EMEF Prof. Roberto Plínio Colacioppo
Membro Efetivo do GPEFE – Grupo de Pesquisa em Educação Física Escolar
Mestranda em Educação UNINOVE
Resumo
O trabalho aqui relatado diz respeito a um projeto realizado na EMEF Prof. Roberto Plinio Colacioppo durante as aulas de Educação Física, com os alunos de quatro salas de 7°s anos do Ensino Fundamental II. A referida escola está situada na zona Sul da cidade de São Paulo, sendo que as atividades estão sendo desenvolvidas sob a perspectiva cultural e subsidiadas pelo documento elaborado pela SME-PMSP intitulado Orientações Curriculares e Proposição de Expectativas de Aprendizagem para o Ensino Fundamental II. O trabalho foi desenvolvido com o objetivo de tematizar os Jogos Olímpicos com enfoque nas questões de gênero e racismo. Estes marcadores sociais, Gênero e Racismo, foram muito evidenciados pelos alunos no decorrer do projeto e mereceu especial atenção por se tratar de assunto de grande relevância social.
Unitermos: Jogos Olímpicos. Currículo multicultural. Marcadores sociais.
Desenvolvimento
O resultado do mapeamento que foi realizado no inicio do ano letivo com os alunos dos 7ºs anos indicou que os discursos que estavam em circulação pela escola diziam respeito aos Jogos Olímpicos que ocorrerão em 2012 em Londres. Esta constatação foi feita a partir de observação das conversas e questionamentos que os alunos faziam no decorrer das primeiras aulas do período letivo deste ano.
A partir da constatação acima e partindo do principio de que este evento, os Jogos Olímpicos é um fenômeno sociocultural de grande alcance que já está sendo divulgado em um determinado canal da televisão muito assistido por estes alunos, iniciamos nosso trabalho tematizando os assuntos relacionados a este evento com questionamentos a respeito de alguns fatores que fazem parte do universo Olímpico: seus símbolos, os mitos e ídolos, as modalidades participantes, os países participantes, a participação das mulheres nos Jogos, a história dos Jogos Olímpicos, os Jogos Olímpicos de Inverno, os Jogos Paraolímpicos, os Jogos Olímpicos da Juventude. Para tanto, organizamos rodas de conversa com o intuito de identificar o que os alunos sabiam ou conheciam sobre este evento, sendo que o resultado dessa atividade me possibilitou verificar alguns aspectos que poderiam ser aprofundados e ampliados no decorrer do projeto.
Com o objetivo de aprofundar nossos conhecimentos a respeito desses assuntos, lançamos mão de vários recursos como pesquisa na sala de informática, local onde os alunos puderam acessar informações importantes para esclarecer dúvidas surgidas durante as aulas com indicação de sites oficiais e não oficiais do evento. Esta atividade possibilitou a observação de alguns discursos que circulam na escola a respeito dos Jogos Olímpicos. Como exemplo cito a da participação das mulheres nos Jogos Olímpicos da antiguidade: os alunos ficaram muito incomodados ao descobrirem que as mulheres eram proibidas de participar do evento naquela época e alguns ficaram tão indignados que descobriram que as mulheres da Grécia Antiga criaram um evento só delas, o Heraea, que tinha como objetivo a homenagem a Deusa Hera. Apesar dos poucos registros a respeito deste evento, os alunos inferiram que se tratava de uma forma de luta e resistência destas mulheres, e alguns comentavam que deveriam ser as mulheres mais fortes e bonitas da Grécia que participavam deste evento.
Fui identificando algumas representações do que é ser mulher para estes alunos: mulheres que lutam são mais bonitas e fortes, as mulheres possuem direito de participar dos eventos esportivos, as mulheres são injustiçadas na antiguidade. A partir das afirmativas realizei alguns questionamentos com o objetivo de levar estes alunos a uma reflexão a respeito das questões de gênero:
- Se as mulheres que lutam e são fortes são mais bonitas, porque a mídia impõe como padrão de beleza as mulheres com aparência frágil (magras, brancas, delicadas, etc.)?
- Se as mulheres tem o direito de participar dos eventos esportivos, porque nas aulas de Educação Física as meninas constantemente são excluídas das atividades ditas “masculinas”?
- Será que as mulheres eram injustiçadas somente na antiguidade? E hoje? O que fazemos quando uma das meninas quer jogar futebol com os meninos? Por que os alunos ainda insistem em dividir times masculinos e femininos? Por que as mulheres ainda possuem a maior carga de trabalho na sociedade, tendo que cuidar da casa e do trabalho?
O objetivo destes questionamentos não foi encerrar o assunto de forma a descobrirmos verdades absolutas sobre o tema. Os alunos refletiram e fizeram várias observações. O meu espanto ficou por conta da reação das meninas que praticamente não se manifestaram durante as conversas, este espanto se deve por conta de que quando estas meninas estava na quarta série, participaram de um projeto de lutas exposto em Gonçalves (2010), cujo um dos objetivos foi de debater as questões de gênero. Isso é mais uma prova de que a cultura molda as identidades ao longo da vida, exercendo resistências num processo de idas e vindas, de luta por significação, da validação dos conhecimentos hegemônicos da sociedade.
Durante as conversas e debates verifiquei também o interesse dos alunos em relação ao atletismo, suponho que este interesse tenha surgido a partir de um trabalho realizado no ano anterior e exposto em Gonçalves e Somerfeld (2012) sobre corridas de rua que abordou entre outros assuntos a questão do racismo no esporte. Durante a pesquisa, os alunos também se depararam com as outras modalidades dos Jogos Olímpicos que não conheciam: Jogos Paraolímpicos, Jogos Olímpicos de Inverno e Jogos Olímpicos da Juventude. Questionaram muito a respeito dos Jogos Olímpicos de inverno e pude perceber que o interesse recaía sobre a curiosidade da participação do Brasil neste evento.
Para abordar este tema exibi do filme Jamaica abaixo de zero, no qual pudemos conhecer um pouco mais a respeito dos Jogos Olímpicos de Inverno e que proporcionou aos alunos condições para identificar as questões relacionadas ao preconceito racial e a hegemonia européia presentes neste evento por meio de debates e rodas de conversa. Foi interessante observar o interesse e a identificação como povo jamaicano. Durante a exibição do filme, além das risadas por se tratar de um filme de comédia, percebia várias falas de indignação quando um dos personagens era vítima de preconceito. Esta identificação indicou que a criticidade se faz presente nestas crianças, que conseguiram identificar os momentos cômicos e os momentos de exclusão do qual sofrem os subjulgados da sociedade, principalmente os pobres e os negros.
Além das atividades citadas anteriormente, realizamos também debates sobre a participação das mulheres nos Jogos Olímpicos atuais e a surpresa ficou por conta da informação de que as mulheres só começaram a participar deste evento em 1900.
Realizamos também algumas vivências de modalidades esportivas participantes dos Jogos Olímpicos com adaptação de regras, material e espaço: Handebol, Esgrima, Futebol, Atletismo, Lutas, Ginástica Artística, Ginástica Rítmica, Basquete, Vôlei com o objetivo de estabelecer uma relação de investigação dos marcadores sociais presentes nestas modalidades.
Realizamos também debates sobre a participação de todos os alunos nas atividades propostas em aula além da relação entre a modalidade vivenciada na escola das experimentadas em outros espaços, tanto profissionalmente como no cotidiano como ruas, parques, quintais, quadras de condomínio e outros, além de identificar como os discursos sobre as modalidades são colocadas em circulação nas mídias e como estas mídias promovem hábitos de consumo relacionadas a estas atividades.
Ao vivenciarmos algumas modalidades que foram propostas inicialmente, pudemos aprofundar os conhecimentos a respeito destes esportes. Os debates e conversas realizados após e também durante as práticas nos possibilitaram identificar algumas questões relacionadas ao tema gênero e também sobre racismo que estão sendo desconstruídas durante as aulas junto aos alunos num processo contínuo. A observação das relações implícitas nesses esportes possibilitam um novo olhar sobre as questões de diferença e identidade colaborando para que os alunos aprofundem e ressignifiquem sua visão a respeito destas questões presentes nas modalidades olímpicas e também na sociedade.
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