‘A maior parte das livrarias não tem livros que nos representam’, diz criadora de espaço dedicado a autores negros

“Não vou mais lavar os pratos, nem vou limpar a poeira dos móveis. Sinto muito. Comecei a ler”, diz a poesia da escritora Cristiane Sobral, presente nas prateleiras da loja Bantu localizada em um prédio a poucos metros da Praça da Estação, no centro de Belo Horizonte. “É triste a gente ter que abrir uma livraria com essa temática”, disse a jornalista Etiene Martins, criadora do espaço dedicado a títulos de autores negros que tratam de questões raciais. “A maior parte da população é negra e, mesmo assim, a maior parte das livrarias não tem livros que nos representam. Daí a importância desta iniciativa”, defendeu.

no G1

A Bantu foi inaugurada há cinco meses e tem cerca de 500 títulos. Um dos objetivos da livraria é promover obras que vão além do que é ensinado nas escolas. “A África, de uma forma geral, é tratada como um país. É um continente, gente. São várias as histórias. Tem povo iorubá, tem povo bantu, povo mina jeje. É muito amplo. O povo africano é um povo da palavra oral. Até que enfim a gente consegue contar a nossa própria história através da literatura. O nosso protagonismo na história não se limita ao ‘ser escravo’. Na verdade não são escravos, são seres escravizados, o que é bem diferente”, disse Etiene.

Neste sábado (13), a Lei Áurea, que extinguiu a escravidão no Brasil, completa 129 anos. Porém, o sequestro de milhões de pessoas que chegaram aqui para serem exploradas em engenhos, minas, plantações e casas de família, deixou marcas, como a desigualdade social e o racismo, que atravessaram os anos e resistiram até a sociedade atual.

“Inicialmente a gente tem que se conscientizar, conhecer a nossa história para poder enfrentar tudo isso porque só assim a gente consegue se libertar”, disse Etiene. “Nós não temos o direito de ir e vir. Nós não temos o direito de entrar em um supermercado de uma forma tranquila”, contou a jornalista, se referindo ao caso de racismo que sofreu no ano passado quando fazia compras.

“Liberdade é algo muito distante porque essa falsa abolição, essa abolição inacabada nos atinge até hoje. Eu, pra falar a verdade, não conheço a palavra liberdade. Tenho certeza que nenhum de nós, negros, sabe o que é isso”, disse Etiene.

Para a autora Cristiane Sobral, que já publicou quatro obras, ainda há muito o que evoluir. “A liberdade ainda não foi conquistada. Para ser livre primeiro é preciso ser reconhecido como humano”.

Segundo ela, os livros podem fazer com que as pessoas lutem por uma sociedade mais justa e igualitária. “A literatura não dá conta de acabar com o racismo, mas ela pode fazer com que os leitores negros se empoderem e os leitores brancos conheçam mais a nossa história. Não se trata apenas de literatura negra, é literatura brasileira”, disse.

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Geledés Instituto da Mulher Negra
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