Lenhador, uma vida de sofrimento

 Zé, Márcio, Egon e Péu sofrem até hoje com as consequências do trabalho como lenhador (Foto: David Arioch)

Péu, Márcio, Egon e Zé descobriram muito cedo que o trabalho pode destruir sonhos e até matar

Por anos, Péu, Márcio, Egon e Zé, moradores da Vila Alta de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, acordaram às 3h para trabalhar. Assim que ouviam a buzina do caminhão às 3h30 em frente de casa, se aproximavam e subiam na cabine carregando as mochilas com as marmitas e as garrafas térmicas com água. A labuta quase sempre começava às 4h15, quando a escuridão impedia que enxergassem as árvores que eram pagos para derrubar e transportar.

enviado por David Arioch no Jornalismo Cultural via Guest Post para o Portal Geledés

No local, se preparavam fazendo uma rápida ginástica laboral e aos poucos se embrenhavam no mato com cuidado, checando a presença de animais, principalmente cobras como cascavel, a mais comum em grandes áreas de eucalipto. “Quando a lenha fica amontoada, não pode chegar batendo a mão. Tem que levantar uma a uma, fazendo barulho. O farolete você leva por conta própria senão algum animal te pega”, avisa Marcelo Martins Melo, o Péu, de 27 anos, que trabalha há mais de nove anos como lenhador.

Mesmo com os cuidados, o perigo sempre foi iminente. Pisadas em cobras, quedas em buracos de tatus e ataques de marimbondos mamangava-de-toco, uma das espécies mais perigosas, acontecem mais cedo ou mais tarde. Maicon Martins Melo, o Egon, de 24 anos, e lenhador desde a adolescência, se recorda das picadas que levou do inseto. Teve de trabalhar o dia todo agonizando, com febre e dor de cabeça. “Cada marimbondo desse dá várias picadas, não só uma. Mesmo assim não pude parar o serviço porque o patrão disse que não me pagaria se eu não ajudasse a carregar toda a lenha”, explica. Os lenhadores também costumam ser picados por escorpiões e aranhas. Tudo isso pode acontecer na primeira hora de serviço de cada manhã, antes do Sol despontar no horizonte.

Péu: “Graças a Deus que o pau bateu na cabine e no retrovisor antes de vir pra cima de mim, senão teria aberto a minha cabeça” (Foto: David Arioch)
Péu: “Graças a Deus que o pau bateu na cabine e no retrovisor antes de vir pra cima de mim, senão teria aberto a minha cabeça” (Foto: David Arioch)

Preocupados com o horário, colocavam à prova a força e a coragem. Para ganhar tempo, nos primeiros minutos na área de corte, sentavam no chão ou escoravam em uma árvore e abriam as marmitas. Depois de comer rapidamente um pouco de arroz, feijão, carne e salada, o corte e o carregamento prosseguiam por pelo menos seis horas. “Lá pelas 8h, se o cortador estiver muito atrasado, a gente para bem rapidinho pra comer um pouco mais, até em pé mesmo. Daí ajudamos a cortar a lenha pra adiantar o serviço. O cortador retribui ajudando a carregar e descarregar”, conta Péu, acrescentando que os lenhadores nem sempre têm tempo de descanso.

Os adeptos do fumo de corda e do cigarro de palha são dispensados logo no primeiro dia de serviço. A justificativa é que atrasam o trabalho dos outros lenhadores. “Não pode parar pra fumar. Senão a gente já começa a falar: ‘Vamos embora, vamos embora’”, relata Egon. Sem imprevistos, a jornada chega ao fim entre 14h30 e 15h30, assim que os lenhadores descarregam a lenha no local de destino, onde a madeira serve para abastecer principalmente as caldeiras das farinheiras e indústrias de cerâmicas. No entanto, se algo der errado, não chegam em casa antes de anoitecer.

A atividade possui um alto índice de desistência. Além de força, é preciso desenvolver boas técnicas de corte e transporte para controlar a exaustão. “Quando vai descarregar pau pesado, você tem que abraçar ele, ‘macaquear’ pra cima e jogar certinho lá embaixo. Pra ficar bom mesmo leva anos. O cara tem que aprender a suportar o calor, lidar com câimbras e beber muita água pra evitar a desidratação”, recomenda Péu que perdeu as contas de quantos lenhadores viu passando mal e desmaiando na mata por causa da alta intensidade do trabalho.

Apesar do risco de hipoglicemia, alguns lenhadores mais experientes passam o dia em jejum. O objetivo é acelerar o serviço e economizar, já que as refeições no campo são de responsabilidade dos trabalhadores. “Você consegue ganhar cem reais num dia, mas as roupas, algumas ferramentas e a comida são por sua conta. Se pensar bem, o seu lucro não passa de R$ 50”, reclama Márcio Alexandre Santos, de 23 anos, que ingressou no ramo aos 12. Para receber o valor integral da diária, três lenhadores precisam carregar 23 toneladas de lenha. Ou seja, 7,6 mil quilos por pessoa. Uma peça de eucalipto com apenas 1,50m chega a pesar até 80 quilos. “A gente se esforça pra sair da roça antes do meio-dia porque esse horário é terrível. O calor vem com tudo e você começa a sentir muita dor”, garante Péu.

Outro problema comum são os acidentes. Sem equipamentos de segurança, os trabalhadores vivem muitas situações de perigo. Há três anos, José Paulo Silva Pereira, de 18 anos, conhecido como Zé, estava cortando um eucalipto com uma motosserra. Antes que percebesse, o vento jogou sobre ele uma árvore que estava logo atrás, cortada por um companheiro. Lenhador desde os 11 anos, Zé sentiu uma pancada muito forte no ombro e caiu no chão, gemendo de dor. No dia seguinte, mesmo ferido, voltou ao trabalho após a ameaça do patrão de mandá-lo embora. “Até hoje sinto dor no ombro, uma queimação bem forte”, comenta.

Márcio: “Como não temos registro em carteira, os patrões apenas viram as costas. Para segurar você no serviço, eles fazem muitas promessas que não são cumpridas” (Foto: David Arioch)
Márcio: “Como não temos registro em carteira, os patrões apenas viram as costas. Para segurar você no serviço, eles fazem muitas promessas que não são cumpridas” (Foto: David Arioch)

Em 2007, Péu passou por situação semelhante quando o tronco de uma árvore atingiu-lhe o pescoço, causando uma luxação. Depois de três dias em casa, voltou ao trabalho na segunda-feira. Se embrenhou na mata para carregar uma das primeiras toras derrubadas na madrugada fria e escura. De repente, ouviu um estalo incomum na coluna vertebral e caiu no descampado se contorcendo de dor. “Tinha uns galhos atrapalhando e fiz força demais. Estou com a coluna muito machucada até hoje. Com o tempo foi só piorando”, assegura enquanto muda de posição com receio de não conseguir se levantar até o final da entrevista.

O rapaz também se recorda do episódio em que de forma impensada um colega puxou uma tora de eucalipto que estava sustentando a base da pirâmide de madeiras sobre a carroceria do caminhão. Como resultado, um tronco bateu diretamente no tórax e em seguida nas pernas de Péu. O lenhador desmaiou e teve de ser carregado por colegas. Até melhorar, ficou alguns dias em casa. Quando retornou, o patrão acusou o rapaz de abandono de serviço e se recusou a pagar as diárias atrasadas. “O problema é a velocidade que a madeira cai. Dependendo da altura, uma tora ganha força de 150, 200 quilos. Graças a Deus que o pau bateu na cabine e no retrovisor antes de vir pra cima de mim, senão teria aberto a minha cabeça”, enfatiza.

Independente dos cuidados, é impossível encontrar lenhadores que nunca foram atingidos pela queda de um tronco. Quando o rosto é ferido por galhos a maior preocupação é ficar cego. “Você sente um graveto entrando e saindo como se fosse uma agulha. Não cheguei a perder a visão, mas ganhei uma cicatriz no canto do olho”, revela Péu que se aproxima para mostrar a marca que se assemelha a um borrão vermelho. Apesar disso, há jovens que tiveram experiências ainda piores, como é o caso de Márcio Alexandre Santos que se considera um homem de sorte por estar vivo. Na luta para sobreviver com dignidade, o rapaz enfrentou os primeiros percalços aos 14 anos.

À época, estava trabalhando em uma fazenda perto de Loanda, no Noroeste do Paraná, quando um toco quase arrancou dois dedos de sua mão. Como ainda eram 10h, o homem que contratou Márcio Alexandre não quis ir embora, esbravejando que o prejuízo seria grande. Sem kit de primeiros socorros, enrolaram a mão ensanguentada do adolescente com fita crepe. Com medo de não receber nenhum centavo, continuou chorando de dor enquanto arrastava alguns galhos com a outra mão. “Quando viu o ferimento, o patrão falou que eu podia ir embora, só que sozinho e a pé. Preocupado, usei uma mão para ajudar a descarregar a lenha na farinheira. Fiquei até o final e cheguei em casa lá pelas seis da tarde, totalmente pálido porque perdi muito sangue. Só que o pagamento pelo serviço nunca recebi”, relembra.

Egon: “Um dia quase morri na BR-376. Tinha cinco na cabine, o caminhão ficou sem freio e nos envolvemos em um acidente com uma carreta” (Foto: David Arioch)
Egon: “Um dia quase morri na BR-376. Tinha cinco na cabine, o caminhão ficou sem freio e nos envolvemos em um acidente com uma carreta” (Foto: David Arioch)

Mesmo com as agruras do trabalho, o rapaz estava feliz por ter conseguido comprar uma moto e ainda ajudar nas despesas de casa. Sonhava em conquistar a independência, um ideal que foi interrompido em 12 de julho de 2013. Naquele dia, por volta das 15h, após encher a carroceria do caminhão com lenha, Márcio e mais cinco homens deixaram uma fazenda em Santa Cruz do Monte Castelo, também no Noroeste do Paraná. Muito cansado, cochilou ao lado do motorista na cabine superlotada, até que mil metros adiante na rodovia PR-182 sentiu uma movimentação estranha. Quando olhou pelo retrovisor, a quinta-roda do caminhão quebrou e a carroceria começou a tombar. O motorista tentou reverter a situação, mas era tarde demais.

No acidente, a lenha se espalhou pela rodovia e três pessoas se feriram gravemente. Márcio ficou em pior estado. Só não morreu porque uma família que morava em uma casa à beira da estrada ligou a tempo para o Corpo de Bombeiros. Depois de receber os primeiros socorros no Hospital Municipal de Loanda, o rapaz foi enviado para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) da Santa Casa de Paranavaí, onde ficou internado por 15 dias. Segundo os médicos, Márcio nunca mais andaria. “Falaram que eu viraria um vegetal. No primeiro mês, meu patrão conseguiu um encaminhamento para o Hospital Angelina Caron, em Campina Grande do Sul [Região Metropolitana de Curitiba], comprou medicamentos três vezes e me deu um colete. Depois nunca mais, inclusive não recebi as últimas diárias. Acho que ele descontou do que gastou”, deduz.

Para Márcio, as maiores consequências foram a perda total dos movimentos do braço direito e cinco fraturas da coluna cervical. Só voltou a andar porque teve muita força de vontade, segundo a mãe Maria de Fátima Oliveira. Sem condições de trabalhar e sem receber nenhum tipo de auxílio, o jovem passou por quatro cirurgias pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e hoje conta apenas com o suporte da família. “Meu braço continua na mesma situação. Como não temos registro em carteira, os patrões apenas viram as costas. Para segurar você no serviço, eles fazem muitas promessas que não são cumpridas”, desabafa o jovem que ganhou uma grande cicatriz que começa no peito e termina perto da orelha. Márcio e outro rapaz envolvido no acidente decidiram lutar por direitos trabalhistas há dois meses, após as recusas do patrão de oferecer assistência. Por enquanto não houve acordo.

O que também mostra a negligência por parte dos comerciantes de lenha, responsáveis por abastecer dezenas de indústrias de Paranavaí e região, é a exigência de que o caminhão não pode retornar com menos de 23 toneladas de lenha, sendo que por medidas de segurança é recomendado não ultrapassar 15 toneladas. “Se você levar 20 mil quilos o patrão fala que não cobre nem as despesas dele”, denuncia Egon. Com o caminhão muito pesado, os riscos de acidente na estrada aumentam por causa da perda de estabilidade. Outro problema é o limite de passageiros que normalmente não é respeitado.

Zé: “Trabalho com lenha há sete anos e fui tratado como bandido. Me expulsou da casa dele e ainda ameaçou chamar a polícia” (Foto: David Arioch)
Zé: “Trabalho com lenha há sete anos e fui tratado como bandido. Me expulsou da casa dele e ainda ameaçou chamar a polícia” (Foto: David Arioch)

O assunto faz Péu se recordar do dia em que iria buscar lenha com dois amigos, mas surgiu um imprevisto e foi substituído por outro companheiro de longa data. Na volta, o motorista perdeu o controle do caminhão que rompeu a proteção da ponte e caiu no Rio Ivaí. Os três rapazes morreram. Depois do acidente, muitos lenhadores cogitaram abandonar a atividade. “Foi em 2012. Fiquei tão assustado que me ocupei com outro tipo de serviço por alguns meses. A verdade é que ainda tenho medo. Você nunca sabe se vai chegar em casa”, afirma Péu.

“O cara pensa até em tirar a própria vida”

Após se ferir gravemente em 2013, o então lenhador Márcio Alexandre Santos entrou em depressão. Se sentiu desnorteado ao saber que não poderia mais trabalhar, se exercitar ou dirigir. “Única coisa que faço hoje é bater uma enxadinha pra fingir que tô carpindo. O médico alertou que se eu cair de mau jeito, sofrer alguma queda, corro o risco de nunca mais levantar. Dizem que não vou mais andar como antes. Tem dia que essa lembrança acaba comigo”, se queixa visivelmente emocionado.

Tão nocivo quanto a dor física, o sentimento de inutilidade também atinge a maioria dos lenhadores em algum momento da vida. O fato de serem jovens e já diagnosticados com diversos problemas de saúde faz com que deixem de acreditar em um futuro melhor ou até mesmo em uma vida longa. “Com 20 e poucos anos você tá pior que cara de 40, 50. Esse é o preço de começar a atuar em serviço pesado na infância ou adolescência. Se ficar encostado, qual mulher vai te querer? Nessa hora o cara pensa até em tirar a própria vida”, admite o lenhador Marcelo Martins Melo, o Péu, que muitas vezes ficou deprimido e inquieto dentro de casa por não estar em condições de trabalhar.

Nos finais de semana a diversão do rapaz era jogar bola com os amigos. Hoje não pode mais porque está com a coluna vertebral severamente comprometida. É a segunda vez que Péu fica impossibilitado de trabalhar por um longo período. “Na primeira, fiquei nove meses debilitado e não recebi nada do patrão. Me machuquei de novo há dois meses e tive que abandonar a lenha. Fiz até um empréstimo pra comprar medicamentos. Rapaz, se faltar remédio eu nem ando!”, confessa enquanto se levanta e caminha a passos curtos e rasteiros.

Há poucos dias, quando Péu foi até a casa do patrão mostrar o atestado e a receita médica, o homem o chamou de mentiroso e vagabundo. Em seguida, virou as costas e fechou a porta. Humilhações são constantes na vida dos lenhadores. “Quando você se machuca, tem patrão que te xinga e sai falando mal pra ninguém te contratar. Na lógica dele, se o cara consegue ficar em pé é porque ainda está bom pra trabalhar, até mesmo no caso de uma árvore prensar sua cabeça e você perder uma orelha. Agora se acertar um pneu e causar algum dano, ele te ameaça e faz você pagar”, lamenta.

Lenhador quase morreu em acidente no dia 12 de julho de 2013 (Foto: Acervo Familiar)
Lenhador quase morreu em acidente no dia 12 de julho de 2013 (Foto: Acervo Familiar)

O lenhador Maicon Martins Melo, o Egon, conta que um dia o motorista do caminhão de lenha não viu a motosserra deixada no chão e passou por cima, a danificando. Na hora de receber, o patrão descontou R$ 100 de Egon. Só depois o rapaz soube que o motorista o culpou. “O patrão nem quis ouvir a verdade. Pra prejudicar mais ainda, ele nunca dá nota ou recibo de nada. Pra você ter uma ideia da situação, em Paranavaí tem 15 comerciantes de lenha. Desse total, só três respeitam os lenhadores ou dão algum tipo de assistência”, declara Egon.

“Enriqueceram às custas do trabalho de crianças e adolescentes”

Desde que a Vila Alta surgiu nos anos 1970, o bairro se tornou o maior reduto de lenhadores de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. Até hoje dezenas de jovens são seduzidos pela promessa de receber um bom pagamento no mesmo dia, logo ao final do serviço. “Vem gente de todos os cantos buscar lenhador aqui. Sempre foi assim. Enriqueceram às custas do trabalho de crianças e adolescentes. Se não fosse os menores de antigamente, eles não teriam nada. Muita gente perdeu e ainda perde a vida na lenha, até porque não leva mais de um ano pra você se machucar”, desabafa Márcio Alexandre Santos enquanto ajeita o braço inutilizado quando trabalhava na área.

Quem também sofreu muito foi o lenhador José Alexandre Silva Pereira, o Zé, que há poucos dias foi até a casa do patrão receber o pagamento das últimas diárias. “Trabalho com lenha há sete anos e fui tratado como bandido. Me expulsou da casa dele e ainda ameaçou chamar a polícia. Me senti tão mal que só virei as costas e parti”, assinala o rapaz que atualmente atua como lombador e dorme na câmara fria de um caminhão nas noites em que passa longe de casa.

Caminhão de lenha que tombou na PR-182 estava com sobrecarga e superlotado (Foto: Acervo de Márcio Santos)
Caminhão de lenha que tombou na PR-182 estava com sobrecarga e superlotado (Foto: Acervo de Márcio Santos)

Em Paranavaí, um comerciante de lenha vende cada carga por R$ 2,1 mil, o que garante pelo menos R$ 1,3 mil de lucro diário, livre de despesas. “Um patrão com quatro caminhões e que faça uma viagem por dia ganha mais de R$ 100 mil por mês. Se for duas viagens, o lucro passa de R$ 200 mil”, destaca Péu que atua no ramo desde 2006. O que torna o mercado realmente lucrativo é que cada empresa que compra lenha tem uma demanda diária de até 200 toneladas.

“Vamos ralar o peito dele”

Uma prática que os lenhadores mais conscientes tem se esforçado para banir do campo é o “rala peito” que consiste em jogar toras de árvores sobre os mais jovens, obrigando-os a ganhar força rapidamente. Incentivada por comerciantes de lenha, a brutal forma de iniciação de lenhadores costuma ser aplicada principalmente em crianças e adolescentes nos 15 primeiros dias de trabalho. “Eles viam um novato e já gritavam ‘vamos ralar o peito dele’. Isso aí judia demais. Tem que ajudar a evitar de se machucar, não o contrário”, reprova Péu.

De acordo com Egon, é impossível um lenhador não se deparar com injustiças no cotidiano. “Um dia quase morri na BR-376. Tinha cinco na cabine, o caminhão ficou sem freio e nos envolvemos em um acidente com uma carreta. O carreteiro morreu e ficamos até às 2h juntando lenha, morrendo de fome. Cheguei em casa às 4h. Você acha que o patrão me deu algum extra? Pagou só pelo primeiro carregamento e ainda reclamou do prejuízo”, narra o rapaz que até hoje se recorda de um companheiro que morreu prensado entre toras de eucalipto.

Os lenhadores são unânimes em sugerir que os motoristas mantenham distância de caminhões que transportam lenha. Argumentam que já viram toras cair sobre automóveis e motocicletas. “Quando você atravessa uma cidade o risco de algo dar errado é ainda maior. Alguém tem que ficar sempre na porta, observando a carga. Se um pau mudar um pouquinho de posição, o motorista precisa parar pra você alinhar tudo”, sugere Márcio.

Egon também faz questão de mencionar o dia em que um cabo de aço amarrado a uma árvore arrebentou e passou de raspão pela sua cabeça. O companheiro de serviço foi atingido violentamente no queixo e na boca. Como o jovem estava desmaiado e sangrando muito, os demais lenhadores aproveitaram a ausência do patrão para levar o rapaz ao Pronto Atendimento Municipal de Paranavaí. Mais tarde, receberam o recado de que a diária não seria paga.

Frases dos lenhadores

“Duvido chegar um lenhador e falar que o corpo é filé. Não é. Tem problema nas costas, no joelho, no ombro e no cotovelo.”

Marcelo Martins de Melo, o Péu, 27.

“A lenha é tão pesada e cruel que você perde até o vigor físico pra praticar um esporte e se exercitar.”

Márcio Alexandre Santos, 23.

“Quando o pessoal começa a se machucar e espalhar os riscos do serviço, o patrão dispensa todo mundo e monta uma equipe nova.”

Maicon Martins Melo, o Egon, 24.

“Acontece de cortar e amontoar num dia e falarem pra voltar só no outro dia pra carregar. Daí você ganha só uma diária, mesmo trabalhando dois dias.”

José Paulo Silva Pereira, o Zé, 18.

Saiba Mais

O número de lenhadores para o corte e transporte de uma carga pode oscilar de 3 a 6.

De acordo com os quatro lenhadores entrevistados, os caminhões que transportam lenha raramente passam por manutenção.

Um vídeo que mostra brevemente uma parte da rotina dos lenhadores de Paranavaí:

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