Martinho da Vila: “O Racismo existe”

Cantor usa o caso do ator Vinícius Romão de Souza, preso por engano, como exemplo da realidade brasileira: “no Brasil, parte-se do pressuposto de que, sempre que ocorre um roubo, desde que não seja de dinheiro público, um negro é suspeito”

 

O cantor Martinho da Vila resgatou o episódio da prisão por engano do ator Vinícius Romão de Souza para tratar do racismo no Brasil.

Vinícius, que fez parte do elenco da novela das 18h, Lado a Lado, exibida em 2012, foi acusado por engano de roubar R$ 10 e um bilhete de ônibus. Ele foi abordado por policiais após deixar a loja em que trabalha, em um shopping da Zona Norte do Rio. Ele perdeu sete quilos durante os 16 dias que ficou preso.

Segundo ele, no país, parte-se do pressuposto de que, sempre que ocorre um roubo, desde que não seja de dinheiro público, um negro é suspeito.

No Brasil, parte-se do pressuposto de que, sempre que ocorre um roubo, desde que não seja de dinheiro público, um negro é suspeito

1. Um rapaz negro caminha de volta para casa em uma rua suburbana do Rio de Janeiro. Um carro com um casal para à sua frente, a mulher grita: “É ele o ladrão!”. Um homem salta apontando-lhe um revólver. É o policial Waldemiro Antunes de Freitas Junior que o obriga a deitar-se de bruços, faz a revista, constata que não encontra-se armado e o conduz à delegacia.

2. O delegado William Lourenço Bezerra o autua, apesar dos seus gritos veementes de inocência, mesmo sem o acusado estar com o produto do roubo. Era a palavra dele contra a dela, que prevaleceu.

3. Vinícius Romão de Souza é trabalhador empregado em uma loja como vendedor de roupas e é recém-formado em psicologia, além de ser ator que já participou de novela da TV Globo. É o orgulho da sua família, que ficou muito abalada com a notícia da prisão.

4. O rapaz é mandado para uma casa de detenção em outro município e lá permanece por duas semanas, entre assaltantes perigosos, presos por agressões e outros negros inocentes como ele.

5. O desespero da mãe e as andanças do pai por hospitais públicos, necrotérios e depósito de presos até conseguir descobrir onde o filho se encontrava e a notícia da prisão ser publicada pela imprensa.

6. O drama da mulher que o acusou, agoniada pela dúvida de que tinha ou não cometido uma injustiça ao reconhecê-lo, a ponto de desejar ir retirar a queixa, o que não o fez apenas por faltar o dinheiro para a passagem. Dalva da Costa Santos é pobre. O que lhe foi furtado foram poucos reais e um telefone celular desatualizado.

7. As reações de militantes do movimento negro e os protestos públicos dos amigos brancos do rapaz, o que levou o delegado Niandro Lima, titular da 25ª DP (Engenho Novo), a impetrar um habeas corpus, documento jurídico que tem o poder de libertar indivíduos que possam estar sofrendo alguma injustiça.

8. Procurado pela imprensa, o pai, Jair Romão, militar aposentado, declarou: “Eu sou espírita e perdoo a acusadora e o policial que prendeu meu filho”. No Brasil, muitas vezes parte-se do pressuposto de que, sempre que ocorre um roubo, desde que não seja desvio de dinheiro público, um negro é suspeito. Por motivo da lentidão das nossas ações judiciais, o habeas corpus levou ainda um dia para ser cumprido.

9. Respondendo a um jornalista sobre os dias no presídio, Vinícius disse: “Assim que cheguei, tive medo, mas tremi mais quando fui abordado porque a arma estava apontada para mim e podia disparar. Eu sou inocente e sabia que a justiça seria feita. Por isso não me desesperei nem chorei”.

Questionado sobre discriminação racial, falou: “Racismo existe, mas o que posso dizer é que todos os meus amigos nunca colocaram um apelido discriminatório em mim. Tanto nos colégios particulares em que estudei como na faculdade, todos sempre me respeitaram e eu também me dei ao respeito. Na loja de roupas onde eu trabalho, dos 17 vendedores temporários, sou o único negro, e nas outras lojas, não há nenhum. Uma lição boa que tiro de tudo isso é aproveitar cada minuto simples da vida, como abrir a geladeira e beber um copo de água”.

10. A alegria da família e dos amigos ao recebê-lo. Romão ergueu os braços de cabeça erguida, com os cabelos simbólicos cortados no presídio. Sem rancor, declara: “Não tenho raiva dela. Ela sofreu um assalto, estava nervosa, acabou me confundindo. Desejo muita luz e felicidade para ela”.

Final. Vinícius atendendo a um freguês na Toulon, que o manteve no emprego, cena seguida pela cerimônia de colação de grau em psicologia. No letreiro do filme, apareceriam os amigos que o apoiaram e por fim uma imagem parada de Vinícius sorrindo e a frase: “O racismo existe”.

 

 

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Fonte: 247

 
 

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