Marcha das Mulheres Negras pede reparação econômica pela escravidão e fim da violência

26/11/25
  • Ato em Brasília apresentou propostas que vão de anistia de dívidas a criação de um fundo
  • No STF, manifestantes denunciam ausência de pretas e pardas na corte

O novo manifesto da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver apresentado nesta terça-feira (25), em Brasília, após dez anos, reivindica a criação de um programa nacional de reparação histórica ao Estado brasileiro, com ações de redistribuição de riqueza e medidas simbólicas, políticas e materiais para enfrentar desigualdades derivadas da escravidão e da colonização.

O texto afirma que “sem reparação não há possibilidade de democracia, justiça, igualdade e equidade”. O documento propõe um projeto político para garantir direitos como educação, segurança, seguridade social, memória, justiça racial e acesso à terra, livre da violência policial e da narcomilícia.

A concentração para a marcha começou às 10h30, na área externa do Museu Nacional da República, onde também ocorreram rodas de conversa, atividades culturais e intervenções políticas. Também aconteceu uma sessão solene na Câmara dos Deputados, presidida pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ).

Em sua segunda edição, o ato organizado por entidades do movimento negro, de mulheres negras e de quilombolas reuniu parlamentares, ministras, lideranças de comunidades e mães de jovens mortos em operações policiais no país.

O manifesto lançado durante o evento cita elementos históricos para exemplificar o que chama de dívida estrutural do país, mencionando leis abolicionistas que beneficiaram proprietários de pessoas escravizadas, como a Eusébio de Queiroz, a Lei do Ventre Livre e a Lei dos Sexagenários.

Entre as proposições apresentadas ao governo brasileiro, o manifesto defende o reconhecimento público da dívida histórica por meio de um ato normativo presidencial e a criação de um Fundo Nacional de Reparação com duração indeterminada.

As autoras pedem ainda a anulação de dívidas estudantis e habitacionais de pessoas negras, a extinção do laudêmio para fins de regularização fundiária, a adoção de regimes previdenciários especiais para categorias majoritariamente negras e o incentivo à criação de equipamentos de memória sobre a escravidão em todos os estados.

“A combinação dos dois termos, reparação e bem viver, expressa a força política das mulheres negras e reacende para a comunidade global o espírito de transformação do qual o mundo necessita”, diz o manifesto.

Alane Reis, coordenadora de comunicação da marcha, afirma que o ato reafirma o protagonismo das mulheres negras na luta contra o racismo e na construção de um novo projeto de sociedade igualitária.

“As mulheres negras estão novamente tomando as ruas do Brasil para denunciar as diversas formas de violência e dizer que nós, enquanto movimento social, temos um projeto de sociedade livre das amarras do capitalismo racista e patriarcal.”

Fundadora do Odara (Instituto da Mulher Negra), Valdecir Nascimento afirma que a marcha nasce como contraponto ao que chama de “Estado de morte”, “marcado pela violência, pela desigualdade estrutural e pela corrupção que afeta especialmente a população negra”.

Ela diz que o ato reivindica outro modelo de sociedade, baseado no bem viver, na dignidade e no respeito aos direitos humanos. “Estamos apresentando um conjunto de propostas para esta nação. Só é possível marchar com esse contingente e esse potencial de mobilização porque nós, mulheres negras, somos as gestoras do impossível”, afirma.

A organização estima que cerca de 300 mil pessoas marcharam pela Esplanada dos Ministérios, o triplo do calculado na última edição do evento, em 2015. A Polícia Militar do DF não fez estimativa.

Audiência no STF discute mulher negra na corte

À noite, representantes foram recebidas pelo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Edson Fachin, para discutir a política de segurança pública do Brasil, com foco recente operação policial nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, que deixou 122 mortos.

O movimento Mulheres Negras Decidem pretendia entregar ao ministro um manifesto que denuncia a ausência histórica de mulheres negras no STF e contesta a indicação de Jorge Messias para a vaga deixada com a saída de Luís Roberto Barroso.

O documento afirma que, em mais de 130 anos, nenhuma jurista negra chegou à corte. A campanha por uma ministra negra no STF apresenta uma lista de nove juristas com trajetória reconhecida e notório saber jurídico.

Na quinta-feira (27), a coordenação do Comitê de Justiça Reprodutiva da marcha apresentará à ministra Cármen Lúcia um manifesto que reúne as principais demandas de mulheres negras na área de direitos sexuais e direitos reprodutivos.

Fabiana Pinto, representante do comitê, afirma que o documento é resultado de um processo de escuta ampla que envolveu 300 mulheres de todos os estados brasileiros, distribuídas em encontros virtuais e em uma consulta pública. O objetivo foi mapear urgências, identificar desigualdades e definir prioridades para uma política de justiça reprodutiva voltada especificamente para mulheres negras —grupo mais afetado pelas violações dos direitos reprodutivos no Brasil.

“Hoje, uma mulher negra tem 2,5 vezes mais chances de morrer em decorrência de um aborto do que uma mulher branca”, diz.

O manifesto também trata da descriminalização do aborto e da efetivação do aborto legal no país, lembrando casos como o da chef de cozinha Paloma Alves Moura, 46, que morreu em outubro em Pernambuco após ter atendimento negado sob suspeita de aborto — mesmo não tendo interrompido a gestação.

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