Maria da Ilha, um retrato da catarinense Antonieta de Barros em crônicas

Professora e política, ela também fundou jornais e escreveu na imprensa do começo do século passado

Antonieta de Barros é a afro-catarinense mais celebrada em Santa Catarina. Solenemente empresta seu nome para rua, auditório, medalha, programa, escola, túnel. Inspirou ainda carimbos dos Correios e samba-enredo. 

Em outubro, a cadeira em que sentava para preparar e dar aulas e quem sabe rabiscar discursos e escrever crônicas ganhará o ambiente da mostra Casa Nova, um dos maiores eventos de arquitetura do Estado, o qual terá como palco um ambiente próximo a essa professora, cronista e política que 70 anos atrás rasgava estereótipos de classe, cor e gênero, o Museu da Escola Catarinense da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).

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Primeira mulher a eleger-se na Assembleia Legislativa, essa filha de escrava liberta arrebentou grilhões e golpeou a segregação ao ingressar no círculo da chamada grande política ainda na primeira metade do século XX. Tal proeza em conquistar espaço público em uma sociedade manchada por tabus faz de sua trajetória algo fascinante para negros e brancos que embandeiram as igualdades. Como cronista, assumiu o pseudônimo de Maria da Ilha, e em páginas dos jornais tocou assuntos pulsantes para a época.

Foi o que observou Renata Aparecida Paupitz Dranka em seu trabalho “História, gênero e trajetórias bibliográficas” ao analisar as crônicas de Antonieta de Barros, publicadas na imprensa da antiga Florianópolis. 

— Quem diz “à margem” é negra, então está à margem, mas o seu lugar não é à margem, pois é ela, Antonieta de Barros, quem escreve. 

Mesmo que isso fosse novo para os anos 1930. Uma mulher, negra e culta que tinha sua própria coluna num jornal de grande circulação na cidade. 

— Na época não havia lugar para o discurso das mulheres, principalmente mulheres negras, que sim eram faladas. Mas a posição de Antonieta de Barros é de destaque, pois falava publicamente — observa a pesquisadora.

A sensibilidade de Maria da Ilha derramava-se em textos variados sobre educação, civilidade, religiosidade, virtudes morais, éticas e cívicas. Abordava também questões relacionadas às relações de gênero e à vida política e social dos anos 30, no Brasil e no mundo. 

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Um outro estudo, com foco biográfico de Antonieta de Barros, foi elaborado na tese de mestrado de Karla Leonora Dahse Nunes, em 2001, hoje doutora e coordenadora do curso de especialização em História Militar da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul). No trabalho, a pesquisadora se debruçou sobre as crônicas e procurou cartografar os movimentos sociais, políticos, econômicos e culturais desenvolvidos no Brasil, principalmente na década de 1930, e sua repercussão na capital de Santa Catarina.

Antonieta, conta a pesquisadora, circulava junto às elites locais 30, fosse como professora proprietária de uma pequena escola e, a partir de 1925, como primeira secretária da Liga do Magistério e integrante do Centro Catarinense de Letras, agremiação que tinha nomes importantes da intelectualidade e da política catarinenses. Para a estudiosa, o fato de uma mulher negra ter penetrado no “difícil, quase inacessível, campo político numa época em que as oligarquias catarinenses revezavam-se no poder” e a política era vista como “coisa de homem”:

— É algo extraordinário, “inédito”. 

 

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