por Luana Tolentino
Sem sombra de dúvidas, o samba é o meu gênero musical preferido. Na minha coleção de CDs, a elegância de Paulinho da Viola, a poesia de Cartola e o sincretismo de João Nogueira convivem harmoniosamente. Entre as mulheres, Beth Carvalho e Clara Nunes reinam absolutas. Nos dias festivos, Zeca, Arlindo Cruz e Fundo de Quintal são imprescindíveis. A meu ver, Mart’nália e Diogo Nogueira (Jesus!) são o que há de melhor na nova geração de sambistas.
Dentre tantos nomes, não poderia deixar de mencionar Martinho José Ferreira. Difícil escolher uma única canção entre obras-primas do compositor e escritor de Vila Isabel. Fico com “Meu laiá-raiá”, “Disritmia” e “Tom maior”, não necessariamente nessa ordem. Durante a faculdade, os versos de “O pequeno burguês” eram quase um hino – “Livros tão caros, tantas taxas pra pagar, meu dinheiro muito raro, alguém tem que me emprestar”. Apesar de tudo, bons tempos aqueles.
Na semana em que o PT completou 32 anos, lembrei-me muito de Martinho da Vila. Certa vez, em uma entrevista, Martinho falou da importância de filiar-se a uma agremiação política, ainda que para apresentar a carteirinha do partido durante uma abordagem policial. Como intelectual antenado e conhecedor das relações raciais no Brasil, nas entrelinhas, a assertiva de Martinho da Vila apontava para um dos resquícios do nosso passado escravocrata que, como um fantasma, insiste em nos assombrar. Ainda hoje, a população negra é vista por boa parte dos policiais como “inimigos perniciosos” a serem exterminados. Verdadeiros criminosos em potencial. A carteira de trabalho assinada e, como sugeriu Martinho, um documento de identificação de um partido político, são uma espécie de salvo-conduto, um atestado de bons antecedentes.
Embora Martinho não tenha mencionado nenhum partido, minha escolha já havia sido feita. Atravessei a cidade para me filiar ao Partido dos Trabalhadores. À época, estava fascinada pela ideologia de esquerda. Lembro das leituras apaixonadas das obras de Sartre, Marx, Abdias do Nascimento e Marilena Chauí. Havia acabado de ler “O cavaleiro da esperança”, a biografia romanceada de Prestes, escrita por Jorge Amado. As propostas petistas iam ao encontro dos meus sonhos, utopias e ilusões.
Confesso que fiquei um pouco decepcionada quando cheguei ao diretório do PT . Enquanto aguardava para ser atendida, dois funcionários assistiam às gargalhadas um vídeo na internet. A sensação de ser invisível é algo terrível. Pensei: até no PT é assim? O descontentamento inicial foi compensado pela emoção de preencher a ficha cadastral.
Ao chegar em casa, contei a novidade com uma felicidade inconteste. Meu pai, eleitor de Lula desde 1989, ficou todo orgulhoso. Achou o máximo! Minha mãe, como legítima mineira que é, ficou um pouco ressabiada. Não gostou muito da idéia. Disse que não queria me ver envolvida com política. Acho que o fato de ela ter uma filha geniosa e “mal-criada” como eu era o bastante. Militante de partido de esquerda seria demais.
Faz 10 anos que resolvi seguir o conselho de Martinho da Vila. Até o presente momento não recebi a minha carteirinha. Mas, tudo bem. Tenho muito orgulho da opção que fiz. Escolhi apoiar um partido que teve à sua frente um cara predestinado que, como poucos, conseguiu a proeza de tornar-se um mito ainda em vida. Esse mesmo cara reduziu os índices de pobreza do país, devolveu a auto-estima aos brasileiros e, mesmo com a persistência de muitos problemas, deixou a certeza que podemos avançar muito mais.
Em tempos de festa, corre como um tsunami nas redes sociais a notícia de uma possível aliança entre o PT e o PSD de Gilberto Kassab na corrida pelas eleições municipais de São Paulo. Muita gente promete abandonar o barco caso a união se concretize. Soube que a decisão final será anunciada somente em março. Eu, como uma petista inveterada, torço para que tudo isso não passe de uma simples marolinha.
Luana Tolentino – mulher, negra, canhota, gêmea univitelina
Fonte: Viomundo