Iniciativa Viva Pequena África recebe R$ 7,3 milhões em doações da Fundação Ford, Open Society Foundations e Instituto Ibirapitanga

Projeto do BNDES tem investimento total previsto de R$ 20 milhões em ações de capacitação e articulação das instituições de memória africana do território da Pequena África, no Rio de Janeiro

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou três novos doadores para a iniciativa Viva Pequena África: Fundação Ford, Open Society Foundations e Instituto Ibirapitanga. A Fundação Ford e a Open Society Foundations vão doar, cada uma, US$ 500 mil (cerca de R$ 2,9 milhões), enquanto o Instituto Ibirapitanga repassará R$ 1,5 milhão à iniciativa. O projeto é executado pelo Consórcio Viva Pequena África, formado pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), pela PretaHub e pela Diaspora.Black.

O anúncio ocorreu durante painel organizado pelo Consórcio Viva Pequena África, com apoio do BNDES, na última sexta-feira (15/11), durante o G20 social, para apresentar a importância do território da Pequena África e as ações em execução e previstas para o território nos próximos anos. “De modo geral, o patrimônio histórico está associado às elites brancas”, lamentou o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante. “A Pequena África é o pré-sal do movimento negro brasileiro: ela tem que ser valorizada como porta de entrada do que é a história do Brasil”.

Para Mercadante, o Cais do Valongo, reconhecido como patrimônio da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), tem que estar no centro da identidade brasileira. “Queremos levantar uma memória histórica que tantas vezes tentaram apagar. O primeiro passo é reconhecer aqueles que resistiram no território há tempos”, afirmou.

O diretor da Fundação Ford no Brasil, Atila Roque, concorda. “A iniciativa é um passo importante no esforço de reparação e restauração da memória negra, um passo na construção de um projeto que tenha no legado da Pequena África o fundamento sobre o qual um futuro de igualdade e justiça social possa ser erguido”, afirmou. Atila lembrou que o povo negro teve “uma história marcada pela violência, mas também por sabedorias e aprendizagens que resistem e marcam profundamente o que somos como civilização brasileira”.

Heloisa Griggs, diretora de Aberturas Democráticas na América Latina e Caribe e líder para América Latina e Caribe na Open Society Foundations, afirmou que a instituição celebra a iniciativa e que se orgulha de apoiar esse e outros projetos da sociedade civil para preservar a cultura e a memória negra no país.  “Apoiar a iniciativa Viva Pequena África é promover o direito à memória da população afro-brasileira e destacar seu papel essencial na história, no desenvolvimento econômico e na cultura do país, a partir de uma perspectiva reparadora”, disse. “São as organizações, produtores culturais, artistas e o comércio local que continuam impulsionando a vida cultural e econômica da Pequena África. A democracia se fortalece quando Estado e sociedade civil trabalham juntos”.

Crédito: Júlia Maia / Divulgação BNDES

Para a diretora de Programas do Instituto Ibirapitanga, Iara Rolnik, o Viva Pequena África é “uma ação estratégica de reconhecimento do papel histórico do Cais do Valongo e sua relação indissociável com as raízes da desigualdade racial no nosso país”. “O apoio do Ibirapitanga tem como premissas a preservação desse território e seu significado, bem como o fortalecimento de organizações da sociedade civil ali presentes capazes de sustentar e salvaguardar essa memória”, assegurou. “Este é um momento de celebração, mas sobretudo, de chamado de toda a sociedade para o envolvimento em ações consistentes de reparação do legado perverso da escravidão.”

A iniciativa Viva Pequena África conta com apoio não reembolsável de R$ 10 milhões do Fundo Cultural do BNDES. Ao todo, está previsto um investimento total de R$ 20 milhões em projetos e ações de capacitação e articulação das instituições de memória africana do território da Pequena África, para fortalecer as instituições culturais ali presentes e, com isso, fomentar o turismo cultural e a comercialização de produtos de afroempreendedores, conectando o território aos principais circuitos turísticos nacionais e internacionais.

Vencedor do processo de seleção pública conduzido pelo Banco para a execução da iniciativa, o Consórcio Viva Pequena África, formado pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), pela PretaHub e pela Diaspora.Black. A iniciativa Viva Pequena África se insere em um plano de ação capitaneado pelo BNDES, coordenado conjuntamente pelos ministérios da Cultura e da Igualdade Racial e que contempla também a estruturação do Distrito Cultural da Pequena África, com o desenvolvimento de instrumentos para a sustentabilidade do território, e obras de restauro, intervenções urbanas e implantação de equipamentos a serem definidos.

Segundo o conselheiro estratégico do Ceap, o babalawô Ivanir dos Santos, que é doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o consórcio visa à promoção cultural, pedagógica, turísticas e empreendedora da região da Pequena África. “Não podemos nos esquecer que além de um lugar de memória nacional, ali estão parte das identidades e das resistências negras. Assim, a data de hoje marca mais uma ação de extrema importância para o andamento e fortalecimento das lutas coletivas das comunidades negras no Brasil”, afirmou.

O ponto de partida das ações é o que a Pequena África significa: território de riqueza cultural, social, arquitetônica e econômica que constroem não apenas a memória, mas também a permanência da colaboração da população negra para a identidade brasileira. “Em outras intervenções, mesmo quando voltadas ao resgate histórico e valorização do espaço urbano, o resultado foi a exclusão e a gentrificação, com o encarecimento do custo de vida, expulsão dos antigos moradores e aprofundamento da segregação socioespacial, exatamente porque não se buscou a participação, o empoderamento dos coletivos ali presentes: isso é exatamente o que queremos evitar”, explicou a diretora Socioambiental do BNDES, Tereza Campello.

O território – A Pequena África – termo cunhado pelo sambista e artista plástico Heitor dos Prazeres (1898-1966) – é a área abrangida pelos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, na zona portuária carioca, até hoje ocupada por uma população majoritariamente negra e por instituições da sociedade civil que mantêm vivas a memória e herança africanas, hoje referência internacional da diáspora africana. A área é situada nas imediações do Cais do Valongo, o principal ponto de desembarque e comércio de africanos escravizados nas Américas, que funcionou entre 1811 e 1831. Nessas duas décadas, cerca de 1 milhão de pessoas desembarcaram no Valongo para serem vendidas e transportadas a diversos pontos do País.

O sítio arqueológico foi revelado em 2011, durante as escavações arqueológicas desenvolvidas para a implementação do projeto Porto Maravilha. Em 2017, a Unesco reconheceu o Valongo como Patrimônio Cultural Mundial, por reconhecer nele a mais importante evidência física associada à chegada histórica de africanos escravizados no continente americano.

A iniciativa Viva Pequena África apoiará projetos culturais de cerca de 50 instituições do território. Também vai elaborar, estruturar e implementar propostas para atuação em rede das organizações da Pequena África. Em outra ação, promoverá seminário e elaborará publicação com temática relacionada à iniciativa. Vai ainda levantar e sistematizar saberes sobre o território. Por fim, vai mapear todos os outros territórios representativos da herança cultural africana no Brasil para selecionar quatro deles para integrarem um projeto de preservação.

O BNDES será responsável pela estruturação de uma nova identidade urbanística para a Pequena África, valorizando a sua raiz africana, bem como pela proposição de novos equipamentos para o território, que possam promover o desenvolvimento econômico e social local, gerando oportunidades de renda e evitando a gentrificação. Desde a descoberta do sítio arqueológico do Cais do Valongo, em 2011, o movimento negro articula criação de museu a ser instalado no armazém Docas André Rebouças/Dom Pedro II.


Mais informações: https://agenciadenoticias.bndes.gov.br/detalhe/noticia/BNDES-mobiliza-mais-R$-73-milhoes-em-doacoes-para-fortalecer-iniciativa-Viva-Pequena-Africa/

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