Mayra Andrade nasceu em Cuba, com menos de 1 mês de vida foi viver em Cabo Verde e passou a infância migrando de país em país por causa da profissão do pai, diplomata. As férias escolares, contudo, tinham um único destino: a capital portuguesa, Lisboa, onde mora atualmente.
Aos 11 anos, já se denominava artista e assim se apresentou a Cesária Évora – ícone da música cabo-verdiana que morreu aos 70, em 2011. Suas referências sempre foram as raízes africanas e a música brasileira.
Nesta entrevista, Mayra divide memórias de sua trajetória e a emoção de retornar ao Brasil, onde estreou no Rock in Rio compartilhando o palco com Criolo, e se apresentar em São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Salvador e Natal.
MARIE CLAIRE Quero saber de seu primeiro contato com a música. Alguém de sua família é do meio?
MAYRA ANDRADE Músicos profissionais não. Mas um primo, Ricardo, que por acaso também é meu padrinho, tocava violão e cantava. Foi ele que percebeu em mim a inclinação para a música. Ele me mandava fitas cassetes, e eu as recebia como quem espera uma mala de ouro. E, quando passava férias em Portugal, tinha sempre aquele momento do show da Mayra e do Ricardo. Ele me ensinava canções de Caetano [Veloso], [Gilberto] Gil e Chico Buarque.
MC Mas você começou a cantar profissionalmente aos 17 anos. Como foi esse caminho?
MA Não teve um dia em que decidi isso. Na minha cabeça sempre fui artista. Minha mãe me levava para assistir a shows e, como trabalhava com produção de eventos, tinha acesso aos bastidores. Via os artistas nos corredores e falava para minha mãe: “Eles não sabem que sou artista também”. Tinha 11 anos e me considerava uma igual. Inclusive, foi nessa época que conheci Cesária Évora. Olhei para ela e disse: “Sou Mayra, também sou cantora”.
MC No começo de sua carreira era chamada de “a nova Cesária Évora”. Como via esse título?
MA Me trouxe uma espécie de carimbo, mas sempre me senti desconfortável. Repeti muitas vezes na época que achava uma falta de respeito, era uma pessoa que seguia viva e, musicalmente, não tínhamos nada em comum. O fato era sermos duas mulheres de Cabo Verde apaixonadas pela nossa cultura. Não vão existir duas Cesárias. A ilha foi colocada no mapa graças à voz de uma mulher, agora somos uma constelação de artistas que vem desse lugar. Hoje, já não ouço isso.
MC Quando lemos sobre sua trajetória, muito se fala sobre sua musicalidade ultrapassar qualquer fronteira. Como descreve sua arte?
MA Vou te dar duas respostas. Primeiro, eu diria que minha música tem uma raiz de essência e identidade cabo-verdiana. Mas não é tradicional, diria que é uma música cabo-verdiana pessoal, que bebe de uma tradição, mas é contemporânea. A outra resposta é que eu não gosto de descrever a minha música. Prefiro que você descreva como a recebe, como você interpreta em função de sua própria história.
MC Você canta em português, inglês, francês, mas o crioulo se manifesta em grande parte de seu trabalho. Manter a língua africana foi uma escolha primária em sua música?
MA Nós, de Cabo Verde, temos a necessidade de afirmar nossa existência, herança, história e riqueza cultural, ainda mais por ser um país tão pequeno. O crioulo é uma bandeira que nos unifica. Costumamos dizer que temos dez ilhas, a 11ª é sua diáspora. São 500 mil cabo-verdianos no arquipélago e 1 milhão espalhados pelo mundo – estes últimos formam a 11ª ilha de Cabo Verde. Eu canto o que sou, não penso o que soa melhor no rádio. O idioma no qual a íntegra do meu ser se expressa mais é o crioulo. Além disso, a língua tem algo musical e forte.