Ligação para prevenção ao suicídio se torna gratuita em todo o país

Parceria entre Ministério da Saúde e CVV dá acesso de serviço a 5.500 municípios

por Isabella Faria no Folha

Voluntária do CVV de Ribeirão Preto (SP) durante atendimento – Silva Junior – 14.jun.2012/Folhapress

É madrugada. Um telefone toca na zona norte de São Paulo. Imediatamente, alguém atende: “CVV, boa noite, gostaria de conversar?”

Buscar ajuda por telefone se tornou inteiramente de graça. A partir deste domingo (1º), o número do Centro de Valorização da Vida (CVV), o 188, está disponível em todo o território nacional graças a uma parceria com o Ministério da Saúde.

Desde 2017, o telefone já era acessível a 23 estados brasileiros. As exceções eram Bahia, Maranhão, Pará e Paraná. ​​

O CVV, órgão sem fins lucrativos que funciona desde 1962, é dedicado a escutar qualquer pessoa que esteja passando por dificuldades, funcionando como uma prevenção ao suicídio. Em 2017, recebeu cerca de 2 milhões de ligações. Neste ano, espera ultrapassar 2,5 milhões.

Segundo Félix Flor, servidor público e voluntário há 4 anos, as pessoas procuram a instituição porque precisam desabafar e contar histórias que, muitas vezes, amigos e familiares não aguentam mais ouvir.

“Imagina a caminhada que essa pessoa já deve ter feito para pegar o telefone e falar sobre suas angústias para uma pessoa que ela não conhece”, diz Antônio Batista,  voluntário há 18 anos, “Falar do seu íntimo não é uma coisa tão simples”.

O suicídio, segundo Esther Hwang, psicóloga e pesquisadora da USP, é uma questão de saúde pública. “É reflexo de uma sociedade doente, e não necessariamente de uma pessoa doente”, diz. Segundo o Ministério da Saúde, todos os dias cerca de 30 pessoas tiram a própria vida no Brasil.

Para os voluntários do CVV, o suicídio, em si, é uma ação impulsiva, mas há um processo por trás do ato: isolamento, desistência de hobbies, falta de contato com a família e amigos podem ser interpretados como sinais. Depressão e o abuso de álcool e drogas também exigem atenção.

“Se a pessoa diz que vai embora, que quer sumir, que um dia vai acabar com tudo, é preciso ficar atento”, diz Elaine Macedo, gestora institucional e voluntária há 23 anos.

Segundo a Organização mundial da Saúde (OMS), os idosos correspondem à faixa etária de maior risco para o suicídio. No Brasil, a taxa de mortalidade entre pessoas com mais de 70 anos chegou a 8,9 a cada 100 mil habitantes entre 2011 e 2015.

Todos os voluntários aconselham a mesma coisa: o idoso precisa sentir que é importante para alguém, mesmo que esse alguém lhe dê apenas um “boa noite”.

A taxa de suicídio também é alta entre os jovens: é a quarta maior causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos no Brasil. Dentre os adolescentes que contatam o CVV, muitos expõem histórias de conflitos com os pais, amigos e preocupações com a escola.

Já os jovens adultos relatam o medo de não conseguir um emprego, falam sobre relacionamentos complicados e sobre sua própria solidão.

“Os dias da semana também influenciam nas ligações”, diz a voluntária Elaine. “A noite de sexta-feira, quando o jovem ‘deveria’ ir pra balada, mas se sente sozinho, é diferente de uma noite de um domingo, quando as pessoas estão preocupadas com questões relacionadas ao emprego”, diz.

Além do número 188, o CVV disponibiliza atendimentos presenciais, por chat e por email. Segundo a OMS, 90% dos casos de suicídio poderiam ser prevenidos.

Quem deseja ser voluntário do CVV precisa primeiro passar por um treinamento de cerca de 3 meses. Depois, é instalado em um posto da instituição para fazer um plantão de quatro horas por semana via telefone, chat ou email.

Além dos plantões, há um grupo de apoio para o voluntário que se reúne uma vez por mês. ”Ao entrar em contato com a história de uma pessoa, você também começa a se conhecer e pode se sentir tocado”, diz Antônio.

Para não levar o peso das ligações para casa, os voluntários conversam entre si, principalmente durante as trocas de plantão, e tentam espairecer entre uma ligação e outra.

“Sempre há ligações que nos tocam mais, mas o nosso preparo como voluntário nos ajuda a separar as coisas”, diz Elaine.

Na rede pública de saúde, quem precisa de ajuda psicológica pode recorrer aos serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), tais como os 2.555 CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), que atendem transtornos psíquicos e dependência de álcool e outras drogas.

Se necessário, os pacientes são encaminhados para leitos de saúde mental em hospitais gerais.

O Ministério da Saúde pretende atingir a meta de reduzir em 10% os óbitos por suicídio até 2020.

“O CVV foi criado com a intenção de que um dia deixe de existir”, diz Elaine. “Em um dia que a sociedade seja tão solidária e fraterna que ninguém precise ligar para uma instituição para dizer que está sofrendo.

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