Isaac Silva : o estilista da ‘Mulher do Fim do Mundo’

ESPECIAL – Um dos mais promissores nomes da moda brasileira, o estilista Isaac Silva, 30 anos, desde meados de 2016, é responsável por vestir “A Mulher do Fim do Mundo”. Nascido na cidade de Barreiras, município do extremo oeste da Bahia, o afroempreendedor tem encontrado na força, forma e poder da mulher brasileira negra, e principalmente, em sua musa, a artista Elza Soares, inspiração para romper barreiras e quebrar tabus. Ao som de MPB, em um pequeno, mas aconchegante bar de comida típica baiana, do Centro de São Paulo, o Moda Sem Crise o encontrou para conversar. E neste clima, Silva relembrou a primeira vez em que ouviu a voz de Elza. Falou sobre o orgulho e entusiasmo de vestir uma das mais belas vozes do Brasil. Além de moda, carreira e empoderamento.

“A primeira vez que ouvi a voz dela, achei tão interessante. E quando vi o visual dela pela primeira vez, fiquei completamente encantado”, conta. Foi em 2002, com o lançamento do CD “Do Cóccix até o Pescoço” que o estilista passou a acompanhar todos seus passos da cantora. Anos mais tarde, revelação da Casa de Criadores, em abril de 2016, ao colocar na passarela a coleção Dandaras do Brasil, o nome de Silva ganhou destaque. Até então, ele conta que não havia se envolvido por completo com o universo da mulher negra. Mas a coleção que causou impacto, abriu o caminho e a paixão por Elza, não demorou muito, se tornou uma das principais referências de seu trabalho. “Me dei conta que precisava homenagear essa mulher de alguma maneira. E mandei no Facebook uma mensagem. Eu já a seguia em todas as redes sociais. Já tinha tentado falar com ela em São Paulo em shows que fui. Mas foi a mensagem pelo Facebook que nos aproximou. E fiquei bestificado”, relembra.

Elza Soares, em novembro de 2016, durante homenagem no Troféu Raça Negra. A diva usa vestido Isaac Silva – Foto: Gilberto Marques

O primeiro encontro aconteceu no apartamento da cantora na cidade do Rio de Janeiro. “Imagina no primeiro encontro ser recebido na casa da sua diva. Era fim de tarde e ela mora à beira da praia, num apartamento incrível e de repente aparece aquela mulher serena, tranquila, com uma energia boa, gostosa, num momento plenitude. Conversamos sobre minha vida, sobre o que fazia, levei algumas coisas para que visse e ela amou. A única coisa que me chocou muito foi que levei um sapato de salto pra ela. E ela falou que naquele momento não estava mais usando salto. E que num outro momento poderia voltar a usar e que ficou com vontade. Pensei ai meu Deus, estraguei tudo. Ela não vai mais querer saber de mim. (Risos). Mas não foi amor à primeira vista.”

A participação de Elza em um show de Arnaldo Antunes, em São Paulo, ano passado, deu início a parceria que não tem data para terminar. “Tem sido uma troca maravilhosa. Tem uma premiação que é feita em Londres, na Inglaterra, onde são premiados os estilistas do momento. E vestir Elza Soares para mim é como vencer esse prêmio”, conta referindo-se ao The Fashion Awords. “Penso nessa mulher e em tudo o que ela representa. E no auge da carreira ela decide vestir a criação de um afroempreendedor pouco conhecido na moda. É algo maravilhoso esse encontro”, afirma.

Elza também não poupa elogios ao falar de Silva. “O Isaac é um ser humano lindo, talentoso e criativo! Vestir Isaac Silva é me sentir atemporal, moderno e incomum, combina com a minha personalidade. Toda vez que Isaac cria algo novo para mim, fico tranquila sei que vem com a cara da Elza. (Risos). Sua moda acima de tudo quebra tabus. Vejo uma moda que rompe barreiras e veio para fazer história! Veio representar uma parcela do público que rompe barreiras. A figura do Isaac é libertadora!”, diz ao Moda Sem Crise. Além de Isaac, Elza cita outros dois nomes que considera importantes neste momento. “A moda brasileira cresceu muito, temos criadores que tomaram o mercado internacional, tem talentos inegáveis como o Leo Belicha, o João Pimenta e o Isaac Silva que não me deixa mentir e esta aí para provar o que estou dizendo”, completa.

Belicha é um dos responsáveis por vestir celebridades brasileiras, a própria Elza já foi vestida por ele. E internacionais, como os britânicos da banda Rolling Stones, Rihanna, Deby Harry e Nicole Kidman. E João Pimenta que assim como Silva viu sua história ter início na Casa de Criadores, na última edição da São Paulo Fashion Week, N43, em março, desfilou uma coleção com suaves doses de vanguarda e resultado descomplicado.

E foi inspirado em Elza Soares que o criador de Dandaras do Brasil voltou à passarela da Casa de Criadores, em novembro de 2016, com um desfile atrevido. Uma homenagem lacradora. Todo o poder da mulher negra, na criação de Silva reflete a geração tombamento – movimento estético urbano que tem fortalecido a autoestima da população negra no Brasil. Segundo Silva, a palavra tombamento se alinha ao empoderamento.

Desfile Isaac Silva, em novembro de 2016, para a 40ª Casa de Criadores – Coleção de Inverno 2017 – Fotos: Alexandre Schneider / Agência Fotosite

“Esse discurso é de exaltação, de dizer, estamos aqui, nós também merecemos, estamos nos espaços que são nossos. Quando você fala tombar, quando usa tombar, lacrar, são palavra muito importantes. São dizeres que a gente leva como empoderamento nosso. E isso está muito ligado à música e à moda também. Porque moda também é política. Isso veio das ruas, não foi um designer que criou. Surgiu naturalmente. E a gente pega todo esse empoderamento e o transforma em roupa. E isso fortalece quem veste. Porque ao comprar essa peça, você se sente parte disso”, explica Silva que além de Elza pode vestir também nomes de mulheres que usam suas vozes para fortalecer esse mesmo movimento.

Desfile Isaac Silva, em novembro de 2016, para a 40ª Casa de Criadores – Coleção de Inverno 2017 – Fotos: Alexandre Schneider / Agência Fotosite

“Já vesti, Sabrina Paiva, a Miss São Paulo 2016, a cantora Gabi Amarantos, a Miss Brasil 2016, Raissa Santana, a cantora Tássia Reis, a filósofa feminista Djamila Ribeiro… E minhas clientes que escolhem e desejam vestir minhas roupas. Elas sabem que estão comprando a roupa de um estilista que dialoga com elas. E sabem que dessa forma estão ajudando a construir um pouco do que sou. Fazer roupa bonita capaz de falar com essas mulheres, poucas marcas fazem. Pra mim é muito mais, além de vestir artistas, também essencial são as clientes. E o feedback tem sido muito bom”, comenta.

Raíssa Santana: Ensaio “Miss Brasil representa a força da moda afro” para o UOL – Foto: Gabriel Quintão

O resultado desse trabalho, segundo Silva é uma roupa que tem muito a dizer. Aliás, essa voz está também em outras manifestações de arte como a música e a pintura, por exemplo. “Cada um faz a sua maneira. Essas pessoas no dia a dia buscam empoderamento. É não baixar a cabeça, entrar num restaurante de cabeça erguida. Ir a uma entrevista de emprego sabendo que ela pode estar ali naquele cargo. Estudar para passar na universidade, sabendo que pode entrar no curso de medicina. Que ela pode usar determinada roupa que é mais do que um movimento, é um estilo de vida de quem se ama, é forte, e pode conseguir. É daí que vem o vou tomar, vou lacrar.”

E a mulher negra no universo da moda?

Segundo o estilista afroempreendedor Isaac Silva, os tempos estão mudando e quem não se envolver com a diversidade só tem a perder. “Recentemente a modelo Naomi [Campbell] ficou feliz de ver na Semana de Moda de Nova York várias marcas escolheram mulheres negras para os desfiles. Teve bastante representatividade. Imagina Naomi, com uma história consagrada e uma vida maravilhosa. Mas batalhou bastante. Percebo que antigamente a menina negra que ia aos testes tinha a cabeça baixa, porque ela já entrava sabendo que não seria escolhida, que estava ali simplesmente cumprindo cota. E hoje não, hoje em dia ela entra sabendo que pode ser escolhida sim. Os tempos estão mudando e hoje em dia, se não tem diversidade, uma campanha publicitária, as pessoas vão reclamar. Não tem como aceitar a falta de diversidade.”

Para Silva o movimento nem sempre é legítimo, no entanto, as marcas começam a entender que todos querem representatividade. E as pessoas estão fazendo escolhas, entre elas, não comprar caso a marca ou o produto não promova o diálogo. “Quando você se vê numa campanha fica muito mais feliz. Vende muito mais aquele produto quando você se sente representado. É muito importante para uma menina negra da periferia, que é uma menina linda, e que tem todo o potencial para ser modelo e se ver na capa da revista. Ela se vê ali e entende que também pode conseguir um espaço que é de direito”, explica.

Interessado em moda desde a infância, Silva acompanhava de Salvador, onde passou a viver após deixar Barreiras, os desfiles e as passarelas dos circuitos de São Paulo. E questionava a falta de meninas negras passando por elas. “Via meninas brancas e é lindo ver aquilo. Mas morava em Salvador e pensava, como uma menina daqui vai se ver dessa forma? Então isso sempre foi uma inquietação minha”, diz.

Isaac Silva na companhia das modelos La Robertita e Gabriela Caroli no backstage da 39ª Casa de Criadores – Foto: @masaliby/Facebook Isaac Silva

Silva enfatiza que em um país tão miscigenado, onde há mistura de culturas, a moda não pode ser encarada apenas como um fazer roupa. É preciso dialogar com o momento político, com o que está acontecendo, e neste momento o empoderamento feminino é a pauta. E é hora de colocar a mulher negra na passarela. “Quando montei minha marca pensei, tenho que dialogar com a mulher que acredito. Preciso vestir essas mulheres que precisam ser empoderadas. E decidi fazer tudo focado no que acredito, que é ter diversidade dentro da moda. Mostrar essa mulher e colocá-la em evidência”, conta Silva que desabafa: “Uma coisa que me deixa triste é a mídia. Em Dandaras do Brasil, fui o primeiro estilista a colocar modelos negras e mostrar mulheres plus size na passarela. E a imprensa não disse nada. E quando o Lab fez, foi como se tivesse sido a primeira marca a fazer”, afirmou referindo-se ao desfile da marca Lab Fantasma, do Emicida, que estreou na São Paulo Fashion Week em 2016 com modelos negros e também plus size.

Coleção Dandaras do Brasil durante a 39ª Casa de Criadores, em abril de 2016 – Fotos: Agência Fotosite

Quando questionado se seu desejo é desfilar na principal Semana de Moda da América Latina, Silva dispara: Não é porque chegou na SPFW que se tornou um estilista de sucesso. Um bom estilista é aquele que tem uma empresa, que emprega pessoas, tem loja e tem sua marca na rua. Aprendi isso ao longo do tempo trabalhando. Estar na SPFW não significa ser uma marca bacana”, diz.

Silva aponta ainda outras formas de mostrar o trabalho e se destacar. ‘Você pode ter uma marca e não desfilar. Mas chama uma amiga, faz uma foto, posta no Instagram, cria uma campanha. Hoje em dia é tudo mais autoral. Tem o ‘Faça você mesmo’. Hoje em dia você pode fazer mesmo sendo pequeno. Todo mundo que começa quer desfilar numa boa semana de moda, fazer roupas bonitas e ter clientes. Mas o mais difícil hoje é ser empreendedor. Fazer a contabilidade, administração. Isso pode te fazer falir e isso ninguém te prepara. E muitas vezes fica na mão de quem não tem o mesmo respeito que você tem pela moda. E ainda tem as taxas, os impostos, é preciso estar atento senão não vira uma empresa de verdade. E para ser empreendedor no Brasil é difícil. Toda vez que vejo uma pessoa vendendo um produto na rua, enxergo um empreendedor e isso me inspira.”

Pergunto a Silva se falta muito para chegar onde deseja. E ele diz que o caminho está traçado. “Vi muitas marcas nadar, nadar e morrer na praia. E  não quero ser só mais um. Penso fazer algo diferente que dê certo. Que vá ser válido. E não fazer a moda por fazer”, finaliza.

Moda Sem Crise

O Moda Sem Crise é um site jornalístico sobre moda, beleza e comportamento. Todo o conteúdo é pautado por três vieses: novos talentos e criativos negócios de moda; a produção e o consumo consciente de moda; e a valorização, autoestima e empoderamento da mulher, sem qualquer segregação ou preconceito.

 

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** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

 

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