Israel: polêmica com refugiados faz ativistas lembrarem passado judaico

Por: GUILA FLINT

 

Na ausência de qualquer ajuda por parte do governo, ONGs de direitos humanos e a prefeitura de Tel Aviv tentam prestar alguma assistência a milhares de refugiados africanos que moram na cidade, em meio a um clima de xenofobia crescente, alimentado por políticos de direita.

De acordo com a prefeitura de Tel Aviv, cerca de 10% dos 400 mil habitantes da cidade são imigrantes ilegais da Eritreia e do Sudão, que entraram a pé em Israel, pela fronteira com o Egito. Os refugiados se concentram nos bairros mais pobres, na zona sul da cidade e muitos dormem ao relento, em parques e nas ruas.

O parque Lewinsky tornou-se o principal ponto de encontro dos refugiados e de ONGs israelenses de direitos humanos que prestam assistência jurídica e também distribuem comida aos recém chegados.

“Tenho uma motivação emocional muito profunda para ajudar os refugiados, pois meus pais eram judeus alemães e sobreviventes do Holocausto”, disse a fundadora do grupo Marak (sopa, em hebraico) Lewinsky, a cineasta Orly Feldheim, à reportagem do Terra.

O grupo, formado por voluntários, distribui comida para os refugiados no Parque Lewinsky, todos os dias, as 19h. Uma longa fila, de centenas de refugiados, começa a se formar no local alguns minutos antes do horário da distribuição.

“Para mim é muito triste observar as manifestações de racismo na sociedade israelense. Com a nossa história, deveríamos ter mais respeito por valores morais”, disse Feldheim. Ela contou que, quando vai ao parque, sente como se seus pais “estivessem com ela”.

“Os infiltrados representam um risco para a segurança e o caráter judaico e democrático do Estado de Israel”, declarou o primeiro ministro Benjamin Netanyahu, que anunciou a construção de uma cerca no sul do país para conter a entrada dos refugiados e a criação de um grande campo de detenção com a capacidade de abrigar 12 mil pessoas.

“Os infiltrados são um câncer em nosso corpo”, declarou a deputada do partido governista Likud, Miri Regev, em um comício no bairro Hatikvah, após o qual lojas e veículos foram depredados e refugiados foram espancados.

A dramaturga Vardit Shalfi, de 50 anos, cozinhou 240 ovos duros para levar para os refugiados. “Meus pais, judeus poloneses, eram refugiados. Sinto uma obrigação moral de ajudar os refugiados que batem às nossas portas e pedem ajuda”, disse Shalfi.

“Minha mãe foi escondida por um polonês católico e, se não fosse por ele, hoje eu não existiria. Sinto que, ajudando os refugiados africanos, de alguma maneira estou pagando uma dívida que tenho com a vida”, acrescentou.

O ministro do Interior, Eli Ishai, qualificou os refugiados africanos como “criminosos” e disse que todos devem ser “presos e expulsos”.

No entanto, Israel é signatário da Convenção das Nações Unidas sobre os refugiados, que proíbe a repatriação de imigrantes da Eritreia e do Sudão, pois eles correriam risco de vida se voltassem a seus países.

Para Sigal Rozen, diretora da ONG Moked, que presta assistência jurídica aos refugiados, “Israel obviamente não tem a obrigação de receber um número ilimitado de refugiados africanos”.

“Porém, o Estado tem a obrigação de dar um tratamento humano e digno para os refugiados que já estão aqui”, afirmou. De acordo com Rozen, o governo “só incita contra eles e constroi cercas e prisões”.

A Moked, juntamente com várias outras ONGs de direitos humanos israelenses, exige que o governo faça uma triagem entre os imigrantes africanos que já se encontram no país, para verificar quem têm direito ao asilo politico, segundo as leis internacionais.

As ONGs também afirmam que o governo deve dar assistência médica aos refugiados e possibilitar que eles trabalhem, para que possam se sustentar enquanto não puderem voltar a seus países.

Para a deputada Yulia Shmuelov Berkowitz, do partido Kadima, que faz parte da coalizão governamental, os ativistas de direitos humanos “devem ser presos, junto com os infiltrados, nos campos que estamos construindo para eles”. De acordo com Berkowitz, os ativistas “prejudicam a imagem e a segurança do Estado de Israel”.

O refugiado da Eritreia, Gabriel Tekle, 31 anos, já se encontra em Israel desde 2007. “Fugi de meu país porque corria perigo de vida, só quero sobreviver até poder retornar”, disse Tekle, “desde que cheguei nenhum representante oficial falou comigo, se ouvissem a minha história entenderiam que sou um refugiado”.

A Eritreia é considerada um dos países com o maior índice de violações dos direitos humanos, no qual opositores ao regime militar são mortos e jovens são obrigados a prestar trabalhos forçados por periodos ilimitados. Mais de 60 mil cidadãos africanos, principalmente da Eritreia e do Sudão, entraram ilegalmente em Israel nos últimos seis anos, atravessando a fronteira com o Egito a pé.

 

 

Fonte: Terra

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