Maria Sylvia avalia 30 anos da Convenção Interamericana de Belém do Pará 

09/10/25
Por Beatriz de Oliveira
Coordenadora de Gênero, Raça e Equidade de Geledés esteve presente em seminário sobre o tema e destacou a necessidade de abordagem interseccional para o enfrentamento da violência de gênero

No dia 24 de setembro a coordenadora de Gênero, Raça e Equidade de Geledés, Maria Sylvia, participou do seminário “Avaliação dos 30 anos da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, de Belém do Pará”, realizado pela Comissão de Mulheres da Câmara dos Deputados, em Brasília. 

“A participação de Geledés neste seminário assume importância estratégica e política, na medida em que o objetivo de nossa atuação não se limita à denúncia das múltiplas formas de violência que incidem sobre a vida das mulheres negras. Trata-se, sobretudo, de construir e propor caminhos concretos — recomendações e estratégias — capazes de enfrentar e conter a atuação violenta do Estado contra a população negra, com especial atenção aos impactos diferenciados e agravados sobre as mulheres negras”, pontua Maria Sylvia.

Maria Sylvia. Coordenadora de Gênero, Raça e Equidade de Geledés – Reprodução/TV Câmara

O seminário abordou os seguintes temas: a violência contra a mulher como violação de direitos humanos; as múltiplas formas e contextos da violência de gênero; os limites da Convenção de Belém do Pará frente às violências raciais e estruturais; a implementação das políticas públicas de proteção às mulheres; e estratégias para o presente e o futuro do enfrentamento às violências, a partir dos 30 anos da Convenção.

Para a advogada, o evento foi oportuno para a reflexão do tema sob a perspectiva das mulheres negras. “Passadas três décadas desde a adoção da Convenção, observa-se que os índices de violência contra esse grupo não apenas persistem, como em muitos casos se agravaram, em contraste com a redução verificada entre as mulheres brancas. Essa disparidade evidencia os limites da Convenção quando confrontada com a permanência do racismo estrutural e institucional que atravessa as políticas públicas e o sistema de justiça”. 

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30 anos da Convenção Interamericana de Belém do Pará

A Convenção Interamericana de Belém do Pará foi adotada em 1994 e se tornou um marco no enfrentamento a violência de gênero, ao formalizar a definição de violência contra as mulheres como uma violação dos seus direitos humanos.

Segundo Maria Sylvia, a convenção representa “um marco histórico no enfrentamento à violência de gênero nas Américas” e, em suas três décadas de existência, segue com relevância incontestável. Acrescenta ainda que, no Brasil, a convenção teve influência direta na elaboração da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), importante avanço normativo na prevenção e no combate à violência doméstica e familiar. 

No entanto, a advogada ressalta a necessidade de “revisitar e ampliar o próprio conceito de violência estabelecido pela Convenção, a fim de visibilizar dimensões estruturais e institucionais que ultrapassam o âmbito doméstico”. Além disso, exemplifica que o texto reconhece expressamente a violência perpetrada ou tolerada pelo Estado, o que possibilita a inclusão do racismo institucional como uma forma de violência estatal. 

“Essa perspectiva é fundamental para compreender como a ação e a omissão do Estado brasileiro reproduzem e legitimam desigualdades raciais que incidem de modo desproporcional sobre as mulheres negras, afetando seu acesso à justiça, à proteção e à cidadania plena”, diz. 

Abordagem interseccional no enfrentamento da violência de gênero

Em sua fala no seminário, Maria Sylvia abordou os limites da Convenção de Belém do Pará frente às violências raciais e de gênero. Assim como destacou a necessidade de abordagem interseccional para o enfrentamento da violência de gênero no Brasil. 

“A efetividade desta Convenção exige uma leitura interseccional que reconheça o racismo institucional como componente central da violência de gênero na América Latina, em especial no Brasil, e que orientem políticas públicas comprometidas com a transformação estrutural das relações de poder que sustentam tais violências”, explica. 

Sobre isso, a advogada sublinha um recente avanço que reconhece a centralidade da abordagem interseccional. Em 2024, o Comitê de Peritas do Mecanismo de Acompanhamento da Implementação da Convenção de Belém do Pará (MESECVI) publicou a Recomendação Geral nº 5, dedicada à análise da violência de gênero contra mulheres afrodescendentes na América Latina e no Caribe. 

“Ao enfatizar uma perspectiva baseada nos direitos humanos, a recomendação sublinha que a violência de gênero contra mulheres afrodescendentes não pode ser compreendida de forma isolada. Deve ser analisada à luz das múltiplas e sobrepostas formas de discriminação derivadas do racismo estrutural, do sexismo e das desigualdades socioeconômicas. Essa orientação reforça a necessidade de que os Estados adotem políticas públicas integradas e intersetoriais, capazes de articular raça, gênero, classe e território como dimensões indissociáveis da experiência dessas mulheres”, diz.

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