Mãe Stella: “O tempo leva o que não se escreve”

A cadeira nº 33 da Academia de Letras da Bahia (ALB), cujo patrono é Castro Alves, passa a partir de agora a ser ocupada por uma nobre personalidade, Maria Stella de Azevedo Santos, a mãe Stella de Oxóssi, ialorixá do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá. Enfermeira de formação, é autora de cinco livros que tratam da herança cultural africana e sua interpretação. Por seu trabalho, ganhou o prêmio jornalístico Estadão em 2001, recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb), em 2009, e da Universidade Federal da Bahia, em 2005. Foi agraciada com a Comenda Maria Quitéria (Prefeitura de Salvador), Ordem do Cavaleiro (Governo da Bahia) e Ordem do Mérito Cultural do Ministério da Cultura.

Marjorie Moura – O candomblé é conhecido pela oralidade, pela transmissão dos conhecimentos de forma oral.  A senhora rompeu esta tradição ao escrever sobre a tradição africana. Como se sente diante deste reconhecimento com sua eleição para a ALB?

Mãe Stella – Vejo tudo isso como uma evolução, uma grande evolução. O povo vai crescendo, se conscientizando  sobre a verdade de nossa cultura e chegamos aqui. Os praticantes da religião do candomblé eram vistos como analfabetos pela sociedade porque falavam outra língua e vinham de um novo mundo. O destino da escravidão nos trouxe ao Brasil e nossa cultura e tradição vieram junto e sobreviveram a tudo. Hoje isso é reconhecido na academia como um legado que não pode ser dissociado da cultura brasileira.

Marjorie Moura – Inclusive até palavras desta língua que era desconhecida fazem parte hoje de nosso vocabulário…

Mãe Stella – É claro, assim como as palavras indígenas também foram incorporadas ao nosso dia a dia. Assim com tem gente que fala palavras estrangeiras. A cultura é assim, cheia de influências que vêm de todos os lados.

Marjorie Moura – O fato de a senhora ter sido escolhida para ocupar a cadeira cujo patrono é Castro Alves e que teve como último ocupante o professor Ubiratan Castro tem um significado especial?

Mãe Stella – Nada poderia ser mais especial. Castro Alves tem uma poesia vigorosa e foi uma das primeiras vozes no Brasil a se levantar contra a escravidão. A força dos versos de “Navio Negreiro” calou fundo na sociedade brasileira ao reconhecer nos escravos africanos pessoas iguais a qualquer outra. Depois, a contribuição do professor Ubiratan  Castro para a preservação de nossa cultura. Diante disso, ninguém nunca pensaria que uma mãe de santo poderia chega a ocupar este posto. Isso mudou pela nossa luta, mas também por meus livros, porque o que a gente não escreve o tempo leva.

Marjorie Moura – Seus títulos lhe levaram a esta eleição?

Mãe Stella – Com certeza, mas os títulos, e foram muitos, são muito justos e resultado de muito trabalho. A gente se entregou muito, se empenhou muito para chegar até aqui.

Marjorie Moura – Tem gente sonhando com cânticos de suas filhas de santo e toques de atabaques em sua posse. Falaram até que Jorge Amado ficaria feliz em assistir. Ela já foi marcada?

Mãe Stella – A posse vai depender da academia e ainda não foi marcada porque estas cerimônias têm seu ritmo próprio e não sei como vai ser a organização. Mas é certo que o evento pode ter algum toque da religião africana porque ela é muito forte e vai agradar a muita gente, não é? (risos).

 Fonte: A Tarde

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