A convite do projeto Celina, jornalista escreve carta à filósofa francesa, refletindo sobre a atualidade de “O segundo Sexo” 70 anos depois de seu lançamento
Isabela Reis no O Globo

Oi, Simone.
Não é qualquer livro que faz 70 anos e continua sendo reeditado, com edições especiais em capa dura. Muito menos se escrito por uma mulher.
Li seu livro para fazer meu trabalho de conclusão do curso de jornalismo: “Oxum e o mito da fragilidade feminina”. Precisava provar que essa história de mulher como sexo frágil era falácia, e você foi essencial. Principalmente quando desconstrói, citando o teórico inglês Friedrich Engels, a história de que homens e mulheres são diferentes geneticamente, e isso seria determinante para ele seja visto como o provedor e ela, cuidadora.
Eu preciso confessar que resisti a ler “O segundo sexo”. O que um livro tão antigo teria a me dizer que encaixe tão bem nas discussões atuais? Faço mea culpa. Nós, as jovens ativistas, temos a urgência da contemporaneidade e a arrogância da juventude. Achamos que sabemos tudo só porque lemos meia dúzia de textos na internet. Para mim, esse é o nosso maior erro.
Sou do candomblé e nessa religião aprendi a reverenciar a ancestralidade e nossos mais velhos. Como dizia Mãe Stella de Oxóssi: “antiguidade é posto”. Por isso, dona Simone, eu reverencio sua obra e a de tantas outras mulheres que me antecederam.
Gostaria que outras jovens fizessem o mesmo. Companheiras, a lacuna geracional existe, é claro. Quem vai entender melhor os transtornos da era moderna e digital do que nós mesmas? Mas a vida não é só isso. Precisamos compreender, como escreveu a médica e fundadora da ONG Criola, Jurema Werneck (conheçam!), que “nossos passos vêm de longe”.
Para isso, leiam Simone de Beauvoir. “O segundo sexo” faz 70 anos ainda muito atual. Mas, se a autora parecer europeia ou academicista demais, temos um leque de outras feministas brilhantes para nos inspirar. Angela Davis, bell hooks, Maya Angelou. Sojourner Truth questionou a invisibilidade das mulheres negras no movimento feminista norte-americano, em 1851, com o histórico discurso “E eu não sou uma mulher?”
Não precisamos nem ir tão longe. Conheçam Aqualtune, Dandara, Luísa Mahin, Teresa de Benguela, os rostos femininos da luta negra abolicionista brasileira que a História insiste em esconder. Não precisamos nem voltar tanto no tempo. Aqui e agora, temos Sueli Carneiro, Djamila Ribeiro, Joice Berth e a possibilidade de esbarrar com elas por aí, assistir a uma palestra, acompanhar nas redes sociais e, quem sabe, convidar para um café.