Lembranças dos outros

Por que gosto tanto de filmes? Porque xereto a história alheia. De camarote, assisto ao drama, à comédia, à fanfarrice, ao heroísmo na vida dos outros. Se eu fosse uma Robinson Crusoe, condenada a vinte e cinco anos de solidão, certamente eu não seria nada. Pois me faltaria a quem ouvir. Sou tão permeável à memória de amigos e parentes que, de repente, pergunto: eu vivi essa história ou me contaram?

Por Fernanda Pompeu no Yahoo

doente, dois anos antes de morrer, meu pai visitou comigo uma praia em Niterói. A do Saco de São Francisco – graciosa enseada que dá de cara para o estonteante Rio de Janeiro. Ele contou que quando menino, ao lado da mãe, da irmã e do irmão, passou férias nessa praia. Uma manhã, eles viram uma explosão do outro lado da baía da Guanabara: “Entramos em pânico, achando que o fogo atravessaria as águas e chegaria até nós”.

O jeito comovido com que meu pai contou essa lembrança – de mais de setenta anos –  foi tão cinematográfico e verdadeiro que entrou diretamente na minha central de memória afetiva. Da mesma forma, volta e meia, Tupi e Fagulha – dois cachorros da infância de mamãe – abanam o rabo para mim. Anos atrás passeando por Buenos Aires, vi os dois rodeando a Casa Rosada, sede do Governo argentino.

Foi o resultado de ter ouvido histórias e histórias desses dois vira-latas cariocas. Uma vez, Fagulha quase foi atirado no Rio Maracanã. Pensavam que ele estava defunto, porque tinha o corpo enrijecido e não abria os olhos. Pois na horinha H, ele não só se mexeu, saltitou. Alegria máxima para minha mãe. Ela narrou a canina ressurreição para seus filhos e depois para os netos. Na certa, todas as famílias têm um Museu Particular de Histórias.

também as memórias coletivas que povoam nossas individualidades. Por exemplo, de tanto escutar, ler (e até escrever) acerca do suicídio de Getúlio Vargas, na manhã do 24 de agosto de 1954, tenho a impressão que não foi o presidente da República quem atirou contra o próprio peito, mas sim meu avô. 

Aliás, não conheci meu avô paterno, o Walter Pompeu. Quando ele morreu, papai tinha oito anos. Mas ouvi tantas histórias sobre ele, contadas pela minha avó, que às vezes lembro que vivi minha infância ao seu lado. Ufa, acho que no Reino da Memória nenhum súdito morre.

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