O saxofonista e compositor de jazz Kamasi Washington, prodígio dos dias atuais e frequentemente comparado com John Coltrane, acaba de lançar um dos trabalhos mais importantes do gênero, The Epic. Meses antes, como um dos colaboradores de Kendrick Lamar em To Pimp A Butterfly, ele mostrou que o jazz pode ser chamado à inovação e ajudar outros estilos a saírem do convencional. Seu saxofone é bastante presente no clássico de Lamar.
Por Paulo Floro, no Revista o Grito
Em The Epic, ele explorou todas as possibilidades do gênero, forçando limites em um trabalho monumental, meticuloso e que mostra sua visão, virtuosismo, mas que também conta uma história. Quase não houve espaço para improvisação – atributo comum ao jazz – nos 172 minutos. O trabalho longo foi dividido em três discos e contou com um coral de vinte vozes, orquestra de 32 músicos e mais uma dezena de instrumentistas convidados. Um trabalho imenso, todo produzido por Kamasi.
Juntos, os três discos trazem influências do jazz afro-latino e músicos do gênero que militaram pelo pan-africanismo, como Horace Tapscott e Pharoah Sanders. Traz ainda, claro, referências a John Coltrane, base da formação de Washington.
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Como no jazz a vibe é mais importante do que qualquer outra coisa, o trabalho consegue contar uma história como um épico bem contado e cuja trilha sonora reflete o humor da trama. No primeiro disco temos um tom dramático, depressivo e saudosista, como mostram “Isabelle” e “The Next Step”. Até os títulos das faixas soam pessimistas. O trabalho segue para uma segunda parte mais assertiva, com uma pegada cinematográfica, elétrica, como na funkeada “The Magnificent 7″. O terceiro e último disco traz o groove do soul-jazz setentista e contrapõe o início do álbum ao finalizar com um tom de superação e força.
Kamasi Washington é hoje parte de uma geração de músicos californianos que estão renovando a música norte-americana ao propor inovações no hip hop. Fazem parte desta cena nomes como Kendrick Lamar, Terrace Martin, que produziu tanto The Pimp A Butterfly e colaborou neste The Epic, além do pianista Robert Glasper e o trompetista Ambrose Akinmusire, entre outros. Os companheiros de banda de Kamasi, todos amigos desde o ensino médio, também fazem parte, o baixista Thundercat e seu irmão, o baixista Robert Bruner Jr.. Além de vanguardistas, esses caras tem algo que os diferencia do resto do pop hoje: não estão alienados em seu tempo e espaço. Cientes das questões raciais hoje nos EUA, eles não mostram receio em discutir esse complexo tema à luz dos acontecimentos.
The Epic é um disco de jazz acessível, feito para ser ouvido pela geração atual e que tem muito a contribuir para o gênero. Talvez consiga tirá-lo do terreno acadêmico onde está atolado por décadas em um dos maiores desserviços já feitos por um estilo musical. Com visão e paixão, este álbum traz novos desafios para o gênero e mostra que é possível fazê-lo atrativo e instigante além das associações com o hip hop, música eletrônica e de pechas que soam muitas vezes como adjetivos vazios como “tal disco é jazzístico”. Sem soar pedante ou reducionista, é um disco de jazz para a geração atual.