Nascido em 1º de março de 1949, Jorge Aragão da Cruz completa hoje 70 anos de vida como referência no universo do samba, e não somente no do Rio de Janeiro (RJ), cidade que aniversaria no mesmo dia deste cantor, compositor e músico carioca de ascendência amazonense e infância vivida no bairro de Padre Miguel, berço da escola de samba Mocidade Independente.
Por Mauro Ferreira, G1
Zeca Pagodinho, uma década mais moço, atualmente pode ser mais popular e mais presente na mídia do que Aragão. Mas pergunte a Pagodinho o que ele acha de Aragão. A resposta certamente conterá a admiração entusiasmada de um fã por um ídolo do qual se tornaria parceiro na composição de sambas como Voo de paz (1986) e Não sou mais disso (1996).
Tal devoção faz sentido porque Aragão foi pioneiro entre a geração de sambistas projetados ao longo dos anos 1980, egressos da quadra do bloco Cacique de Ramos, celeiros de bambas como Pagodinho e os integrantes do grupo Fundo de Quintal.
Em 1976, quando a formação do grupo ainda nem sequer estava oficializada, Elza Soares pôs voz na gravação original de Malandro, samba que Aragão compusera oito anos antes, em 1968, com João Batista Alcântara, o parceiro dos tempos de pré-fama que ficaria conhecido pela alcunha de Jotabê. Estava aberta a porta para o sucesso do compositor
Em 1978, atenta aos sinais emitidos pela turma que se reunia na quadra do Cacique de Ramos, a antenada Beth Carvalho propôs um samba esquema novo no álbum puxado por Vou festejar, samba de sucesso retumbante que trazia as assinaturas de Aragão, Neoci Dias de Andrade e Dida (compositor do bloco).
De 1978 em diante, Aragão – que ouvira o apito do samba ainda na década de 1960, quando ainda era corneteiro de quartel – jamais deixou de ser gravado regularmente enquanto abria parcerias com baluartes do sambas como Ivone Lara (1922 – 2018), com quem assinou Tendência (1981) e Enredo do meu samba (1984), sambas lançados nas vozes de Beth Carvalho e Sandra de Sá, respectivamente.
Aragão costuma ser caracterizado como O poeta do samba porque muitos dos sambas do cancioneiro do compositor são de fato poéticos, por vezes até líricos, e têm melodias mais melancólicas. Reflexão (1990), parceria de Aragão com o bamba Luiz Carlos da Vila (1949 – 2008), ilustra bem essa vertente da obra do compositor ao lado de sambas como Lucidez (Jorge Aragão e Cleber Augusto, 1991).
Contudo, o cancioneiro de Aragão extrapola clichês e rótulos porque o artista parece saber que, como dizia o poeta, é melhor ser alegre do que ser triste. Basta alguém puxar Coisinha do pai (Jorge Aragão, Almir Guineto e Luiz Carlos da Vila, 1979), por exemplo, em qualquer roda de samba que o pagode fica instantaneamente animado.
É com a alegria consciente do samba que Aragão jamais fugiu à luta pela valorização da negritude. Eriçado na voz do cantor Emílio Santiago (1946 – 2013), também o intérprete original de Logo agora (Jorge Aragão e Jotabê, 1979), Cabelo pixaim (Jorge Aragão e Jotabê, 1978) destilou o orgulho negro espichado por Aragão em Identidade (1999).
É com a alegria consciente do samba que Aragão jamais fugiu à luta pela valorização da negritude. Eriçado na voz do cantor Emílio Santiago (1946 – 2013), também o intérprete original de Logo agora (Jorge Aragão e Jotabê, 1979), Cabelo pixaim (Jorge Aragão e Jotabê, 1978) destilou o orgulho negro espichado por Aragão em Identidade (1999).
O suprassumo dessa obra referencial está gravada pelo autor em álbuns como Coisa de pele (1986), Raiz e flor (1988), A seu favor (1990) e Chorando estrelas (1992), sendo que Um Jorge (1993) fez o resumo dessa obra em série de medleys.
O peso da discografia do artista seria diluída a partir dos anos 2000 por conta da redundância de sucessivos discos ao vivo gravados com a intenção de repetir o sucesso comercial do álbum Jorge Aragão ao vivo (1999), disco que simbolizou pico de popularidade na carreira do cantor. Mas nada que tire o valor do conjunto da monumental obra autoral do compositor.
Avesso a badalações, Jorge Aragão chega aos 70 anos de vida como um dos maiores bambas do samba “nascente das várias feições do amor”, como o compositor poetizou em Coisa de pele. Sim, Jorge Aragão faz sólida arte popular do nosso chão.