James Green: “As pessoas não conseguem conceber uma mulher sem um homem ao seu lado”

Professor de História e Estudos Brasileiros na Brown University. Nos anos 1970, viajou por toda a América Latina e morou por oito anos no Brasil, onde foi um dos fundadores da primeira organização de defesa dos direitos dos homossexuais do país. A apresentação inicial sobre James N. Green na orelha de um dos seus livros – Apesar de vocês, Oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985, publicado em 2009, pela Companhia das Letras – é um dos indícios da estreita relação do estadunidense com o Brasil.

Por Magali Moser Do Catarinas

Green é especialista em estudos da homocultura brasileira. Escreveu artigos e livros sobre o assunto, sendo o mais conhecido – Além do Carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX. Nos Estados Unidos, ensina e pesquisa a história do Brasil. O interesse do pesquisador pelo país ganha força este ano com o lançamento de seu novo livro, uma biografia sobre o militante gay brasileiro que combateu a ditadura militar Herbert Daniel (1946 – 1992).

O professor Green foi um dos palestrantes convidados do Fazendo Gênero 11. Ele participou da mesa coordenada pela professora Joana Maria Pedro, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) intitulada “Deslocamentos e Transformações Subjetivas: Gêneros e sexualidades”, juntamente com o professor Durval Muniz de Albuquerque, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e a professora Regina Facchini, da Unicamp. Contou ainda com a presença de Claudia Macedo, da Coturno de Vênus, como debatedora. O encontro foi dia 1 de agosto, terça-feira, fim da tarde e deixou o auditório da reitoria lotado.

Green abriu o seminário com a história de Herbert Daniel, colega de Dilma Rousseff na luta armada e sobre o qual pesquisa há dez anos. O trabalho resultou e livro que será publicado este ano nos Estados Unidos e em breve no Brasil. Em entrevista exclusiva à Catarinas quarta-feira, 2 de agosto, antes de participar da Marcha Internacional de Mulheres, Green recebeu a equipe no Teatro da UFSC para uma conversa espontânea e marcada pela ausência de formalidades. Ele falou sobre o novo livro, a situação política nacional e os desafios da esquerda e dos movimentos sociais neste cenário. Não se recusou a falar sobre a fama lhe conferida de “namorado de Dilma Rousseff” e todas as implicações machistas e preconceituosas decorrentes do episódio.

Catarinas – Gostaria que o sr começasse falando sobre suas impressões sobre o Encontro Mundial de Mulheres em Florianópolis e sobre sua participação na mesa coordenada pela professora Joana.

James Green – Eu estou adorando o congresso. Eu acho uma oportunidade de conhecer pessoas novas, pesquisas novas, jovens que estão fazendo trabalho sobre gênero e sexualidade. Então isso me incentiva muito de conhecer as pesquisas e ter uma interação com as pessoas que também me procuram para uma orientação, uma dúvida, uma questão. Então isso tem sido muito rico. Ontem à noite (terça-feira, 1 de agosto) apresentei sobre a pesquisa que estou fazendo sobre a vida de Herbert Daniel, um guerrilheiro gay que participou na resistência à ditadura militar. E bom, foi muito bem recebido, acredito. Acho que é uma afirmação que eu acertei em escolher essa pesquisa, esse tópico para meu próximo livro. Eu acho que ele tem uma vida muito especial e que precisa ser conhecida pela sociedade brasileira. Porque era uma pessoa que soube em cada momento da vida dele viver pleno tudo o que ele podia viver. Então, quando ele era estudante de medicina nos anos 1960, ele entra no movimento estudantil e quando ele sente, depois do AI-5, que não há outras opções, ele parte para a luta armada. Em outro momento, no exílio, ele reflete sobre o que foi a guerrilha, ele faz uma autocrítica muito grande da guerrilha. Ele assume a sua homossexualidade. E depois, quando ele é soropositivo, nos anos 1980, ele enfrenta essa homofobia e Aidsfobia cria novas maneiras de se falar sobre a doença, sobre a situação. Então é uma pessoa espetacular, que eu infelizmente não o conheci pessoalmente, mas sinto que o conheço porque tenho feito uma pesquisa já de dez anos sobre a vida dele. E entre outras pessoas que eram muito amigas dele era Dilma Rousseff, e através dessa pesquisa eu tive a honra de conhecer a presidenta e entrevista-la para o livro e virar amigo dela. Então isso foi algo inesperado. Na verdade, ela me falou uma vez:  “Que bom que Herbert Daniel nos trouxe para conhecermos.” Então essa foi uma coisa assim que eu não esperava dessa pesquisa, mas uma surpresa muito gostosa.

Catarinas – Como o sr tomou conhecimento da história de Herbert Daniel? Em que o momento decidiu escrever a biografia dele? Como foi esse processo de construção do livro?

Green – Terminando outro livro “Apesar de vocês, uma oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985” eu entrevistei uma pessoa que falou sobre homossexualidade na prisão quando ele era preso político. E me interessei sobre a história, resolvi fazer um artigo sobre homossexualidade, masculinidade revolucionária e a luta armada no Brasil e para procurar fontes, descobri a autobiografia dele “Passagem para o próximo sonho”. Quis muito fazer uma biografia sobre ele. Mas pensava… não é possível… ele faleceu há 30 anos. Não vou ter acesso aos documentos. E uma pesquisadora, a Denise Rollemberg, da UFF, falou “não, mas a mãe dele mora em Belo Horizonte, procura ela.” Me deu o telefone, liguei pra dona Geni. Ela aceitou a minha entrevista na hora. Viajei o outro dia para Belo Horizonte. Fiz uma entrevista de três horas com ela. E percebi que tinha um livro. Porque a mãe era maravilhosa. Amava o seu filho e contava muita coisa. A família estava muito disponível. E quando saí, a mãe, a dona Geni, falou: “olha, faça esse livro, sobre meu filho. Ele está esquecido. Ninguém lembra mais dele.” Eu comecei a chorar quando ela me falou isso. E então eu resolvi fazer isso. E depois ela me deu dicas de pessoas, eu comecei a pesquisar, conhecer outras pessoas, pessoas que ficaram na luta armada com ele. E ao longo dos anos, criando a narrativa, escrevendo o livro, pesquisando e terminando o livro. O livro vai ser publicado nos Estados Unidos, em inglês, o ano que vem. Pela Duke University Press, uma editora acadêmica muito importante. E em Brasil, espero em agosto do ano que vem, quero fazer um lançamento nacional em vários lugares. Jean Willys já topou fazer o prefácio. E a Dilma Rousseff topou fazer a contracapa.

Catarinas – Este foi um trabalho de fôlego, uma longa pesquisa. Quais foram as principais dificuldades encontradas no caminho?

Green – Encontrar com as pessoas, porque as pessoas estão espalhadas. Uns moram em lugares longe, eu não consegui nem entrevistá-las. Segundo: a memória. Ao longo do tempo, as pessoas esquecem de detalhes de sua vida. Então ajuda-las a recuperar a memória, os detalhes de que eu precisava. Terceiro: ele vivia na clandestinidade durante quatro anos. E durante a ditadura militar você tinha uma disciplina de não lembrar, de esquecer. Então era difícil recuperar esses detalhes das pessoas ao longo do tempo da pesquisa. Em certo sentido de conquistar as pessoas para confiar em mim… um gringo… Mas isso não foi muito difícil não porque tive muita sorte de ter a referência de uma pessoa que gostava muito de mim, uma ex-guerrilheira que falou de mim para outras pessoas. Então, as pessoas abriram. Pesquisaram nas minhas pesquisas para saber quem era eu, se não era da CIA, aquela coisa toda. E descobriram que seria meio difícil a CIA inventar uma personagem GAY como eu para ser infiltrada. Enfim… Desafio: eu estou muito envolvido em outras questões acadêmicas então demorou para terminar porque tenho outras responsabilidades, dirijo programas, organizo simpósios internacionais, tenho outros projetos. Então, em certo sentido demorou porque estava envolvido com outras responsabilidades.

Catarinas – Na mesa no Fazendo Gênero, o sr falou sobre a importância da trajetória de Herbert Daniel no contexto atual, não só do Brasil, mas da Europa, dos Estados Unidos. Como estão essas suas expectativas em relação ao livro?

Green – Eu falei ontem que as pessoas LGBTT não precisa de heróis. Mas precisam de referências de pessoas que são modelo de resistência de saber em cada momento de sua vida enfrentar a injustiça, a desigualdade e procurar novos caminhos para transformar a sociedade. E ele é o exemplo clássico disso, nesse sentido. Para os gays e as lésbicas, transgêneros e trasssexuais, acho que ele é uma pessoa que representa uma pessoa autêntica. Ele acreditava no Brasil, acreditava no povo brasileiro, ele queria transformar a sociedade. Então para nós que estamos numa situação difícil com o golpe de 2016 e com esse governo reacionário que está no poder, é bom ter referência de outras pessoas que resistiram para incentivar o nosso fôlego de seguir na luta. Porque vão ser muitos anos de resistência eu acho até a esquerda possa se consolidar no governo de novo. Então a gente tem de ser consciente de que vai ser uma luta muito longa.

Catarinas – O sr vê semelhanças entre a situação política àquele momento, nos anos 1960, e a atual no Brasil?

Green – São coisas semelhantes e diferentes. Eu acho que diferente é que os militares não tomaram o poder no Brasil agora, em 2016. Eles deixaram os políticos. Isso realmente é um golpe civil, não civil-militar. Não houve a repressão que houve em 1964. Não houve 10 mil pessoas presas quando eles derrubaram o governo de Dilma Rousseff. Nesse sentido, estamos numa situação melhor, vamos dizer. A justificativa é formar uma ditadura militar em 1964 seja supostamente João Goulart tinha abandonado o país por isso. O presidente da Câmara dos Deputados tinha que assumir a presidência. A Constituição exigia uma eleição de 30 dias. Tudo isso foram justificativas legais, formais para dizer publicamente e internacionalmente que o golpe foi democrático. Eu acho que em 2016 setores sociais queriam derrubar a Dilma e procuraram qualquer pretexto e inventaram essa acusação de pedaladas. Uma justificativa ridícula para derrubar uma presidenta. E usaram essas questões para derrubá-la. Por que? Em parte, porque realmente estava ameaçada a possibilidade de Lava-Jato e outras investigações chegarem aos grandes setores do PMDB e PSDB. Dilma não ia abafar essas investigações. E até hoje não tem nenhuma acusação de corrupção provada contra ela. E segundo porque os setores perceberam, não é somente derrubar o mal projeto de Lula e Dilma, mas de implementar um outro projeto, um contra projeto para acabar com os programas sociais, com as medidas progressistas que foram implementadas ao longo dos últimos anos, ações afirmativas por exemplo, entre outras questões e projetos sociais. E acabar com conquistas obtidas ao longo dos últimos 50 e 60 anos, como aspectos da CLT, que estão sendo derrubados neste momento. Então é a contrarrevolução, contramedida às medidas implementadas nos últimos 12 anos. Isso é muito triste para nós porque exige uma contraofensiva nossa para reconquistar tudo o que vai ser retirado.

Catarinas – O sr comentou sobre a sua aproximação com Dilma Roussef durante esse período da pesquisa. Eu não posso deixar de perguntar sobre as repercussões dessa aproximação para quem o viu como “namorado de Dilma”…

Green – Olha, primeiro eu acho muito interessante porque… eu comentei em vários lugares… pessoas não conseguem entender, ou conceber uma mulher sem um homem ao seu lado. Ou eles têm que fazer acusações nefastas sobre elas, comportamento, desqualifica-la, como fizeram com ela. Ou tem que exigir que ela tenha um homem. Ela não precisa homem nenhum. É uma mulher muito forte, independente, muito capaz. Ela é muito engraçada. Porque todo mundo que me conhece sabe que sou gay há 45 anos, tenho um companheiro de 24 anos, era dirigente do movimento LGBT aqui, escrevi cinco livros sobre homossexualidade. Então quem tomou dois segundos para pesquisar o google sabia quem sou eu. Era num primeiro momento fofoca, era para incentivar circulação de material, sei lá o que. Depois para mim ficou engraçado. Porque não tinha nada a ver. Eu ria. Liguei para Dilma. Ela sabe muito bem que é papo furado.

Green – O sr acha que isso também é uma das marcas do machismo no Brasil?

Green – Claro que é uma maneira de desqualifica-la. Que ela não pode ser independente. Inclusive dizendo coisas ridículas como que ela iria casar comigo para conseguir green card e fugir do país, coisa que ela jamais faria. Inclusive ela tinha a opção de abandonar o país e ela ficou no país. Ficou e até foi presa. Ficou no Brasil. Lutou no Brasil. Fez sua carreira política no Brasil. Então isso é maneira de dizer que ela foi covarde ou não é competente. Em outro momento que me chamou muita atenção quando se lê comentários sobre ela em jornais como Folha de São Paulo, quando as pessoas vão fazer comentários, pensando que é uma mulher ignorante, sem formação. É uma mulher muito culta. Eu sei muito sobre arte, cinema, teatro, ópera, e ela sabe muito mais do que eu. Fomos para ópera e eu fiquei impressionado como ela sabia sobre ópera. Fomos para o museu metropolitano em Nova Iorque e ela entrou e disse “olha esse quadro, é parecido com o quadro que tem em tal museu”. Eu disse “nossa, como você sabe?”. Não, ela fala: “sempre quando viajava e tinha uma folga eu aproveitava para ir para um museu, para conhecer ou assistir a uma ópera porque amo ópera”. Num outro momento, a gente estava num outro espaço de Nova Iorque e ela disse, “não tem um livraria por aqui?” e eu pergunto “Por que?” E ela me diz: “Porque eu preciso de um livro sobre Lord Palmerston”. Eu perguntei: “Quem foi Lord Palmerston?”, e ela me explica: “Foi o primeiro ministro na Inglaterra nos anos 1850 do século XVIII ou XIX e eu quero entender a política deles sobre o Sul dos Estados Unidos antes da guerra civil”. Eu perguntei: “por que?”. Ela: “Porque quero entender uma série de questões internacionais”. Então fomos para a biblioteca, livraria, encontramos o livro grosso, achamos. Eu não conhecia, nem sabia que existia esse primeiro ministro. E ela falou “agora preciso de três ou quatro livros para entender o contexto da história.” Procuramos livros sobre a Inglaterra do século XIX e ela comprou os quatro livros. Em outro momento fomos atrás de um outro autor que ela queria ler. Não encontramos na livraria. Não sei se foi em Cambridge ou em Harvard. Então é uma mulher que lê muito, é muito inteligente. Mas para desqualifica-la cria-se uma noção de mulher mal-educada, sem formação, meio bruta. Tudo mentira.

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