Manual para calouro gera polêmica e repúdio entre estudantes da Unicamp

Atlética emitiu uma nota de retratação para se desculpar pelo material.
Universidade disse que é contrária a ato que implique em discriminação.

Do G1

Um “manual de sobrevivência” entregue aos calouros do curso de engenharia mecânica da Unicamp em Campinas (SP) têm causado polêmica e gerado ações de repúdio de estudantes e centros acadêmicos da universidade. O material que deveria orientar os ingressantes, segundo eles, serve para incitar o preconceito, especialmente, em relação às mulheres.

O guia, feito Associação Atlética Acadêmica da Engenharia Mecânica da Unicamp, tem 10 páginas com “regras de comportamento” para bixos, além de dicas de festas, que vem com indicações como “boa pra quem quer relacionamento sem compromisso”, por exemplo.

O manual possui também conteúdo que enaltece o consumo de bebida álcoolica. “Não importa se você tem prova no dia seguinte, sempre valerá a pena ir pra balada beber em vez de estudar”, diz o texto.

O material traz também os calouros como “uma raça inferior submissa” e que não têm direito de fazer exigências.

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Conteúdo também defendia a importância das festas em detrimento das aulas (Foto: Reprodução/EPTV)

Mulheres
O guia tem também indicações sobre “como deve ser o comportamento” em relação às mulheres. No material, a sugestão para os calouros é aproveitar para conhecê-las por partes. “Ache a beleza por partes. Um dia você pega uma pega uma feia com coxa boa, outro dia uma feia com …”, diz o texto.

Polêmica
A aluna do mestrado de engenharia mecânica, Marina Weyl Costa, disse ao G1 que um grupo de meninas da universidade discute uma maneira de acabar com esse tipo de publicação. “Estamos bolando em conjunto uma carta sobre o ocorrido. É o mesmo manual há anos e os deste ano foram todos jogados fora; estão elaborando um novo”, afirma.

Para Marina, certas coisas passam despercebidas até mesmo pelas mulheres. “Há meninas feministas lá que simplesmente não tinham lido o manual por distração e que sofrem com o machismo da instituição”, destaca.

Mas, apesar das manifestações de repúdio ao conteúdo, algumas alunas afirmam que nunca se sentiram ofendidas, como a engenheira mecânica Laura Lourenço. “Recebi [o manual] em 2010, quando entrei, mas desde 2000 ele é entregue. Nunca tinha tido uma repercusão, mas como os tempos são outros, não dá para deixar as coisas desse jeito. Eu não me senti insultada dentro da faculdade, não chegou a me ofender quando eu recebi o manual, pois sempre me tratraram bem”, explica.

Material contém frases que incitam preconceito, segundo estudantes (Foto: Reprodução/EPTV).
Material contém frases que incitam preconceito, segundo estudantes (Foto: Reprodução/EPTV).

Conteúdo revisto
O conteúdo foi denunciado este ano pelo Instituto de Filosofia da Unicamp. A representante do Diretório Central dos Estudantes (DCE), Gabriela Bianchini, disse que a prática de fazer manuais é comum entre os veteranos, mas o conteúdo tem que ser revisto. “É um absurdo que eles estejam entregando um material com conteúdo tão absurdo sem ter lido”, afirma.

Após a polêmica nos corredores da universidade, a associação responsável pelo conteúdo divulgou uma nota de retratação em sua rede social.

“Assumimos nossa culpa e garantimos que novas edições do manual não voltariam a ser veiculadas. Mais do que nos desculparmos, queremos trabalhar para que essa situação seja remediada. Primeiramente, gostaríamos de esclarecer alguns pontos: um novo manual começou a ser elaborado a partir do momento em que o CAEMM entrou em contato conosco sobre o acontecido, no próprio dia 18/02. Essa nova versão será criada com auxílio do mesmo e visará apresentar a faculdade a partir de um tom informal e prático; não haverão apologias a machismo ou quaisquer formas de preconceito e conterá nota de esclarecimento sobre o caso”, diz a nota.

Segundo um membro da Atlética, que prefere não ser identificado, o manual foi feito há mais de dez anos e nunca ninguém havia se manifestado de forma contrária ao conteúdo. “Eu considero isso uma negligência da Atlética, fiquei muito mal quando soube que deixamos passar um material desse cunho. Todos os membros estão bastantes chateados com a situação”, afirma.

Repúdio
A representante do Serviço de Atendimento ao Estudante (SAE) da Unicamp, Magdaelei Amorim, alerta que há leis tanto da universidade quanto do estado que proíbem trotes violentos e constrangimentos aos novos alunos. Ela disse também que a universidade tem o próprio guia do calouro. “O trote que nos apoiamos é o da cidadania”, ressalta.

Em nota, a Unicamp afirmou que repudia toda manifestação ou ato que implique em discriminação de qualquer natureza e que o SAE se dedica à assistência estudantil e se dispõe a acolher eventuais casos dessa natureza visando tomar as “medidas cabíveis”.

A instituição ainda destacou os canais pelos quais os alunos podem retratar denúncias da comunidade sobre trotes violentos ou constrangimentos. O telefone para denúncias é o (19) 3521-1449, além do serviço de Ouvidoria.

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Manual tem dicas de como são as mulheres da Unicamp (Foto: Reprodução/Facebok)

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