Menos, minha gente – por Fernanda Pompeu

Tive a sorte de passear pela peruana Cusco com minha amiga e grande fotógrafa Nair Benedicto. Enquanto eu tomava notinhas na minha caderneta de viagem, Nair ia clicando todas a belezas que víamos e nos viam.

Quem conhece Cusco sabe o quanto é deslumbrante essa cidade onde todas as ruas levam à Plaza de Armas, colorida com gente de todo o mundo. Em Cusco, tudo lembra a cultura dos incas e, portanto, faz a gente embarcar num outro jeito de compreender.

Pois a Nair estava aproximando o longe e distanciando o perto, quando perguntei: qual o segredo para fazer uma boa foto? Sem tirar o olho do visor, ela disse: “O segredo é enquadrar só o que interessa. O resto você deixa fora.”

resposta simples e direta me fez recordar de uma outra dica atribuída ao escultor Auguste Rodin (1840-1017). Disse ele: “Eu escolho um bloco de mármore e dele retiro tudo o que não preciso.”

Daí olhei para as notas da minha caderneta. Pensei: eu também faço isso. Escrevo para depois cortar. Isto é, um texto, uma fotografia, uma escultura – como a música – também são compostos pelo silêncio e pela ausência. O que fica é o necessário.

A arte de cortar, retirar, minimizar não é exclusividade dos artistas. Ela está presente em todas as atividades. Uma cozinheira sabe que ingredientes demais confundem o paladar e enfraquecem a especificidade de cada sabor.

Uma mesa de trabalho – seja do marceneiro, seja do CEO – quanto mais entulhada de papéis, ferramentas, objetos – mais confusa e dispersiva será. A verdade, mesmo que dolorosa, é que a cesta de lixo é nossa amiga.

O exercício de cortar é técnica e arte para reter o principal. O indicado é fazer da tesoura mental um instrumento de bolso. Carregá-la quando vamos ao shopping, quando enquadramos uma foto, ou quando redigimos uma carta de amor ou o relatório para o chefe.

No próximo mês vou mudar de casa. Quero aproveitar a oportunidade – toda mudança é uma oportunidade – para diminuir. Antevejo o prazer de encher sacos de lixo com objetos duplicados, suvenires empoeirados e até sentimentos de velhos carnavais.

Obra de Amilcar de Castro. Imagem: Régine Ferrandis.

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