Uma mulher foi assassinada. Eu não a conhecia, e sei que se chamava Débora pela notícia dos jornais, pequenas notas quase escondidas. Sei que uma mulher foi morta, mais uma, das que são assassinadas diariamente por esse Brasil afora. Quem se importa com mais essa morte? A quem essa morte faz doer?
Por Joan Edesson Oliveira, do Vermelho
Eu não conhecia a mulher que foi morta. Sei que era jovem e tinha apenas vinte e três anos de idade. Sei que era uma militante da juventude, e que carregava por ruas e praças a bandeira da União da Juventude Socialista. Sei que era jovem e mãe, e que era uma militante feminista, e que deixa filhos. Sei que devia ter parentes e amigos que, neste exato momento, choram de dor. Mas quem se importa?
No exato momento em que escrevo, no exato momento em que alguns me leem, há outra mulher sendo morta; há uma mulher sendo espancada dentro da própria casa, pelos punhos duros do seu próprio companheiro, ante o espanto e o medo dos seus próprios filhos; há uma mulher sendo violentada em algum beco escuro, por um, dois ou mais seres que há muito perderam o que lhes restava de humanidade; há uma mulher parindo com dor, como fora um preceito bíblico, abandonada pelo pai do seu filho, pela família que não lhe compreendeu, pelos amigos que se afastaram; há outra mulher sendo morta; e há mais uma mulher sendo espancada e morta. Mas quem se importa?
No mesmo instante em que mais uma mulher é violentada e morta, há um homem que justifica o ato, afirmando que ela usava roupas indecentes e provocantes; no mesmo instante em que mais uma mulher é espancada pelo próprio marido, há um homem que diz para nos perguntarmos o que ela fez para merecer isso. Há homens, nesse mesmo exato instante, que acreditam que essas mulheres mortas, violentadas, espancadas, humilhadas, mereceram isso. Alguma coisa elas devem ter feito para merecer isso, é o que pensam. Quando nada, a mera condição feminina já justificou a morte, a violência, o estupro, a humilhação. Enquanto isso, outra mulher foi assassinada. Quem se importa?
Quem matou a jovem Débora? Quem mata, espanca, violenta, humilha, chuta, desfere tapas e pontapés nessas mulheres? São homens, iguaizinhos a mim, a muitos dos meus amigos. Alguns desses homens devem ser nossos conhecidos, devem nos cumprimentar sorridentes nos corredores da repartição, vindos de casa, barbeados e limpos e asseados, após mais uns tapas cotidianos na mulher que lá ficou, o olho roxo a lhe lembrar a condição de mulher; bebem conosco no bar, educados e corteses, antes de ir para a casa e agredir a mãe, a irmã, a sobrinha, a própria filha; transitam anônimos pelas ruas das cidades. Mas quem se importa?
A jovem Débora que foi morta, a jovem mãe e mulher que foi morta, será apenas um número a mais numa bárbara e macabra estatística, enquanto nós não nos importarmos de verdade, enquanto cada morte dessas não doa em nós como se fosse a nossa irmã, ou nossa mãe, ou nossa filha ou companheira. Enquanto nós não nos importarmos de verdade o machismo e a misoginia continuarão fazendo vítimas. Enquanto não nos importarmos de verdade haverá homens que matam e agridem e haverá homens que justificarão esses atos e que defenderão os agressores.
Por isso, a cada mulher agredida, violentada e morta, precisamos nos perguntar, a nós que nos dizemos homens, que desfilamos por aí orgulhosos da nossa condição de homens e machos: Nós nos importamos?
Joan Edesson de Oliveira é educador, Mestre em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará.