Histórias Incríveis: 1.001 causos de Oliveira, o craque da resenha

Com ‘título’ de ‘campeão e rebaixado no mesmo ano em um campeonato’, ex-companheiro de Guardiola e Kaká lembra Fla-Flu com Batigol no Catar

Por Thiago Dias

No idioma do futebol, resenha é o momento do papo descontraído. Uma boa resenha tem personagens engraçados, situações inusitadas e algumas doses de exagero. Nesse ambiente, o bom contador de causos se destaca. Faz amizades, coleciona histórias, ajuda a eternizar o folclore que cerca a bola. A geração do São Paulo que revelou nomes como Kaká, Julio Baptista e Fábio Simplício também deu ao mundo um craque da resenha. “Fla-Flu” contra Batistuta? Ele jogou. Guardiola como cão de guarda? Ele teve. Campeão e rebaixado no mesmo campeonato? Só ele foi, garante. Histórias incríveis vividas pelo ex-atacante Oliveira, o homem de 1.001 causos que se aposentou com apenas 31 anos e agora faz estágio de treinador nas divisões de base do Botafogo.

Na Copa São Paulo de Juniores em 2000, Oliveira era um dos destaques do Tricolor campeão, no qual um certo Cacá estava na reserva. Os dois disputaram juntos ainda o Mundial Sub-20 de 2001 (também com Adriano, o Imperador), quando a Seleção foi eliminada nas quartas de final contra Gana. O tempo passou, o atacante rodou por vários clubes do futebol brasileiro e teve experiências no Catar e na Suécia antes de pendurar as chuteiras no início deste ano. Já o amigo virou Kaká, foi eleito pela Fifa o melhor jogador do mundo de 2007, atualmente defende o poderoso Real Madrid e está brigando por uma vaga na Copa das Confederações. Com o sorriso no rosto, o sempre bem-humorado Oliveira garante não ter motivos para reclamar do que viveu no futebol. Pelo contrário.

– Eu me considero um cara muito sortudo. Para jogar com Guardiola, Kaká e esses craques todos, tem que ter sorte – disse Oliveira, que também atuou na base tricolor com Emerson Sheik.

As histórias acumuladas na carreira viraram resenha com os amigos. Como o título de “único campeão e rebaixado no mesmo ano em um campeonato” que Oliveira carrega com orgulho. A situação aconteceu em 2002, quando o Campeonato Paulista foi dividido em dois por causa do Rio-São Paulo. No primeiro, vencido pelo Ituano, o ex-atacante foi emprestado pelo São Paulo à Matonense, que acabou caindo para a Segundona. Voltou ao Tricolor, ganhou chances com o técnico Oswaldo Oliveira e disputou o Super Paulistão, que contava ainda com Ituano, Corinthians e Palmeiras. Oliveira entrou em campo nas duas finais contra o time do interior e levantou a taça.

Um ano antes, Oliveira viveu de perto a transformação do amigo Kaká em ídolo do São Paulo. No dia 7 de março de 2001, o ex-atacante estava na reserva com o meia do Real, no Morumbi. O Botafogo vencia por 1 a 0, pela final do Torneio Rio-São Paulo. O treinador Oswaldo Alvarez escolheu então um dos meninos para entrar em campo: com a camisa 30, “Cacá” marcou duas vezes e entrou para a história. Atrás da baliza do goleiro Wágner, Oliveira e Renatinho, que sonhavam com uma chance no profissional, ganharam o abraço da jovem estrela.

– A gente sempre brincou muito, nós três. Antes da decisão, alguém falou: “Um de nós três vai entrar no jogo e fazer o gol. E quem fizer vai comemorar com os outros.” Todo mundo concordou. Quando chegou no jogo, o Kaká entrou. Na hora que ele fez os dois gols, correu e foi abraçar a gente. Pode pegar o vídeo que você vai vê-lo indo comemorar com a gente – lembrou o ex-atacante.

Sem espaço no time de cima, seguiu para o Catar. Lá, Oliveira viveu o auge – da resenha. Na primeira passagem pelo país, entre 2003 e 2004 (foram três no total), o ex-atacante teve a chance de jogar ao lado de Pep Guardiola no Al Ahli e de enfrentar craques como os atacantes argentinos Batistuta (ex-Al Arabi) e Canniggia (ex-Qatar SC), o zagueiro espanhol Hierro (ex-Al Rayyan) e o meia alemão Effenberg (ex-Al Arabi). Contra Batigol, o brasileiro guarda o seu causo preferido: o “Fla-Flu” em Doha.

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De Guardiola, só boas lembranças. Já aos 32 anos, o ex-capitão do Barcelona trocou o Brescia, da Itália, para defender o Al Ahli em 2003. Lá, foi treinado pelo ex-jogador Pepe (bicampeão mundial com Santos e Seleção como jogador) e encontrou Oliveira, então com apenas 22. Mesmo com o currículo vitorioso, o espanhol deixava o estrelismo de lado. Como no dia que a equipe enfrentou o Al Gharafa, time do veloz Amaral, ex-volante de Palmeiras, Corinthians e Vasco.

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– Quem tinha que acompanhar o Amaral era eu. Ele, com aquele pulmão, e eu tinha que ir atrás dele. Durante 30 minutos eu não toquei na bola, só marcando o Amaral. Aí o Guardiola falou comigo: “Oliveira, para com isso. Quem tem que correr sou eu, eu que sou volante. Você tem que criar.” O cara era capitão do Barcelona, eu tinha acabado de sair do São Paulo, começando a carreira, e ele estava falando isso para mim. Para um cara desse nível chegar e falar isso, minha admiração só aumentou.

O volante que viraria o técnico mais vitorioso da história do Barcelona fez amizade duradoura com os brasileiros. A admiração pelo Santos de Pelé e pela Seleção de 1982 era revelada em longos papos com Pepe, Oliveira e Ziza, ex-jogador do Atlético-MG e Guarani que era preparador físico do Al Ahli.

– Ele adora o Brasil e falava um portunhol bem legal. Lembrava sempre do Romário, Ronaldo, Rivaldo, que jogaram com ele, e da Seleção de 82, perguntava como o time jogava. Quando foi embora do Al Ahli, pagou um jantar na despedida para os brasileiros em um hotel. Comemos bem! (risos)

Comida, por sinal, era algo problemático na época do Ramadã, quando os muçulmanos fazem jejum em dedicação à religião. Oliveira concentrava normalmente com o grupo, mas Guardiola tinha o privilégio de ficar em casa. Enquanto o ex-atacante se escondia para comer no hotel, o espanhol almoçava e jantava com a família, sem problemas. No Ramadã, Oliveira sofreu com outro hábito árabe:

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Rival de clube, Amaral era boa companhia no condomínio em Doha (o mesmo que morava Canniggia). Mas o fôlego do ex-volante também dava trabalho a Oliveira fora dos gramados. Uma simples corrida para aquecer virava um pesadelo.

Por causa do forte calor, os treinos dos clubes no Oriente Médio costumam ser à tarde ou à noite. O ex-atacante aproveitava o dia para malhar no condomínio e manter a forma. Até que encontrou Amaral na academia…

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‘Fuga’ do Itumbiara, o maior erro da carreira

Mas o craque da resenha também sabe falar sério. E a fisionomia muda quando lembra da passagem pelo Itumbiara, de Goiás, em 2008. Seduzido pelos dólares para voltar ao Catar, Oliveira abandonou a concentração, entrou no avião e deixou o técnico Paulo César Gusmão na mão. Uma dívida que carrega até hoje. Na entrevista ao GLOBOSPORTE.COM, o ex-jogador pediu desculpas ao treinador.

– Foi o maior erro que tive no futebol. Eu era titular, vinha bem e recebi a proposta do Catar. Falei com o PC, pedi para ir, mas ele disse que o clube não queria me liberar. E o sheik me ligando, falando que pagava o prometido… Teve um jogo no interior, levamos 2 a 0, e o PC me tirou no primeiro tempo. Fiquei irritado, né? Eu sempre quis voltar para o Catar, pois minha família se adaptou bem lá. E o sheik ligando… Cheguei no hotel, arrumei as coisas e fui embora sem falar com ninguém. Tentei pedir desculpas ao PC e não consegui falar com ele.

Então, vou aproveitar para pedir desculpas ao PC agora. Errei, queria pedir perdão. Sei que é difícil, né? Valeu a pena pela minha família, por um lado, mas por outro não valeu porque deixei meus companheiros de Itumbiara. Mas no fim deu tudo certo e o time foi campeão goiano. Eu me sinto campeão também…

Início de carreira como treinador
Com a carreira de jogador encerrada, Oliveira fez o curso da Associação Brasileira de Treinadores de Futebol (ABTF) em 2012 (com Renatinho, amigo desde os tempos de São Paulo) e se prepara para virar técnico. Neste ano, conseguiu o estágio no Botafogo e espera ganhar experiência para dar voos mais altos no futuro.

– Começar na base é muito bom, é onde aprende tudo e ensina bastante. Ensinar é muito bom, você mostra como o cara tem que bater na bola, se posicionar. Agora eu vejo como é importante quando o técnico pede para fechar um espaço, dar um pique maior. Às vezes, quando você é jogador, não percebe isso.

Oswaldo de Oliveira, responsável pela chance no São Paulo em 2002 e atual técnico do Botafogo, é considerado uma referência para o ex-atacante. Um estilo que Oliveira gostaria de seguir na nova carreira.

– Treinador igual ao Oswaldo é difícil. Tem caráter. Se você falar com o grupo, não tem um jogador que não goste dele. O que ele falava para o Rogério Ceni, ele falava para o Oliveira.

Estudando para ser treinador, o ex-atacante espera, quem sabe, uma nova chance com Oswaldo, agora na comissão técnica do Botafogo. E, quem sabe, ver de perto o surgimento de novos craques. Quem sabe, até com alguns conselhos de Guardiola. Oliveira, que já foi uma promessa da base do São Paulo, não alcançou o sucesso do amigo Kaká. Mas também realizou sonhos, viveu histórias, curtiu a vida no mundo do futebol. Se dentro – e fora – de campo fez graça e deu trabalho para muita gente, na arte da resenha ele é craque, coloca a faixa de capitão e briga pela camisa 10.

*com Raphael Bózeo (sob supervisão de Thiago Dias) e ilustrações de Claudio Roberto

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Fonte: Globo Esporte 

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