Monteiro Lobato não era racista. Nós também não somos

CONFISSÕES DE LOBATO

A revista “Bravo!” publica em maio cartas inéditas do escritor Monteiro Lobato. “Um dia se fará justiça ao Ku Klux Klan; tivéssemos uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu lugar, e estaríamos livres da peste da imprensa carioca -mulatinho fazendo o jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destrói a capacidade construtiva”, escreveu em 1938 o escritor, censurado pelo governo por racismo.

O Martinho da Vila, que merece estar na Academia muito mais do que o Herval Pereira, já tinha cantado essa pedra.

Na eleição do Obama, ele republicou um artigo em que tratava do “Presidente Negro”, livro do Lobato, que Martinho identificou como um autor racista.

Martinho já apontava que Lobato era admirador da KKK, que, como se sabe, inclui – até hoje, nos Estados Unidos – enforcamentos e morte na fogueira.

Depois, Martinho comentou a ida de Obama ao Theatro Municipal do Rio:

Martinho da Vila: Obama deu samba

Quando o Barack estava concorrendo à presidência dos Estados Unidos, eu escrevi o artigo ‘Obama vai dar Samba’. Vai dar samba é uma expressão popular que quer dizer “vai dar certo” e eu escrevi no sentido de “vai vencer, vai ser eleito” e deu samba.

Na ocasião, eu fiquei pensando no Monteiro Lobato, autor de uma vasta literatura infantil. Criou também, dentre outras obras, o discutível ‘Negrinha’ e o contestável ‘Jeca Tatu’, além do controverso ‘O Presidente Negro’, escrito com o objetivo de fazer sucesso na América do Norte. Deu azar porque os editores americanos não quiseram publicar. Naquela altura os livreiros de lá estavam descartando obras com conotações racistas. Decepcionado, nosso “gênio da literatura” escreveu de Nova York para um de seus amigos, o literato Godofredo Rangel, conforme publicou o jornalista Arnaldo Bloch: “Meu romance não encontra editor (…). Acham-no ofensivo à dignidade americana (…), errei vindo cá tão verde. Deveria ter vindo no tempo em que eles linchavam os negros”. Que absurdo! Gostaria que Lobato, adepto da Ku Klux Klan, violenta organização racista americana, estivesse vivo para presenciar o encontro do primeiro preto dirigente máximo da América com a primeira mulher Presidenta do Brasil.

Barack Obama foi um verdadeiro show no Theatro Municipal. Eu recebi um convite, não pude  comparecer, mas vi pela televisão que a fala dele deu samba. O samba poderia ser mais animado, se fosse na Praça da Cinelândia, mas valeu. Concordo plenamente com o Bruno Astuto, colunista da revista dominical deste nosso jornal, a ‘TV Tudo de Bom!,’ que escreveu na semana passada: “Ouvir o presidente negro de uma nação tão poderosa como a americana dá força para que as crianças negras do nosso Brasil, um país ex-escravagista tão em dívida social quanto os Estados Unidos, percebam que yes, elas também podem. Se o Brasil, um país tão machista, alçou uma mulher à presidência, ainda hemos de ver um negro — ou uma negra — chegar ao Planalto. Será o máximo”.

Quando isso acontecer não haverá mais necessidade da Lei de cotas raciais, de órgãos do movimento negro nem de secretarias de integração racial. É um sonho.

Martinho da Vila

Fonte: Conversa Afiada

 

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