Lara, o seu laraiá é lindo!

 Foto: NATALIA BEZERRA/WIKIMEDIA COMMONS

 

Ela é do Império, não é da Portela; frequenta a Vila, mas mora em Madureira. É uma dama, uma estrela, tremenda partideira, anunciou Marthinho da Vila antes de chamar Dona Ivone Lara ao palco. É por isso que a gente se lembra também de Dona Jovelina Pérola Negra: Deixa comigo / eu seguro o pagode / não deixo cair / sei vacilar / sei me exibir / só vim mostrar o que aprendi.

Por Cidinha Da Silva, do Medium

E Dona Ivone se mostrou ainda criança, compositora desde os 12 anos, dona de uma das vozes mais melodiosas da MPB. Junto com Clementina de Jesus e Vó Maria, Dona Ivone fazia aquela ligação profunda e loquaz com o final do século XIX e início do XX quando Tia Ciata e seus seguidores levaram o samba da Bahia para o Rio de Janeiro. Quando as memórias da escravidão ainda eram tão próximas, já que, vívidas são até hoje.

Mas Dona Ivone não era de falar de dor, transformou tudo em música e jogou o que poderia ser sofrimento para o alto. Falou de amor como poucas, embalou nossas dores. Fez de nossos desenganos notas musicais. Acalentou nossos amores, espalhou esperança e sonho pelo mundo. O samba de Dona Ivone é um samba esperançoso, a gente ouve e não tem vontade de cortar os pulsos, mesmo desiludida. Os sambas de seu repertório fazem a gente querer amar de novo, mesmo sabendo que no final os amores sempre doem. Dona Ivone, pela beleza de suas canções de amor não nos deixa desistir de amar. Seu canto e suas composições insistem: vale a pena amar, sonhar e ter esperança.

Sorriso negro é um hino que aqueceu e aquece o coração de muitas gerações de pessoas negras, principalmente daquelas ligadas ao ativismo político de 1970 a 1990. Um sorriso negro/ um abraço negro traz felicidade / Negro sem emprego / fica sem sossego / Negro é a raiz da liberdade / .Negro é uma cor de respeito / Negro é inspiração / Negro é silêncio, é luto / Negro é a solidão…

Para a senhora, Dona Ivone, dedicamos, agradecidas, nosso maior sorriso negro.

Lamento informar, mas quem viveu o século XX e não viu Dona Ivone Lara no palco, quem não a viu sambar miudinho pelo menos uma vez, não ficou em dúvida se ela incorporava ou não uma Preta Velha em pleno palco, viveu uma vida incompleta. Digo isso para não ser implacável com essa pobre alma que, na verdade, não viveu.

Agora é conviver com a saudade deixar que ela nos revire pelo avesso, que revire nosso avesso.

Lá vai Dona Ivone no balanço cadenciado de 97 anos bem vividos rumo ao país dos ancestrais. Usa sapato baixo, não mais o salto alto e largo que a sustentou até os oitenta e pouco anos. Foi amada, reconhecida, deixou frutos e um grande legado, como deve ser. Morrer assim é natural da vida. Não há tristeza, só saudade e sambas divinos para cantar e relembrar.

Obrigada, querida Rainha, senhora da melodia. Madureira, forever!

+ sobre o tema

Veto Já! Contra o golpe em nossos corpos e direitos

Contra o retrocesso, o racismo, a violência e Pelo...

Quase 50 anos depois, clássico da literatura negra chegará ao Brasil

Clássico da literatura negra chegará ao Brasil: chegará às...

estilista baiana, Mônica Anjos, apresenta sua nova coleção em São Paulo

Bazar VIP será promovido, neste sábado dia 9, para...

Rebeca Andrade fica em 5º lugar no solo com Baile de Favela nas Olimpíadas

Um passo. Foi isso que separou Rebeca Andrade de...

para lembrar

1,5 milhão de mulheres negras são vítimas de violência doméstica no Brasil

Elas representam 60% das 2,4 mi de agredidas. Reportagem...

A primeira juíza mulher da NBA e sua história de resistência

“Eu sabia que todo mundo estava esperando que eu...

É Tempo de Anastácia!

Quantas de nós, mulheres negras, ainda somos silenciadas nos...

Maria Júlia Coutinho será a primeira mulher negra a apresentar o Jornal Nacional

Jornalista entra para o rodízio de apresentadores do noticiários...
spot_imgspot_img

Ela me largou

Dia de feira. Feita a pesquisa simbólica de preços, compraria nas bancas costumeiras. Escolhi as raríssimas que tinham mulheres negras trabalhando, depois as de...

Selo Sesc lança Relicário: Dona Ivone Lara (ao vivo no Sesc 1999)

No quinto lançamento de Relicário, projeto que resgata áudios de shows realizados em unidades do Sesc São Paulo nas décadas de 1970, 1980 e 1990,...

“Dispositivo de Racialidade”: O trabalho imensurável de Sueli Carneiro

Sueli Carneiro é um nome que deveria dispensar apresentações. Filósofa e ativista do movimento negro — tendo cofundado o Geledés – Instituto da Mulher Negra,...
-+=