Plagiando o Jornal da Besta Fubana, “deu no jornal”:
por Abílio Neto
“Mario Balotelli virou o alvo preferido dos ladrões na Itália. Na noite de sexta-feira, o jogador teve sua casa assaltada enquanto estava fora com seu irmão Enoch, de acordo com a imprensa local. Há um ano, o atacante do Milan já havia sofrido este tipo de crime. Segundo os relatos dos jornais, os bandidos levaram joias, relógios e objetos dourados, assim como um carro esportivo, que foi encontrado em sequência num bairro vizinho. Os bandidos teriam entrado na casa de Balotelli forçando uma janela.”
Uma pergunta: por que não assaltam a casa do branco Kaká, jogador brasileiro que ganha também milhões na Itália? Simples, Kaká é branco e o racismo de direita na Itália não quer que negro tenha nada. Imagine então se for um negro que gosta de ostentação?!
Qual a semelhança com algum artista brasileiro, considerando-se que jogador de futebol dá espetáculos e não deixa de ser um artista também com (seu instrumento) a bola?
Para mim, a lembrança mais incômoda e sofrida é com o ostracismo forçado do cantor Wilson Simonal, um ícone negro do Brasil, maltratado até seus últimos dias de vida por uma esquerda leviana e cruel, gente de mente criativa e formadora de opinião. Aquela ostentação de Simonal se gabando da pilantragem, cheio de dinheiro e conduzido em carros de luxo, incomodou e muito a esquerda no tempo da ditadura no Brasil. Seus perseguidores foram nomes famosos da imprensa e do meio artístico. Negro que fizer muito sucesso neste país que se cuide. O calvário de Simonal com a condenação à prisão vai fazer 40 anos em novembro deste ano. São poucas as vozes que se levantaram a favor de Simonal nesse tempo todo. Eu me lembro de um artigo de José Nêumanne Pinto condenando outro de Mário Magalhães para a Folha de São Paulo. Recordo outro de Ipojuca Pontes. O Magalhães foi parcial demais. Simonal já estava enterrado desde 2000 e esse jornalista ainda não satisfeito veio jogar mais terra sobre o caixão do artista.
Recentemente, após a morte do maior sambista desta terra, Jair Rodrigues, li com certo desconforto, o que um crítico de renome escreveu a seu respeito:
“Nunca entendi em que momento Jair Rodrigues deixou de ser uma grande estrela da MPB para se acomodar numa posição secundária, às vezes inexpressiva. Salvo uma ou outra canção que só podemos imaginar na sua voz, pouco restou depois dessa época (Disparada) e anos seguintes. Jair Rodrigues foi uma espécie de Wilson Simonal de si mesmo. Um gênio que se perdeu por razões misteriosas, jamais entendidas. Um desperdício absoluto. Talvez não tenha percebido seu papel como protagonista de um País que ainda podia dar certo. O Brasil estava sob uma ditadura, e o rapaz dono de uma energia pura e contagiante não teve consciência política à altura do que aquele momento exigia e esperava de seus artistas.” (Marco Antonio Araújo).
A minha perplexidade diante desta afirmação é tamanha que repito o que dizia aquele comediante famoso: “é mole, ou quer mais?”. Vou ser bem simples na apreciação e respondo a esta leviandade com duas perguntas. 1) Existe coisa mais absurda do que se exigir de um artista que a sua arte seja engajada politicamente? 2) O que é que este senhor conhece do repertório de Jair Rodrigues para proferir tamanha barbaridade?
Jair, ao longo da carreira, gravou sucessos dos maiores nomes da música nacional. No que concerne ao Nordeste, orgulho-me imensamente de ouvir na sua voz, clássicos de Luiz Gonzaga como “Chá Cutuba” (Humberto Teixeira) e “No Meu Pé de Serra” (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira). E não ficou somente em Gonzagão. Músicas gravadas por Jackson do Pandeiro, Nando Cordel, Dominguinhos e Gonzaguinha figuram no seu brilhante repertório. É o que me vem na lembrança no momento porque ele fez mais do que isso.
Também faz poucos dias que ouvi um áudio dos dois produtores de “O Fino da Bossa”, programa de TV que durou de 1965/1967, em que eles cobrem de elogios a grande Elis Regina e não disseram nem um adjetivozinho a favor do nosso “rei da alegria”.
Ora, se Jair Rodrigues era criticado por não ter se engajado politicamente, imagine-se o carnaval que fizeram com o cantor Wilson Simonal, alçado à condição de supremo delator da classe artística. Jair Rodrigues foi amigo de Simonal até as últimas… um dos poucos do meio artístico que não se fechou para ele. Dizem que até o ajudou financeiramente quando a coisa ficou preta, juntamente com o empresário Marcos Lázaro. Em 1971, quando surgiu a encrenca, Jair sugeriu a Simonal que fosse passar um tempo morando no México, país que o endeusava desde a realização da Copa do Mundo de 1970, quando o Brasil sagrou-se tri-campeão em suas terras.
Na época da crucificação de Simonal, eu tinha pouco mais de 20 anos e me juntei ao feroz bando da imprensa que queria ver a sua caveira. E me tornei pesquisador musical depois de aposentado a fim de “investigar” certas questões que por dezenas de anos andaram me engasgando. O caso Simonal é um deles. Já escrevi sobre as “duas mortes de Elis Regina” e considerei Vandré “o morto-vivo da ditadura do Brasil”. Ainda o ano passado, escrevi um artigo no qual condenava Simonal. É muito complicado julgar. É por esse motivo que sou contra a pena de morte.
O caso de Simonal é uma vergonha nacional (a rima é proposital), principalmente para a Justiça. Esse artista, no auge da perseguição da imprensa de esquerda, tão logo o caso foi noticiado, havia se mudado para São Paulo e nunca foi intimado para responder àquela acusação penal de que trata o processo 3540/72. Com o requisito da ampla defesa que a Constituição cidadã de 1988 trouxe no seu teor, seu processo, porque correu à revelia, desde a vigência daquele ato, estaria totalmente nulo!
Simonal foi roubado? Claro, em milhões de dólares e nunca se investigou isso. Nem no tempo da ditadura e muito menos depois dela. A partir do momento em que ele lotou o Maracanãzinho abafando até o conjunto “Sérgio Mendes e Brasil 66”, no fim da década de 60, tudo o que ele tocava virava ouro. E foi assim que assinou aquele contrato milionário com a Shell em 1970, que foi tido pela imprensa como o mais relevante já assinado por um artista brasileiro da época. E foi justamente desde o início desse contrato que planejaram minuciosamente sua derrota. Uma vingança racista contra um negro considerado esnobe.
Simonal tornou-se sócio de João Carlos Magaldi, que trouxe o administrador Rui Brizola para sua empresa, a “Simonal Comunicações”. Este, por sua vez, chegou carregando a tiracolo o contador Raphael Viviani. Quem era João Carlos Magaldi? Um sócio do publicitário Carlito Maia em outra empresa, que vivia do faturamento do sistema capitalista, porém era um esquerdista roxo. Sua irmã, Dulce Maia, canhota que pegou em armas e foi banida do Brasil em 1970, do exterior ainda fomentava a luta armada em terras brasileiras. Ela precisava de financiamento, mas não tinha uma fonte de recursos. A fonte apareceu. Foram os milhões de dólares que Wilson Simonal ganhou com shows, contratos de publicidade, direitos sobre fonogramas, tudo, tudo, tudo. Magaldi era amigo íntimo de Carlito Maia e sócio na agência “Magaldi, Maia & Prosperi” desde o início da década de 60. Essa vertente de investigação sobre o sumiço da grana de Simonal nunca foi testada pelas autoridades competentes, mas é a que mais se aproxima da lógica. Sim, porque lamentavelmente a esquerda tem um histórico de roubo para sustentar a luta armada na mesma época!
Trinta anos depois de mandar dar uma surra no contador Viviani, coisa feita por gente ligada ao DOPS, em agosto de 1971, após este ter sido sequestrado de sua casa e levado até as dependências daquele órgão, Simonal chegou a triste conclusão após o relato de gente amiga mais ajuizada, de que o contador era o menos culpado do grande roubo de que foi vítima. Que os grandes responsáveis pela bandalheira foram João Carlos Magaldi e Rui Brizola. Já era tarde demais para se fazer qualquer coisa. As provas desapareceram. Contador só contabiliza o material que lhe chega às mãos para exercer seu mister. Se tivesse roubado Simonal, não estaria tão pobre como demonstrou quando foi localizado para depor naquele filme organizado por um ex-integrande do Casseta & Planeta. Simonal com seus amigos do DOPS saíram como loucos à procura de Rui Brizola. Como não o encontraram em vários locais, se dirigiram até a casa de Carlito Maia e a invadiram. Não acharam Brizola nem seu dinheiro, porém uma farta quantidade de material considerado subversivo pelos agentes. Carlito Maia foi preso e a casa caiu para Simonal. Se houve “dedodurismo”, este se deu por mero acaso. Cinco pessoas foram indiciadas no processo 3540/72, duas absolvidas e três condenadas pelo juiz. A sentença foi de novembro de 1974.
Rui Brizola era vice-presidente da Traffic no começo deste século, empresa que atua no meio esportivo. Quanto a Magaldi, tornou-se o poderoso diretor-geral de Comunicações da TV Globo. Enquanto Simonal estava no mais repudiante ostracismo, ele proibiu seu nome de constar em qualquer programação da famosa Vênus de platina. Interessante que um dos depoimentos que mais chamam a atenção no documentário de Cláudio Manoel, por ser o mais hipócrita, é o de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, da Globo. Ele disse que Simonal foi um grande injustiçado, porém no seu reinado global, manteve a proibição imposta ao cantor por Magaldi que foi seu padrinho de casamento. Já Carlito Maia prosperou muito em seu ofício. Gaiato, produziu frases famosas, uma delas é esta: “a esquerda, quando começa a contar dinheiro, vira direita”. Tornou-se um criador famoso para o PT. O “oPTei” é obra dele, assim como o reverenciado “Lula-lá”, de 1989. Conforme se percebe, todos ficaram bem de vida, menos Simonal e seu contador.
Carlito está morto, Magaldi idem, de Rui Brizola não sei nem quero saber, embora ache que bateu as botas porque Milton Neves o chama de saudoso. Simonal foi se consumindo aos poucos na bebida, até que em junho de 2000 se encantou. Como a sua família faz para recuperar um pouco o valor dos bens que lhe foram tomados? Indo bater à porta do governo pedindo uma justa indenização como fizeram os esquerdistas que se disseram perseguidos. É incontestável que Simonal foi duplamente perseguido pela esquerda, primeiramente pela etílica que editava jornais como o Pasquim, e por aquela que escrevia nos jornalões; depois pelo seu sócio de esquerda, que estranhamente vivia do que ganhava no mercado publicitário. Simonal foi o único artista exilado em seu próprio país. Ele perdeu tudo o que ganhou com sua grande arte: dinheiro, mansão, carros de luxo, fama, prestígio e poder.
Poder porque quando começou a receber telefonemas ameaçadores dizendo que não se desse dinheiro para a causa da esquerda seria sequestrado, foi a partir daí que começou a frequentar o DOPS para pedir ajuda. Um dos agentes passou a receber do bolso dele para tomar conta da sua segurança pessoal. Foi esse mesmo camarada (Mário Borges) que o denunciou como informante do órgão no processo que o condenou. E acabou absolvido.
O Brasil tem uma imensa dívida de honra com Wilson Simonal. E não vai pagar de uma hora para outra. Uma vítima da esquerda que a direita nunca defendeu. Certa vez deram o processo dele para o jurista Saulo Ramos ler (aquele que foi Consultor Geral da República e Ministro da Justiça), ele olhou, olhou e depois perguntou ao seu interlocutor: – Quantas pessoas foram indiciadas neste processo? – Cinco. – Quantas foram condenadas? – Três. – Quantas foram para a cadeia? – Somente Wilson Simonal. – Então ele nunca foi informante do DOPS, porque se fosse, jamais ficaria preso.
Para não esquecermos Jair Rodrigues e Elis Regina, aqui está um pout-pourri que eu até hoje não ouvi outro igual. É composto das seguintes músicas: “O Morro Não Tem Vez” (Tom e Vinícius), “Feio Não É Bonito” (Carlos Lyra e Gianfrancesco Guarnieri), “Samba do Carioca” (Vinícius e Carlos Lyra), “Esse Mundo É Meu” (Ruy Guerra e Sérgio Ricardo), “A Felicidade” (Tom Jobim e Vinícius), “Samba de Negro” (Roberto Corrêa e Sylvio Son), “Vou Andar Por Aí” (Newton Chaves), “O Sol Nascerá” (Cartola e Elton Medeiros), “Diz Que Fui Por Aí” (Hortêncio Rocha e Zé Ketti), “Acender as Velas” (Zé Ketti) e “A Voz do Morro” (Zé Ketti), gravação ao vivo em 1965 com o auxílio luxuoso do Jongo Trio.
Para que Simonal permaneça sempre em nossa lembrança, é ótimo ouvi-lo cantando “Franqueza”, de Oswaldo Guilherme e Denis Brean, gravada em 1966.
Fonte: Overmundo