Marcionila Teixeira
Os meninos de cabelos coloridos estão por toda parte. Provocam os preconceituosos. Desafiam as regras da aparência dita ideal. Fazem saltar olhares enviesados por onde passam. São o retrato de uma periferia rotulada com adjetivos agressivos. Pintam seus fios de amarelo, vermelho, rosa, verde. Juntos, ganham força, misturam-se à multidão de bem nascidos. Simbolizam a profusão de cores que vem dos subúrbios.
Os meninos de cabelos coloridos vestem-se de uma desafiadora fantasia de carnaval. A única que não sai do corpo após um banho ao final da folia. Na realidade, ela surge reluzente nas cabeças desde os dias que antecedem a brincadeira, dando de ombros para uma sociedade que classifica os outros seres humanos em bons ou maus a partir da aparência, situação financeira, cor da pele. Cor do cabelo. Como se um fio virgem garantisse um selo de honestidade a quem o porta.
Eles têm sete, 15, 18 anos. Pode ser alguém como Wellington Fagundes, 18, um estudante do terceiro ano do ensino médio de escola pública que cravou a frase “4 pros” na cabeça, uma homenagem à banda da qual faz parte, o Quarteto Prostituto. Wellington pintou parte do cabelo de rosa. Por conta disso, quase foi proibido de entrar em sala de aula, como aconteceu no ano passado, ao pintar de galego. Aos poucos, venceu a barreira na escola. Poderá concluir o curso e seguir seu sonho de entrar para o Exército no ano que vem.
Leydson Gabriel de Moura, 15, tem uma cabeça bicolor. Não teve a mesma sorte de Wellington. “Pintei de preto embaixo e deixei o loiro só em cima porque estavam falando na escola”, lamenta. A tal norma chega até no campinho de futebol do bairro. Cabelos coloridos, dizem os entendidos da velha pelada, é coisa de “maloqueiro”. Esqueceram do ídolo tricolor, Flávio Caça-Rato.
O vermelho do cabelo de Rafael Fernandes, 13, salta da pele negra. Parece chegar antes do resto do corpo. “Pinto porque é carnaval. Faço isso todo ano”, conta o adolescente, morador do Cardoso, na Torre, no Recife. Lá, os meninos coloridos saem dos becos, concentram-se para a folia. No salão de Maria Bizarria, 38, fazem fila para o corte estilizado ao preço de R$ 6. Completam o visual desembolsando R$ 1 pela sobrancelha e mais R$ 10 pela aplicação da tinta.
Na Praça da Torre, eles compartilham suas cores. Misturam água oxigenada a um pó descolorante em uma espécie de salão de beleza improvisado a céu aberto. Ficam sob o sol que vaza entre as folhas das árvores. Tornam-se negros loiros. Morenos vermelhos. Meninos verdes. Quanto mais sol tomam, mais fios brancos ganharão. É a química das cores. É a periferia que se veste de coragem para brincar o carnaval.
Fonte: Diário de Pernambuco