Moda reforça protagonismo feminino em ‘Pantera Negra: Wakanda para sempre’

O filme “Pantera Negra”, que tem sequência confirmada para este ano, é uma revolução em muitos aspectos. E ele tem algo especial porque atingiu a comunidade negra e a comunidade do mundo em muitas áreas, muito mais do que a maioria dos filmes. Pessoas que não se conectavam com as produções de super-heróis estão indo assistir “Pantera Negra”, seja porque se reconhecem em muitas dimensões, seja porque se identificam com toda uma estética negra que além de ser familiar, é acolhedora e inspiradora, seja porque entendem a importância deste filme existir.

De cara, temos Lupita Nyong’o, com presença forte no trailer. Será que vem uma protagonista por aí? Eu digo sempre que “Pantera Negra”, apesar de ser um longa com um protagonista negro, é um filme com destaque absoluto para as mulheres —a rainha, a irmã, as guerreiras. A sequência traz de volta personagens como Rainha Ramonda (Angela Bassett), Shuri (Letitia Wright) e Okoye (Danai Gurira) e introduz Michaela Coel, criadora da série “I May Destroy You”, como Aneka.

Em “Wakanda para Sempre”, Nyong’o aparece de verde e a gente sabe, desde o filme anterior, que ela usa a cor para homenagear os rios de sua tribo. Isso pode passar despercebido por alguns olhos, mas é algo que se mantém na narrativa do figurino dela. Desta vez ele vem mais robusto, com ombreiras metálicas simulando cordas. O filme da Marvel tem uma característica de exaltar o artesanal como tecnologia que é. Essa fusão entre tradição e modernidade se mantém.

Lupita Nyong’o em cena de ‘Wakanda para sempre’ – Imagem: Divulgação

Na segunda cena, identificamos dois elementos muito potentes imageticamente. O primeiro é a rainha que mantém o seu chapéu, que tem origem nos povos Zulus, estruturado em formato de funil que, na minha leitura, é também uma coroa, remetendo a poder, realeza, desconstruindo a imagem cristalizada da coroa europeia, aquela que encaixa no topo de cabeça cheia de pedras.

As guerreiras seguem com as vestimentas vermelhas, cor muito recorrente nas roupas tradicionais dos povos Massais, que são a inspiração para essas personagens. Não poderia ser diferente, apesar de que elas também chegam mais robustas, metalizadas em duas cores, dourado e prateado. Vamos entender o que significam essas “categorias” quando o filme chegar às telonas. De qualquer forma, sugere uma diversidade entre as guerreiras que, importante lembrar, trouxeram com muita força no primeiro filme a beleza da imagem feminina careca, exaltada também pelo figurino.

Danai Gurira como Okoye – Imagem: Divulgação

Diversidade africana na moda

O primeiro filme revolucionou o olhar sobre a diversidade africana na moda. A figurinista responsável pelo longa, Ruth E. Carter, levou para as telas este universo ficcional que é Wakanda a partir de muitos elementos do continente africano de uma forma muito sensível e única, mas que poderiam ser traduzidos facilmente.

Tinha um colar que você rapidamente observava que era nigeriano ou as camisas sul-africanas; tinham as batas, as técnicas de confecção como o tear, as pinturas, várias e diversas referências de muitos países, não apenas reforçando conexões, mas criando novas, já que nos entregou elementos que, porque estamos culturalmente submetidos a um olhar viciado e preguiçoso para o continente europeu como referência única de moda, são difíceis de chegar por aqui.

No Brasil há pouquíssimos relatos e pesquisas sobre o assunto. Então, ter uma obra audiovisual que abre espaço para essa narrativa de forma tão ampla é fundamental para criarmos imaginários, mas não só. Serve também para a gente incentivar as pessoas a pesquisarem sobre os elementos do continente africano, como base intelectual para os conceitos de moda.

Dito isso, estamos todos na expectativa do “Pantera Negra 2”. Sai Carter, entra um homem, Mobolaji Dawodu, que tem dupla cidadania, nigeriana e norte-americana. Achei um movimento interessante, pois começamos já a pensar na diversidade em muitos aspectos, inclusive trazer para o projeto não só as pessoas negras, mas também pessoas africanas.

Ainda temos poucas imagens do filme, mas o que pudemos observar a partir do trailer já divulgado pela Marvel, é que nesse filme extremamente emocional por tudo que aconteceu na ficção e na vida real, com a ausência do protagonista do primeiro filme, os figurinos continuam sustentando muito bem a narrativa, mas com alguns elementos novos.

O uso do branco em rituais de luto

Não tem como não falar sobre a cena emocionante do enterro, em que aparecem as pessoas vestindo branco e não só. Os colares de sementes e cordas lembrando novamente a arte da miçanga, vista principalmente na África do Sul. O branco nesta ocasião também nos ensina as diferentes tradições cultuadas pelas religiões de matriz africana. É bom a gente diversificar as construções imagéticas que muita gente tem sobre o luto, os rituais relacionados à morte.

Cena do filme ‘Pantera Negra: Wakanda para sempre’, da Marvel – Imagem: Divulgação

Aqui, muitas pessoas têm e constroem como referência de um funeral as roupas pretas, mas existem outras verdades neste lugar. Então, esse enterro com figurino totalmente branco traz um choque, uma pausa no filme que nos alimenta de tantos elementos, tantas cores. O branco é um respiro. Mas, mesmo assim, o branco traz elementos geométricos que aparecem em muitos ambientes do continente africano.

Aí vem a Suri, com pinturas corporais, outro elemento que podemos colocar no contexto de moda, principalmente porque as pinturas corporais são marcadores de cerimônias. A moda sustenta a dança, os movimentos corporais nos rituais de passagem. É a celebração, a tristeza da morte com a oportunidade da vida.

Muito brevemente a gente vê também os tecidos que são mais conhecidos hoje na contemporaneidade africana, que são chamados por diversos nomes no continente: em Moçambique, capulana, em Angola, como pano, que são esses tecidos coloridos tingidos no algodão, que aparecem em alguns figurinos, trazendo cores e estampas que nos aproximam imageticamente de forma mais rápida da moda de muitos dos países africanos.

Inspirações para os penteados

Para terminar, não podemos deixar de falar dos cabelos. O primeiro “Pantera Negra” já foi um marco pela diversidade de possibilidades de penteados e cortes para os cabelos crespos, inclusive a escolha muito assertiva da ausência dos cabelos nas carecas das guerreiras, muito tradicional. Eu me aproximei dessa estética na África do Sul, mas é muito tradicional da feminilidade africana não estar necessariamente associada ao cabelo, muito menos ao cabelo longo.

No trailer, podemos ver os dreads, homens com cortes incríveis que poderão ser reproduzidos nessa cultura tão rica da barbearia no Brasil, os crespos degradê que aparecem com franja maior, as tranças nagô, os black power. Certamente a gente pode esperar muitas inspirações para os próximos penteados e próximos desejos capilares das mulheres negras de cabelo crespo.

É muito bom observar todas essas referências de moda, já ansiosa pelos meus próximos looks. Essa transferência direta do que acontece no filme para o nosso dia a dia acontece com muitas mulheres negras pelo poder da representatividade, pela ausência de discursos estéticos em nossa formação. E “Pantera Negra”, para a gente, é tão poderoso por isso. Entrega algo que simplesmente nunca tivemos até ele surgir.

+ sobre o tema

Elisa Lucinda

Elisa Lucinda nasceu em Vitória no Espírito Santo. É poetisa,...

Criolo: Convoque seu Buda

Rapper paulista passeia por diferentes gêneros e mostra amadurecimento...

Dissidente cubano interrompe greve de fome depois de 135 dias

Fariñas iniciou protesto em fevereiro, um dia após morte...

para lembrar

Taís Araújo conta que desenhou suas curvas com o balé: ‘Transformou tudo’

Taís Araújo conta que desenhou suas curvas com o...

Dia de Yemanjá, 02 de fevereiro, é dia de festa no mar

Segunda-feira, 02 de fevereiro, há exatos 82 anos, se...

Revolta popular se alastra por países africanos e aumenta o número de mortos

Tropas marfinenses mataram nesta segunda-feira pelo menos quatro...

Dupla de fotógrafas capta a essência de tribo no Sudão em série de fotos extraordinária

  Por: Vicente Carvalho As fotógrafas Carol Beckwith e Angela Fisher possuem uma...
spot_imgspot_img

Templo Espírita Ogum Megê passa a ser considerado Patrimônio Imaterial do Rio de Janeiro

O Templo Espírita Ogum Megê, em Vaz Lobo, na Zona Norte, agora é considerado Patrimônio Imaterial do estado do Rio de Janeiro. A iniciativa...

NÓS: O Poder das Mulheres na Construção da História

No dia 22 de agosto de 2024, o Sesc Interlagos abriu as portas para a exposição NÓS – Arte & Ciência por Mulheres, uma...

A cidade de Lima Barreto: obra do escritor é reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial do Rio

Lima Barreto é autor do Rio. A frase soa óbvia, mas não se refere apenas ao fato de o escritor ser um legítimo carioca...
-+=