Com o objetivo de dialogar com estudantes e profissionais da educação básica sobre as pedagogias das culturas juvenis urbanas, Geledés Instituto da Mulher Negra, apoiado pelo Itaú Educação e Trabalho, realizou o projeto Pedagogias da Geração Hip-hop e Culturas Juvenis nas Escolas.
Esse projeto visou reconhecer, valorizar e sistematizar os “modos de fazer, pensar e agir” elaborados pela geração Hip-hop e pelas novas culturas juvenis no ambiente educacional, contribuindo para reduzir as desigualdades enfrentadas por crianças, adolescentes e jovens em idade escolar, além de fortalecer seus conhecimentos.
Essa iniciativa se conecta a um projeto realizado por Geledés entre 1992 e 1998, focado especificamente na juventude negra – o Projeto Rappers. Esse projeto consistiu em uma parceria pioneira entre uma ONG e artistas de rap, articulando a agenda de Direitos Humanos e a ação cultural.
Ativistas do Hip-hop, de grupos de rap de São Paulo, procuraram Geledés para denunciar a violência policial que sofriam devido às letras de suas músicas, que destacavam as condições de marginalização social, racismo, preconceitos e violências enfrentadas pelos jovens negros. Como resultado, eram frequentemente retirados dos palcos, em desrespeito ao direito à liberdade de expressão.
O Projeto Rappers ofereceu formação sobre agendas de raça e gênero para ativistas do movimento Hip-hop, além de orientação jurídica para a garantia do direito à ocupação de espaços públicos e estratégias para atuação e incidência em espaços de tomada de decisão.
Além disso, possibilitou a realização de importantes eventos culturais e a elaboração da primeira revista de Hip-hop do país, a Pode Crê!, que trazia informações sobre a cena cultural e temas de interesse da juventude negra, pobre e periférica.
Aliar educação e o combate à violência e ao racismo sempre foi central na atuação de praticantes da cultura Hip-hop. Consideramos, de acordo com vivências e estudos que fundamentam a temática, que a geração Hip-hop tem muito a ensinar e contribuir, principalmente para reduzir as desigualdades na educação e propor metodologias que contemplem e integrem adolescentes e jovens em suas diversidades e diferenças.
Esse movimento destaca a importância das culturas juvenis no processo educacional. Apresentamos abaixo alguns dados que indicam a importância de investir na trajetória educacional de grupos vulnerabilizados, evidenciando o papel central das culturas juvenis:
• O Panorama da Violência Letal e Sexual Contra Crianças e Adolescentes no Brasil (2024) aponta que “para cada 100 mil habitantes no país, entre 0 e 19 anos, do sexo masculino e de cor negra, 18,2 são assassinados, enquanto a taxa de mortalidade para o mesmo grupo entre brancos é de 4,1 por 100 mil”. Isso significa que “o risco relativo de um adolescente negro do sexo masculino ser assassinado no Brasil é 4,4 vezes superior ao de um adolescente branco do sexo masculino” (p. 5).
• No âmbito educacional, os dados revelam desigualdades preocupantes. A taxa de distorção idade-série nos anos finais do Ensino Fundamental, em 2022, foi de 14,5%. Esse indicador varia significativamente conforme gênero e raça/cor: cai para 8,6% entre meninas brancas, 12,2% entre meninos brancos e 13,3% entre meninas negras; entretanto, sobe para 20,3% entre meninos negros.
• No Ensino Médio, a taxa de distorção idade-série é ainda mais elevada, alcançando 17,8%. Quando desagregada por gênero e raça/cor, observam-se as seguintes taxas: 11,6% para meninas brancas, 15,9% para meninos brancos, 18% para meninas negras e 22,9% para meninos negros.
• De acordo com a PNAD (IBGE, 2016; 2023), a taxa de escolarização de jovens de 15 a 17 anos apresentou uma evolução positiva, passando de 61,5%, em 2016, para 71,3%, em 2022. Ao cruzar os dados por gênero e raça/cor, os seguintes avanços são evidentes: de 65,5% para 73,2% entre jovens brancos, de 70,7% para 78,8% entre jovens brancas, de 52,8% para 64,3% entre jovens negros e de 61,8% para 72,8% entre jovens negras.
As diferentes gerações do Hip-hop, provocadas pelas temáticas que esse movimento traz ao debate público – como reflexões sobre a história, leituras críticas da realidade e construção de projetos e novas expectativas de vida –, extrapolaram os limites impostos por uma sociedade excludente. Hoje, elas vêm produzindo e articulando conhecimentos que podem contribuir para diversas áreas do saber, como história, geografia, física, química, letramento crítico, matemática, sociologia e artes.
Isso porque a prática dos elementos da cultura Hip-hop exige cálculo, habilidade, segurança, reflexão, leitura e desenvolvimento de técnicas. A produção do rap envolve a observação e leitura sócio-histórica, tecnologia de produção e programação musical com samplings e colagens musicais, além de uma escrita que conecta cenário, análise crítica e perspectivas sobre os problemas e diferentes realidades abordadas.
Já o grafitti é, ao mesmo tempo, domínio de traços, cores e química, além da celebração de identidades marginalizadas e suas ideologias projetadas nas paredes das cidades.
O breaking, por sua vez, hoje inserido nos Jogos Olímpicos, exige conhecimento sobre o corpo, noção de espaço, interpretação da performance do grupo ou do sujeito rival, respostas criativas e comunicação corporal.
Em síntese, não seria exagero afirmar que a prática do Hip-hop também é ciência e que, para ser materializada, provocou a elaboração de uma pedagogia das ruas.
Nesse sentido, visto que o Brasil já produziu diferentes gerações da cultura Hip-hop e, atualmente, tem grandes artistas projetados na esfera pública que influenciam e inspiram as novas gerações de adolescentes e jovens das periferias brasileiras, realizamos, neste projeto, um exercício de sistematização das práticas protagonizadas pela geração Hip-hop e uma pesquisa sobre as culturas juvenis em cena no ambiente escolar.
Essas práticas podem auxiliar as estratégias pedagógicas de profissionais da educação. Além disso, a cultura Hip-hop cada vez mais se destaca globalmente, com o rap sendo um dos estilos musicais mais ouvidos no mundo, o grafitti ocupando grandes galerias de arte e o breaking sendo incluído nos Jogos Olímpicos de 2024 como categoria esportiva.
Esse movimento, que enfrentou diversas formas de cerceamento e perseguição política nas últimas décadas, agora, de forma sutil, mas impactante, encontra reconhecimento e celebração.
O impacto social do Hip-hop nas periferias do Brasil e do mundo é evidente. O atual cenário confirma o valor cultural e intelectual do Hip-hop e sua capacidade de influenciar e mobilizar comunidades marginalizadas, fortalecendo a identidade e o senso de pertencimento de comunidades periféricas, ao mesmo tempo em que os permite ressignificar espaços, promovendo mudanças sociais significativas.
Buscando valorizar e registrar as pedagogias da geração Hip-hop, o projeto constituiu um grupo de trabalho de ativistas do Hip-hop que atuam como educadores e, por meio de pesquisa participativa, produziu um levantamento de materiais sobre Hip-hop e sua intersecção com a Educação.
O projeto realizou uma pesquisa in loco para a identificação e sistematização das pedagogias da cultura Hip-hop e mapeou outras expressões culturais juvenis no espaço escolar, em diálogo ou como decorrência do Hip-hop, como batalhas de rima, slam, funk e games, entre outras.
A pesquisa sobre Hip-hop e educação contou com a parceria do Arquivo Brasileiro de Hip-hop (AEL-UNICAMP), onde está localizado o acervo do Projeto Rappers de Geledés Instituto da Mulher Negra.
A iniciativa tem por objetivo contribuir para a construção de novos diálogos e parcerias que possibilitem a introdução dessas pedagogias na formação de professores da educação básica, além de fortalecer as culturas juvenis em espaços escolares.
Com esta publicação, apresentamos um material de referência das ações desenvolvidas para que sejam replicadas em outras localidades, contribuindo para reflexões e ações sobre a escola e seu papel como um espaço democrático que valoriza as diferentes vozes e formas de vivenciar o mundo.
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