O governo e entidades quilombolas fecharão um acordo sobre o uso da Base Espacial de Alcântara e a garantia de direitos das comunidades locais. O pacto, que será anunciado no Maranhão nesta quinta-feira (19) com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e foi apurado com exclusividade pelo UOL, tentará colocar fim a 40 anos de uma disputa intensa entre o estado brasileiro e os quilombolas.
O processo diz respeito à situação de direitos de 152 comunidades remanescentes de quilombos, em Alcântara, no Maranhão, afetadas pela instalação do Centro de Lançamento de Alcântara, na década de 1980. Os grupos reivindicavam o território, enquanto a FAB e o Ministério da Defesa insistiam na necessidade da preservação da área para eventualmente expandir o programa aeroespacial brasileiro.
Pelo entendimento, fica consolidada que 9,2 mil hectares serão usados para o programa espacial brasileiro. Os quilombos assumem a existência e o funcionamento do Centro de Lançamento de Alcântara na área onde está instalado, se comprometendo a não apresentar novos questionamentos.
Mas, em contrapartida, o Ministério da Defesa desiste da reivindicação por 78,1 mil hectares do território tradicionalmente ocupado pela elas Comunidades Quilombolas de Alcântara. A Defesa ainda se compromete a não apresentar novos questionamentos no Incra.
Imediatamente após a assinatura do acordo, o Incra assinará uma portaria de reconhecimento e delimitação do Território Quilombola de Alcântara, com a área de 78.105 hectares. Isso irá destravar o processo de regularização das terras para os quilombolas, parado por 16 anos.
Lula assinará, então, um decreto de declaração de interesse social da área para fins de regularização fundiária. No prazo máximo de um ano, o Incra iniciará a titulação do território identificado.
O governo brasileiro também anunciará a criação de uma empresa pública para o setor aeroespacial.
“Seguindo orientação do Presidente Lula, alcançamos, após muito diálogo com as comunidades e a FAB, um justo equilíbrio entre duas políticas públicas de enorme importância para o país”, disse ao UOL o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias.
“Resolvemos um conflito de décadas, assegurando a titulação do território historicamente reivindicado pelas comunidades quilombolas e, ao mesmo tempo, prestigiamos o Programa Espacial Brasileiro, com o fortalecimento e consolidação do Centro de Lançamento de Alcântara”, afirmou.
O procurador federal Junior Fideles, que atuou diretamente no caso em nome da AGU, indicou que parte da solução veio da compreensão por parte dos cientistas de que a miniaturização de satélites e a redução do tamanho dos lançadores não necessitavam mais de um espaço da mesma dimensão para a base de Alcântara.
“Resolvemos um concílio histórico entre o CLA e a reivindicação das comunidades quilombolas”, comemorou.
História de uma queixa internacional
Depois de anos de disputas, em abril de 2023, o estado brasileiro tomou uma iniciativa histórica. Diante da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil reconheceu sua responsabilidade internacional e realizou pedido formal de desculpas às comunidades quilombolas de Alcântara por violações de direitos previstos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
O pedido de desculpas veio acompanhado por medidas concretas para tentar dar uma resposta à violação dos direitos dessas comunidades.
Em 23 de abril de 2023, foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial com a finalidade de buscar alternativas para a titulação territorial das Comunidades Remanescentes de Quilombos de Alcântara (MA). O grupo teria de compatibilizar os interesses das Comunidades e do Centro Espacial de Alcântara. O desafio era grande: permitir o desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro, mas sem que a agência crie obstáculos para a garantia dos direitos territoriais das comunidades.
Depois de quatro décadas de disputas, a relação entre as comunidades e as autoridades estava desgastada e a esperança era de que, com o novo governo, o diálogo pudesse ser restabelecido para que os direitos dos quilombolas não fosse, violados e, ao mesmo tempo, permitir que a base pudesse se expandir, caso o Programa Espacial Brasileiro ganhe uma nova dimensão nos próximos anos.
Em janeiro de 2024, porém, as entidades que tinham sido convidadas para fazer parte do mecanismo de consultas anunciam o rompimento com o governo e sua saída do grupo de trabalho interministerial. A queixa era de que o processo não estava conduzindo a uma titulação das terras aos quilombolas. As entidades representativas exigiam ainda que um encontro fosse realizado com Lula.
Os quilombolas ainda apontavam que o Programa Espacial Brasileiro nunca apresentou estudos técnicos que justificassem a necessidade de expansão da área atualmente ocupada pelo Centro de Lançamento — de 8,7 mil hectares para 21,3 mil hectares— sobre o território quilombola.
Apesar da ruptura, o processo conseguiu ser retomado fora do Grupo de Trabalho e o compromisso foi estabelecido.
O entendimento ainda permite que as partes levem o caso para os organismos internacionais, para que haja uma avaliação das respectivas autoridades se o caso foi de fato atendido ou se apenas de maneira parcial.