“Minha realidade como mulher, negra e militar é complexa.Que nunca deixemos de ser resistência”- diz Stephany

A bombeira militar, Stephany Domingos escreve: 

Por Arísia Barrosno Cada Minuto

foto- Cada Minuto

“Eu acredito que seja bem difícil, pra não dizer impossível, uma instituição militar, estruturalmente feita por homens para homens, não ser machista. 

E em se tratando de mulheres e negras, o preconceito ultrapassa barreiras que a gente nem consegue mensurar.

Não tem como nós visualizarmos o movimento feminista, sem enxergar esse recorte. No nosso caso, mulheres e negras, o recorte é ainda mais específico e complexo. Porém, muita gente, e infelizmente muitas mulheres do nosso meio, por falta de conhecimento, ou por questões culturais institucionalizadas, não enxergam o machismo e racismo, muitas vezes velado dentro das nossas instituições e/ou setores, batalhões e grupamentos.

Desde os tempos mais primórdios, a mulher negra era escravizada, um pedaço de carne do senhorzinho branco da casa grande, ou do mestiço capataz, ou ama de leite da sinhazinha. uma mulher sem instrução, sem oportunidades até quando conquistou a alforria.

Hoje em dia ainda somos vistas como esse pedaço de carne. Ou mulheres burras. Ignorantes. Somos sexualizadas o tempo inteiro, e dentro das nossas instituições não somos vistas como pares.

Alguns colegas de profissão dizem: “Vocês são negonas e por isso mais fortes.” ” São pretas e por isso estão mais acostumadas a fazer faxina”,ou “são negras e por isso conseguem fazer o serviço mais pesado, porque mulheres negras são como homens no serviço”.

Isso vem disfarçado de “poxa, você é mais desenrolada, por isso você vai pro ABT”, como aconteceu com uma colega de trabalho, mesmo machucada.

Mas na verdade, é “você tá baixada, mas você é preta, é marrenta, então aguenta. Quem manda ser bocuda?”.

Aconteceu com ela. Acontece o tempo todo!

Precisamos estar o tempo inteiro nos provando como mulheres capazes. Exigindo respeito. Ou na cabeça de muita gente, levando na esportiva assédios, insinuações, olhares furtivos. Sendo a “loka” do quartel, pra assim não nos olharem estranho. Olhando de cara feia para “companheiros” de caserna que muitas vezes só olham para nossa bunda, ou peitos, ou manda uma msg no inbox do Instagram como se por sermos pretas fossemos mais fáceis, ou suscetíveis.

Eu já baixei muito minha cabeça. Já fiquei muito sem reação quando um superior chegou e alisou meu ombro, ou me mandou usar batom porque eu tinha que estar bonita na guarda, e falou isso só pra mim em meio a outras mulheres, ou prender o cabelo porque meu cabelo crespo está errado no ambiente militar. 

Isso é tão cansativo. Mas mesmo sendo cansativo, depois de muita coisa, aprendi a não me calar.

Entro em discussões e muitas vezes eu ouço que eu sou cheia de mimimi. Ou que “você tá exagerando”. Ou “isso acontece com todo mundo”.

Sim, acontece com muitas mulheres em ambientes diversos, e no meio da segurança não tem como quantificar. Porém, quando digo que minha realidade como mulher, negra e militar é outra não estou querendo ser melhor do que ninguém, ou minimizar as causas das outras mulheres, só não tem como enxergar realidades diferentes como iguais.  Só nós sabemos. Porém podemos fazer outra pessoas entenderem um pouco.
Que nunca deixemos de ser resistência! E de nos conhecer, de conhecer nossa história como mulheres negras que somos! “

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