento com interferon: é injetável, exige internação e apoio de especialista para a sua aplicação e tem várias contraindicações. Ele não pode ser usado, por exemplo, em pacientes com coinfecção pelo HIV, cirrose descompensada, pré e pós-transplante. Também é contraindicado a pacientes com má resposta à terapia com interferon, ou que não se curaram com tratamento boceprevir e telaprevir.

Consequentemente, pacientes gravíssimos, que precisavam muito da terapia, não podiam ser tratados. A cura espontânea é fenômeno raro. Ocorre em menos de 15% dos expostos.

Blog da Saúde – O novo  tratamento prevê o uso de daclatasvir, simeprevir e sofosbuvir. Qual a diferença entre a terapia com essas novas drogas e a antiga?

Evaldo Stanislau — A nova terapia objetiva o não uso do interferon, que é injetável e bastante limitado, como você já percebeu.

O daclatasvir, simeprevir e sofosbuvir atuam diretamente no vírus da hepatite C, bloqueando diferentes etapas da sua replicação. Eles são mais eficazes, seguros e permitem terapias de menor duração — 12 a 24 semanas versus 24-48/72 semanas, no caso do interferon.

Blog da Saúde – Como eles vão ser usados?

Evaldo Stanislau  — Associados. O sofosbuvir inibe a polimerase viral e deve estar presente como droga base. Ele será usado em combinação com daclatasvir ou simeprevir.

Portanto, usaremos: sofosbuvir + daclatasvir; ou, sofosbivir+ simeprevir. Em situações excepcionais, sofosbuvir será usado apenas com ribavirina (um remédio já em uso e barato).  A ribavirina poderá ser associada também ao daclatasvir/simeprevir + sofosbuvir.

Blog da Saúde  –  E a eficácia?

Evaldo Stanislau — As taxas de sucesso serão superiores a 90%, em média. Além disso, poderão ser usados em quem já foi tratado antes e, praticamente, não têm contraindicações. Serão dois comprimidos uma vez ao dia

Blog da Saúde – Como se transmite o vírus da hepatite C?

Evaldo Stanislau – Contato com sangue contaminado, por meio direto — transfusões no passado — ou indireto — objetos com resíduos de sangue. A transmissão sexual e a vertical (mãe para filho) são infrequentes. Podem, porém, excepcionalmente ocorrer, em especial em homens que fazem sexo com homens. No ambiente e em procedimentos terapêuticos, diagnósticos e mesmo estéticos, apenas se houver quebra de protocolos básicos de biossegurança.

Blog da Saúde – Segundo as estimativas, há no Brasil 1,4 milhão de infectados. Quando e como essas pessoas se infectaram?

Evaldo Stanislau – Majoritariamente nas décadas de 1980/1990, quando não se tinha isolado o vírus, logo não se fazia testagem dos doadores de sangue.

As pessoas se contaminaram de várias formas: drogas injetáveis, transfusões, hemodiálise, sexo sem camisinha, tatuagens, compartilhamento de objetos de uso pessoal (alicate de manicure e aparelho de barbear, por exemplo) e para utilização de drogas (seringas não descartáveis).

Blog da Saúde — Das várias formas de transmissão, quantos por cento foram por via sexual transfusão, alicate de manicure, seringas não descartáveis, etc? Na década de 1990, dizia-se que o vírus C não se transmitia por relações sexuais…

Evaldo Stanislau – A transmissão sexual ainda é um tema muito debatido por pesquisadores de todo o mundo. Ela é absolutamente irrelevante, exceto em homens que fazem sexo com homens onde temos observado microepidemias associadas a determinadas práticas sexuais, como fisting [inserção da mão ou antebraço no ânus].

Podemos grosseiramente dividir: 30% por transfusão — ocorreram antes de 1993, quando o sangue passou a ser testado; 30% por uso de drogas injetáveis ou remédios injetáveis, como o glucoenergan; e 40% por causas inaparentes — manicure, seringas não descartáveis, etc.

O contato com sangue é o meio de transmissão pelo qual as pessoas com mais de 40-45 anos de idade foram mais expostas ao longo da vida (ainda que de forma inaparente).

Sem diagnóstico até 1993, a hepatite C é uma doença silenciosa, com poucos sintomas, e importante causa de cirrose, câncer e transplante de fígado. A doença é responsável por  31% a 50% dos transplantes de fígado em adultos.

Blog da Saúde – Considerando-se que 90% dos infectados não sabem da sua condição sorológica, quem deveria fazer o teste da hepatite C?

Evaldo Stanislau — Pessoas que fizeram cirurgia ou receberam transfusão de sangue antes de 1993. É o primeiro passo para a cura. E todos com mais de 40 anos de idade.

Blog da Saúde – Considerando-se que, devido à testagem do sangue, atualmente menos gente se infecta e a eficácia do novo tratamento é superior a 90%, é possível dizer que estamos a caminho da eliminação da eliminação?

Evaldo Stanislau – Sim!!! É a meta. A OMS pretende eliminar a hepatite C como problema de saúde pública até 2030.

Mas, para tanto, a primeira tarefa é diagnosticar mais. Insisto. Menos de  10% dos infectados sabem da sua condição sorológica. São apenas ponta do iceberg. A segunda tarefa é tornar a nova terapia, comprovadamente muito mais eficaz, mais acessível aos pacientes. Isso nós teremos para todos os pacientes do SUS com indicação terapêutica ainda neste semestre.

+ sobre o tema

Museus e instituições culturais de São Paulo têm vagas abertas

Museu Afro Brasil, SESC-SP, MIS-SP e Pinacoteca têm oportunidades...

A ditadura dos algoritmos e a informação para conformar o que já se pensa

Na coluna passada, falei sobre a crise da credibilidade...

Nota pública do CONANDA contrária ao Projeto de Lei 1904/2024

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do...

552 vagas de aprendiz no curso de aprendizagem industrial – SABESP

A Companhia de Saneamento Básico do Estado de...

para lembrar

Uma nova migração no mercado financeiro

Em 2011, mais de 200 mil profissionais foram demitidos...

Fazendeiros transformam MS em Estado sem lei

Força Nacional cruza os braços na morte do índio...

Desde sexta-feira com a chegada de Privataria Tucana ouve-se estrondoso silêncio na velha mídia

Talvez porque esta mídia velha seja cúmplice demais da...
spot_imgspot_img

Campanha quer proteger crianças e adolescentes no carnaval

O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) lançou neste sábado (15), em Belo Horizonte (MG), a campanha “Pule, Brinque e Cuide – Unidos...

Geledés se aproxima da União Africana (UA)

O assessor internacional de Geledés, Gabriel Dantas foi convidado a participar como observador do evento de Pré-Lançamento do Tema da União Africana 2025, cuja...

Mutirão para trans e travestis oferece mais de 1 mil vagas de emprego

O Sindicato Paulista de Empresas de Contact Center (Sintelmark) promove nesta quarta-feira (12), em São Paulo, um mutirão de emprego para pessoas transexuais e...
-+=