“Obrigar uma mulher a manter durante nove meses a gravidez de um feto que provavelmente nascerá morto é um ato do Estado que desrespeita princípios constitucionais, tais como a dignidade, a intimidade e a liberdade”, é o que ponderaram pesquisadoras do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis), após audiência pública no STF acerca do dilema sobre anencefalia.
No município de Lucas do Rio Verde (354 km de Cuiabá), um casal em união estável há sete anos, já estava nos preparativos para a chegada do primeiro filho quando a gestante recebeu do médico o diagnóstico de “… gestação de 13 semanas e feto anencéfalo…”.
Na esperança de ter recebido um diagnóstico errado, uma semana depois, procuraram outro profissional, que, através de novo laudo, confirmou-se a anencefalia: “… gestação de 13 semanas e 5 dias, anomalia fetal, ausência de calota craniana, acrania com exposição do tecido cerebral livre…”.
Abalado e ciente do grave quadro, o casal procurou a Defensoria Pública da Comarca e manifestou de forma consciente e inequívoca, a intenção de realizar a interrupção da gravidez.
Anencefalia, vulgarmente conhecida como ‘ausência de cérebro’, é a formação congênita de modo que o feto não apresenta hemisférios cerebrais e o córtex. Dessa maneira, é incompatível com a vida extra-uterina, sendo fatais todos os casos e não há qualquer controvérsia a respeito na literatura médica-científica.
O Defensor Público Diogo Madrid Horita, através de ação judicial, requereu em caráter urgentíssimo, autorização para interrupção de gestação, fundamentada no princípio da dignidade da pessoa humana, legalidade, liberdade, autonomia da vontade e direito à saúde, todos da Constituição Federal.
“Uma vez diagnosticada a anencefalia, não há nada que a medicina moderna possa fazer. (…) A permanência do feto anômalo no útero da mãe é potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde da gestante e até perigo de morte”, explicita a ação.
O Poder Judiciário têm examinado essa questão em várias ocasiões. Na realidade, nos últimos anos, decisões judiciais em todo o país têm garantido para as gestantes o direito de se submeterem a antecipação terapêutica do parto nestes casos.
No dia seguinte ao protocolo da ação, o juiz de direito Julio Cesar Molina Duarte Monteiro prolatou a decisão pelo deferimento do pedido, autorizando a expedição do alvará para que fosse realizado o aborto terapêutico.
Para o magistrado, o caso “justifica-se no direito à vida da própria gestante, que age em verdadeiro estado de necessidade”, e acrescenta que perante o Código Penal “não se pune o aborto praticado por médico se não há outro meio de salvar a vida da gestante”.
“A morte já foi anunciada. Impor à mulher a continuidade da gestação até o seu final é prolongar o sofrimento e a dor de forma cruel e desnecessária, conduta que não condiz com o valor supremo da dignidade da pessoa humana”, enfatiza Diogo Horita.
Fonte: O Documento