Marcha fúnebre permanente

O vermelho-sangue sobre o corpo negro não é uma metáfora. É realidade. Artistas que protestavam contra a violência nas periferias foram obrigados a sair da avenida Paulista neste domingo de protestos “pacíficos”

Texto: Maria Carolina Trevisan
Vídeo: 
Vinícius Souza Edição: Alex Demian
Fotos: Mídia NINJA e Mateus José Maria
Performance: Isis Carolina Vergílio, Alessandra Santos e Ricardo Targino

Especial para Jornalistas Livres

Domingo de sol na capital de São Paulo. Avenida Paulista cheia de torcedores da seleção brasileira, caracterizados com o uniforme da CBF. Gritos de protesto pediam o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Cartazes exigiam “reforma política” e como medida prática demandavam “menos ministros, menos deputados, menos senadores, menos vereadores, menos corrupção”; mandavam Dilma e Lula para Cuba e Venezuela. Em meio à corrupção alastrada, ninguém se arriscou a dizer quem deve comandar o país.

Mas, em dia de protesto, a matança na periferia da grande São Paulo não arrefeceu. No primeiro final de semana depois da chacina em Osasco e Barueri, nem 1 cartaz demandava justiça por essas mortes. Como se a vida de pobres não tivesse o mesmo valor para essa gente. Na “festa da democracia”, a violência contra a periferia não coube. Esse tema não sensibilizou a maioria dos 135 mil manifestantes, segundo Datafolha, que estavam hoje na avenida Paulista.

Enquanto uma marcha fúnebre na periferia, triste e silenciosa, lembrava dos 18 assassinatos de Osasco e Barueri, artistas que participam dos Jornalistas Livres fizeram uma performance contra a violência da chacina recente. As atrizes Isis Carolina Vergílio, Alessandra Santos e o cineasta Ricardo Targino, mostraram a dor de mulheres (quase sempre negras) que não param de velar seus jovens. Sobre a bandeira do Brasil, o sangue — obviamente, vermelho — encharcava a roupa da moça negra que jazia na avenida mais importante do país. A mãe, desesperada, banhava o corpo de pipocas, oferenda ao orixá Omulu.

Foi só a cor do sangue que incomodou quem passava pela ação neste domingo “festivo”.

Houve quem pensasse que era “conspiração comunista”. E quem afirmasse ter sido a chacina uma boa limpeza. “Em nenhum momento senti solidariedade naquelas pessoas”, conta Isis.

maegentil2Foto: Matheus José Maria

Aos gritos, manifestantes enxotaram os artistas, acusando-os de “petistas”, “sem trabalho”. Os mais moderados avisavam do papel vergonhoso que esse senhor protagonizou junto com uma senhora que insistia em querer borrar de verde e amarelo a testa negra do cadáver deitado na rua. Estava evidente que a principal pauta dos que lutam por justiça racial não se encaixava na manifestação verde e amarela. O genocídio dos jovens negros não faz parte das principais demandas de quem pede o impeachment da presidente. “A manifestação deste domingo foi mais do mesmo”, avalia o educador negro Antonio Nascimento, da Bahia, militante de direitos humanos. “Os pedidos não eram por um Brasil melhor, onde os jovens negros não morram como têm morrido. Os manifestantes só conseguiram enxergar o PT, vislumbrar a saída de Lula e Dilma sem, no entanto, demonstrar quem poderia assumir o país.”

“Para essas pessoas, a morte dos jovens negros e pobres não está na agenda.”

“Tudo gira em torno de uma questão moralista, exposta por um grupo conservador de pessoas que não se indignam com o extermínio de jovens negros”, completa. É uma miopia que dissocia desejo de realidade.

A carne mais barata do mercado segue sendo a carne negra. O mais espantoso é que isso não causa repulsa, indignação, revolta. Segundo o Mapa da Violência 2015, cerca de 70% dos assassinados por arma de fogo são jovens e negros. Enganam-se os manifestantes que dizem “nossa bandeira jamais será vermelha”. Nossa bandeira é vermelha, sim. Vermelha manchada de sangue. Somos todos responsáveis pelo país racista que seguimos tolerando. Que mata. Somos filhos deste solo.

Mãe gentil?

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