Marcha das Mulheres Negras retorna após 10 anos com agenda por justiça racial e climática

21/11/25
A nova edição, com alcance internacional, volta a ocupar Brasília no dia 25 de novembro

Há memórias que não se dispersam. A imagem de 2015 (quando mais de 100 mil mulheres negras ocuparam Brasília para denunciar o racismo, a violência e reivindicar o Bem Viver) continua a orientar a mobilização política das mulheres negras no Brasil e na América Latina. Quase dez anos depois, esse percurso se renova com a convocação da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, que retorna às ruas no dia 25 de novembro de 2025. A nova edição, que terá caráter internacional, marca o reencontro entre passado e futuro em um momento em que o debate sobre justiça racial e justiça climática ganha novas camadas.

Até novembro, comitês regionais, encontros preparatórios e pequenas marchas estão sendo organizados em várias cidades, ampliando a articulação política do movimento. Entre os coletivos envolvidos está o Odara – Instituto da Mulher Negra, fundado por Valdecir Nascimento, que compõe também a coordenação da Rede de Mulheres Negras do Nordeste e o Comitê Impulsor Nacional da Marcha.

Visibilidade não muda estrutura: o desafio das mulheres negras no país

Para Valdecir, apesar do aumento da visibilidade de mulheres negras em áreas como arte, comunicação e literatura, a estrutura que sustenta desigualdades permanece. “As mulheres negras ganharam mais visibilidade. Tem mais artistas negras, jornalistas negras na imprensa, no meio de comunicação, as novelas com mais personagens negros, mas isso não mudou a realidade estrutural da população negra”, afirma.

Baiana, historiadora e ativista desde os 20 anos, Valdecir Nascimento, hoje com 65, construiu uma trajetória marcada pela luta coletiva. Fundadora do Odara – Instituto da Mulher Negra, onde atua como Coordenadora de Captação de Recursos e Articulação Política, ela é uma das articuladoras históricas do movimento de mulheres negras no Brasil — Foto: Ize Alves
Baiana, historiadora e ativista desde os 20 anos, Valdecir Nascimento, hoje com 65, construiu uma trajetória marcada pela luta coletiva. Fundadora do Odara – Instituto da Mulher Negra, onde atua como Coordenadora de Captação de Recursos e Articulação Política, ela é uma das articuladoras históricas do movimento de mulheres negras no Brasil — Foto: Ize Alves

Ela ressalta que essa diferença entre imagem e estrutura segue evidente. “Mesmo que eu tenha mais meninos negros entrando na universidade, mas não asseguro que meninos e meninas negras que passaram pela universidade alcance emprego de qualidade.”

Voltar às ruas em 2025 não significa retomar, mas manter o movimento em curso. “Marchar não significa retomar, é se manter marchando. Nós não paramos de marchar. Marchar significa alertá-los permanentemente que nós não estamos concordando com o que está acontecendo. Marchar é constrangê-los”, diz Valdecir.

Segundo ela, essa postura tem como alvo instituições e setores que historicamente reproduzem desigualdades e violências. “O papel de marchar é constranger a elite branca racista brasileira, é constranger os parlamentares corruptos que defendem que devem matar, porque você só mata preto, você não mata branco.”

A organização desta edição tem recorrido à memória de 2015 como referência. Valdecir recorda a dimensão do ato que interrompeu o ritmo de Brasília. “O que eu lembro é daquela massa de pessoas, de mulheres fechando Brasília inteira. Brasília parou naquele dia.” Ela destaca ainda a resposta do grupo acampado na Esplanada na época. “Eles reagiram e nós expulsamos eles daquele território.”

Bem Viver e justiça climática: por que a marcha fala de futuro?

Um ponto central da marcha é o Bem Viver, conceito que orienta a construção de um outro modelo de sociedade. “Bem viver é um outro modelo de sociedade. Nós não queremos viver nesse modelo de sociedade em que a morte é a prioridade”, afirma Valdecir.

Ela relaciona o tema à justiça climática, especialmente diante da mobilização para a COP30. “Sem justiça racial, não existe justiça climática. O bem viver coloca a vida, não a morte, no centro.”

Mesmo com avanços simbólicos, como as presenças de Conceição Evaristo e Ana Maria Gonçalves em instituições literárias, Valdecir ressalta que a estrutura segue inalterada. “A violência, o desemprego, as péssimas condições de vida… se agrava, não muda. É só morte. É uma política de morte.”

A mensagem central da nova edição permanece ancorada na continuidade. “Nós não paramos de marchar. E não pararemos de marchar enquanto as injustiças sobre nós continuarem”, afirma. O desafio agora é ampliado: “Não é só o Brasil que sabe como vive o povo negro. Nem as mulheres negras. É o mundo. Essa é a nossa meta.”

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