‘Isso é inaceitável’, diz skatista sobre ter sido xingado de ‘preto de merda’ por oficial da Marinha em SP

Enviado por / FonteG1, por Kleber Tomaz

Jagner Macedo Santos, que é negro e professor de surf skate, falou ao g1 como se sentiu ao ser ofendido pelo capitão Joanesson Stahlschmidt na sexta (2) no Parque Ibirapuera, Zona Sul. Os dois discutiram após oficial passar de bicicleta em área usada por skatistas. Militar, que estava de folga e sem farda, foi levado pela GCM à delegacia, onde acabou preso e indiciado por injúria racial.

“Pra mim, isso é inaceitável”, disse ao g1 o professor de skate Jagner Macedo Santos, de 33 anos, sobre ter sido xingado de “preto de merda” por um oficial da Marinha, na última sexta-feira (2) no Parque Ibirapuera, Zona Sul de São Paulo.

O caso teve repercussão depois que vídeos gravados e compartilhados por testemunhas nas redes sociais mostraram Joanesson Stahlschmidt, de 36 anos, capitão-tenente do Comando do 8º Distrito da Marinha, ofender o skatista com a frase racista acima.

O agressor e a vítima foram levados pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) à uma delegacia, onde o militar foi preso em flagrante e indiciado pela Polícia Civil por crime de injúria racial.

Antes disso, Joanesson e Jagner discutiam porque o oficial da Marinha estava pedalando de bicicleta numa área onde skatistas tradicionalmente usam para fazer suas manobras. O local é conhecido como a ‘Ladeira da Preguiça’ e fica dentro do parque.

Quando decidiu ir embora, Joanesson, que estava de folga e sem uniforme, pegou a bicicleta, subiu nela e passou perto do skatista dizendo: “Preto de merda”. Em seguida, foi chamado de racista por outras pessoas, que o perseguiram e o agrediram. Jagner contou à reportagem que chegou a intervir para que o ciclista não apanhasse mais.

“Depois [Joanesson] tentou correr. E aí o pessoal que estava andando ao redor segurou ele. Ele não conseguiu correr. O pessoal ainda tentou bater nele. Eu ainda fui lá e tirei o pessoal, falei: ‘Não bate nele’”, contou o professor de skate, que falou que o ciclista quis intimidá-lo, dizendo ser policial. “Tipo… século 21, racismo, por cor. Ainda mais vindo de um oficial da marinha. ele é um tenente, capitão da marinha. Lamentável”.

A Guarda Civil Metropolitana (GCM) foi chamada para atender a ocorrência e levou Joanesson e Jagner à delegacia. Como os agressores do capitão não foram identificados, por esse motivo, nenhum outro suspeito foi levado ao 27º Distrito Policial (DP), no Campo Belo.

Lá, os policiais civis analisaram os vídeos gravados pelas testemunhas, ouviram a vítima e interrogaram o autor. O oficial acabou preso em flagrante por injúria racial, crime pelo qual ele foi indiciado na Polícia Civil.

“O vídeo é claro ao demonstrar que esse autor do fato, um capitão-tenente da Marinha, aproxima-se de bicicleta, e, por duas vezes, ofende o professor dizendo: ‘preto de merda’, e tenta fugir, sendo contido pelos populares”, disse ao g1 Luciano Santoro, advogado de Jagner. “Por isso ele [Joanesson] foi preso em flagrante delito e está sujeito a uma pena de 1 a 3 anos de reclusão e multa.”

Jagner Macedo Santos gravou vídeo para contar ao g1 o que aconteceu, segundo ele, ao ser xingado de ‘preto de merda’ por um oficial da Marinha — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Por ser equiparado do racismo, a injúria racial é inafiançável e imprescritível. A diferença entre o racismo e a injúria é basicamente o fato de que o primeiro é quando a coletividade é ofendida e segundo ocorre no momento que o indivíduo recebe a ofensa. Que foi o que ocorreu com Jagner.

Como Joanesson tem patente militar de oficial, a delegacia o deixou sob custódia de outros militares da Marinha. Eles se comprometeram a levar o capitão até a Sala de Estado Maior numa das unidades da própria Marinha, na capital. Posteriormente, o oficial deveria passar por audiência de custódia na Justiça.

Mas até a última atualização desta reportagem nenhum dos órgãos procurados pelo g1 informou se Joanesson continuava detido ou se havia sido solto. Foram procurados: Marinha, Secretaria da Segurança Pública (SSP), Guarda Civil Metropolitana e Tribunal de Justiça (TJ) (veja abaixo o que cada um deles comentou).

Jagner Macedo Santos é professor de surf skate em São Paulo — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

O g1 não conseguiu localizar a defesa do capitão para comentar o assunto até a última atualização desta reportagem. Em seu interrogatório, acompanhado por três militares da Marinha, Joanesson negou que tivesse xingado Jagner com uma frase racista _apesar de o vídeo mostrar que ele ofendeu o skatista.

De acordo com a sua versão, o ciclista passava pelo parque quando foi “agredido verbalmente pelos skatistas”, que disseram que ele “iria se ferrar” se descesse aquela rua de bike. E que ao retornar, continuou sendo insultado pelo grupo, que, segundo ele, falou: “no final da rua deveria ter um abismo para ele cair e morrer”. Depois, contou Joanesson, os skatistas “passaram a empurrá-lo”.

E que ao pegar a bicicleta e sair, falou o oficial, “foi agredido fisicamente pelos amigos do rapaz que lhe desferiram socos, inclusive no rosto”. Ainda falou que foi ameaçado pelos skatistas, que disseram que iriam “perseguir a família dele”.

O que dizem Marinha, TJ, SSP e GMC

Marinha:

“A Marinha do Brasil (MB), por meio do Comando do 8º Distrito Naval, informa que tomou conhecimento sobre uma ocorrência policial envolvendo um militar desta Força, no bairro do Ibirapuera, São Paulo. A ocorrência é objeto de inquérito policial no âmbito da Justiça comum, a qual irá apurar as circunstâncias do fato.

Ressalta-se que a Marinha do Brasil não corrobora com o ocorrido e reitera seu firme repúdio a quaisquer atos de intolerância, prezando para que os preceitos da conduta ético-militar sejam mantidos por seus integrantes dentro e fora de suas organizações.”

Secretaria da Segurança Pública:

“Um capitão-tenente da Marinha, de 36 anos, foi preso em flagrante por Injúria Racial contra um professor de skate, ocorrida sexta-feira, (2), no Parque do Ibirapuera. As partes foram conduzidas ao 27º DP e a vítima representou criminalmente contra o autor, que foi autuado em flagrante e entregue à Equipe da Marinha. A autoridade policial também expediu ofício ao Comando do 8º Distrito Naval determinando a apresentação do preso à Justiça, para realização da audiência de custódia”

Secretaria Municipal de Segurança Urbana:

“A Secretaria Municipal de Segurança Urbana, por meio da Guarda Civil Metropolitana, informa que uma equipe estava em patrulhamento preventivo no interior do Parque Ibirapuera, quando foi acionada por populares dizendo que estaria ocorrendo uma briga entre dois homens próximo dali. Um deles foi acusado de injúria racial. Ambos foram conduzidos ao 27º DP, onde a autoridade de plantão registrou o boletim de ocorrência.”

Tribunal de Justiça

“O caso está sob segredo. Não temos como fornecer informações.”

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