Lei de combate à violência contra a mulher não impede crime

Apenas uma semana depois de ser solto, Jeffer Sandre Paiva, de 36 anos, se tornou o principal suspeito da morte, a facadas, da ex-companheira, Aline da Silva Pereira, 30. Ele estava preso, pela terceira vez, desde julho de 2012, enquadrado na Lei Maria da Penha, por agressão e tentativa de homicídio. Apesar de todas as denúncias terem sido feitas pela própria Aline, ela pode ter sido novamente vítima do ex-companheiro. Neste, como em outros casos, a lei criou um obstáculo, mas não impossível de ser ultrapassado.

De acordo com os registros da Deam (Delegacia Especializada no Atendimento a Mulher), a primeira vez que a vítima procurou o apoio policial foi em 2003, quando relatou ter sido ameaçada pelo companheiro. Como na época ainda não existia a lei de proteção às mulheres, foram ouvidas as testemunhas e o próprio autor, mas o procedimento foi encaminhado para o Juizado Especial Criminal – dentro da lei que tratava os crimes de menor potencial ofensivo. Um condenado por meio desta lei cumpriria apenas penas alternativas ou pagamento de cestas básicas.

Mas em 2007, quando ela retornou para dar queixa de novas ameaças e agressões, a Lei Maria da Penha já existia – foi criada em agosto de 2006. Com o advento, ela solicitou as medidas protetivas cabíveis. E Jeffer foi preso em flagrante.

– Neste caso particular, se for confirmada a autoria, podemos tratar como um comportamento meio doentio. Mas a verdade é que em briga de marido e mulher, a Deam sempre mete a colher. A gente interfere e vai até onde é permitido para a Polícia Civil. De acordo com informações, eles nunca se separaram definitivamente, e a mulher tem que dar um basta. Elas têm que ver que podem correr risco de vida. Reatar, às vezes pode acabar em tragédia – comentou o chefe do setor de investigação da Deam, Leonardo de Almeida Alves.

Como são feitas as investigações

Segundo o policial civil, depois de uma denúncia de agressão, é avaliado o tipo de situação. Se for contra a integridade física, por exemplo, a mulher é encaminhada para o exame de corpo de delito para constatar o crime. Ele ainda explicou que, caso ela já tenha sido atendida em clínica ou hospital, é solicitado um laudo para dar apoio a perícia. Depois são convocadas as testemunhas, e enfim, o autor.
– Logo ao fazer a denúncia, a vítima sai da delegacia com a possibilidade de usar as medidas protetivas. Previstas na Lei Maria da Pena. Como afastar o autor do lar, proibir qualquer tipo de comunicação, inclusive com as testemunhas. Caso ele tenha posse de arma, como policiais ou militares, solicitamos o recolhimento da arma – completou Leonardo, acrescentando que, apesar desse apoio legal, a escolha é da mulher.

Importância da denúncia

Jeffer foi solto em 17 de janeiro de 2008, e dias depois teria tentado matar Aline. A vítima foi surpreendida no bairro São Luiz e sofreu oito facadas – nas costas, no peito e no rosto. A polícia conseguiu prender novamente o suspeito, que permaneceu encarcerado até maio de 2009.
– O fato é que ela nunca o denunciou por ter quebrado alguma medida protetiva. Só tínhamos acesso a eles, após a violência. Porque a mulher sai com a orientação, de que é pra denunciar qualquer coisa fora da normalidade. Todas as medidas solicitadas serão tomadas, mas qualquer problema maior que aconteça, ela tem que voltar aqui. Porque se as autoridades policiais não tomarem conhecimento, não há o que possamos fazer – comentou Leonardo.

Final trágico

Em 2012, a Deam recebeu Aline novamente, com uma nova agressão feita por Jeffer. Desta vez, ao comparecer para depor, ele foi preso, por cumprimento de um mandado de prisão pela tentativa de homicídio e por uma agressão, representados pela delegada. Desta prisão, Jeffer só saiu em 25 de janeiro de 2013, sete dias antes da morte de Aline, da qual é o principal suspeito. Ela foi agredida a facadas novamente, em casa.

Apoio e proteção à mulher

A Lei Maria da Penha atende um rol de crimes. Entre eles, tentativa de homicídio, estupro, ameaça, agressão. E atende à qualquer mulher; seja ela criança, adolescente ou adulta. Mas o cumprimento, na maioria dos casos, depende da mulher.
– A recomendação é sempre denunciar. Um tapa hoje, pode se tornar uma facada ou um tiro. Não adianta pensar que não vai acontecer nada. Nós faremos o que estiver dentro da lei – reforçou o chefe da investigação.

Segundo Leonardo, a proteção mais eficaz é procurar uma delegacia, fazer o registro, levando o máximo de informações para que seja possível a descoberta do autor. E fazer isso de imediato, para que o agressor possa ser preso em flagrante.

– No caso da Aline, você vê que todas as vezes que ela veio, nós tomamos uma atitude, dentro das nossas possibilidades, mas em uma semana que ele teve liberdade, ele a matou. Ela agiu certo, esse comportamento doentio é meio imprevisível. Se ele a matou mesmo por ciúmes, passionalmente, é doentio, mas não dava para prever ou prevenir – concluiu.

Falha do sistema

O caso de Aline chocou, principalmente pelo fato de ela ter procurado a polícia por diversas vezes. Para este crime, o sociólogo Gilberto Caldas aponta dois problemas. Segundo ele, a personalidade deste homem deve ser levada em consideração. Como também, o sistema carcerário e judiciário que coloca em liberdade alguém que não está pronto para viver em sociedade.

– Algumas pessoas realmente não tem controle sobre suas ações, apresentam um quadro de distúrbio, que necessitaria de acompanhamento. Neste caso se enquadra na questão do homem que não aceita a evolução na independência da mulher. Que acredita ter poderes sobre as mulheres e os impõem pela força. É preciso que essa geração masculina tenha uma nova visão. É uma questão de educação; tem que ser um trabalho na escola, desde novo. Porque alguns jovens são criados por pais com essa mentalidade antiga – revelou.

Nessa realidade, Caldas avalia a lei Maria da Penha como um grande passo para a proteção das mulheres. Mas enxerga a determinação ainda falha, já que ainda não conseguiu abolir a violência.

– Existe uma diferença entre o possível e o ideal. A lei é uma barreira, mas o agressor muitas vezes ainda consegue continuar com as suas práticas. Às vezes até piora. Está um absurdo hoje em dia, acontecendo demais. Eu vejo que o trabalho da polícia e o do judiciário foi certo, dentro do que eles podiam fazer. As leis é que estão erradas – completou.

Segundo Caldas, qualquer presidiário necessitaria de um acompanhamento psicológico pelo fato de estar em um ambiente muitas vezes insalubre e sem atividades.

– Um ex-presidiário, que passou meses e ano privado de sua liberdade e vivendo em violência, está pensando em ser uma pessoa boa? Ele tem uma enfermidade, um distúrbio que precisaria ser tratado; ele precisava estar ocupado. Jamais ser colocado em liberdade dessa forma – concluiu.

Fonte: Diário do Vale

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