Juíza culpa vítima e inocenta PMs acusados de matar africano

Keka Werneck

A justiça de Mato Grosso absolveu os policiais militares Weslley Fagundes e Higor Montenegro, envolvidos no assassinato do estudante africano Toni Bernardo da Silva, de 27 anos, natural da Guiné-Bissau. Ele foi torturado até a morte no dia 22 de setembro de 2011, na pizzaria Rola Papo, em Cuiabá, capital do Estado. O empresário Sérgio Marcelo Silva da Costa foi o único responsabilizado pela morte e foi condenado a dois anos e oito meses de reclusão, em regime aberto. Os três participaram do espancamento, que repercutiu internacionalmente.

Na sentença, a juíza Marcemila Mello Reis, da 3ª Vara Criminal de Cuiabá, assegura que, no episódio, Toni estava extremamente alterado e seu comportamento causou a trágédia. “A vítima foi o agente provocador dos fatos, e seu comportamento foi decisivo para o desenrolar dos acontecimentos”.

O local do crime é próximo à Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), onde Toni estudou através um projeto de intercâmbio. Ele fazia parte de uma comunidade de africanos.

Toni passava por uma fase complicada na vida pessoal e, no dia em que morreu, segundo laudo policial, havia ingerido drogas e álcool. Depois disso, foi à pizzaria onde teria pedido dinheiro às pessoas de forma desconfortável.

A noiva do empresário disse em depoimento que, apesar do casal já ter negado a dar esmola, o rapaz ficou por ali incomodando e chegou a passar a mão na região do peito dela. Depois disso, o empresário desferiu vários socos no estudante, derrubando mesas e cadeiras, até chegar próximo onde estavam os policiais militares Weslley e Higor e seus familiares. Os PMs entraram na briga.

A estudante Diela, que faz parte da comunidade africana em Cuiabá, não aceita isso como argumento. “Isso justifica a morte de Toni?”, questiona Diela, que também é da Guiné-Bissau, conterrânea e amiga da vítima. O problema para ela, neste caso, foi a cor da pele de Toni. “Nascer pobre e preto no Brasil é uma condenação”. O estudante africano Ernani, que também é da comunidade de estudantes africanos, reforçou que não há dúvida. “Se Toni fosse loiro, morreria assim?”

Alguns meses após o crime, a professora Janaína Pereira, que mora próximo à pizzaria, chegou a contar publicamente que, devido à gritaria, correu até o portão de casa e viu tudo acontecer. Ela teme pela própria vida por ser testemunha ocular. Segundo ela, os três acusados desferiram uma série descomunal de golpes de chutes e pontapés, quando Toni já estava sem forças. “Um deles foi tão forte que se Toni tivesse sobrevivido perderia um dos testículos”, relatou durante audiência pública sobre o caso.

Conforme a juíza, várias pessoas bateram na vítima e não somente os três acusados. Conforme laudo médico, a morte de Toni se deu por asfixia mecânica, decorrente de uma fratura na traqueia.

Apesar da força dos fatos, ao sentenciar a juíza levou em conta o fato dos “envolvidos não terem antecedentes criminais”. A sentença, assinada na última sexta-feira, mais de dois anos após o crime, desagrada o movimento negro, que entende que este foi mais um violento caso de racismo.

“Vamos denunciar esse absurdo em âmbito local, nacional e internacional”, avisa o jornalista João Negrão, da coordenação da União dos Negros pela Igualdade (UNEGRO) do Distrito Federal e membro do Conselho de Defesa do Negro do Distrito Federal. “Além disso, vamos entrar em contato com familiares do Toni, para saber se desejam recorrer a instâncias superiores no Brasil”.

O UNEGRO do Distrito Federal já havia denunciado o Estado de Mato Grosso à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). E agora levará o caso também à Corte Interamericana de Direitos Humanos, onde tramitam casos que configuram como injustiça.

Fonte: Terra

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