Motel usa temas da escravidão com jaulas e grilhões e causa polêmica

Para movimento negro, não é possível fetichizar um dos piores períodos da história do Brasil e da população negra

Por Luana Benedito no O Dia

Motel do Rio Grande do Sul tem escravidão como tema – Reprodução

Um motel de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, transformou em fetiche um dos piores períodos da história do Brasil e da população negra brasileira: a escravidão. As suítes do Motel Senzala receberam nomes como Zumbi, Marimba, Quilombo, Alforria, Casa Grande, Escrava e Grilhões. Alguns dos quartos possuem grilhões e correntes. Na suíte Senzala, que tem valor de R$ 150 por duas horas , o cliente ainda tem “direito” à uma jaula. Caso opte pela sexta, sábado ou domingo, o valor aumenta para R$ 210.

“A decoração rústica e temática do motel garante um clima especial e único durante a estadia”, diz a descrição no site do motel. Além das suítes temáticas, o motel, localizado no bairro Sarandi, também tem a arquitetura que remete à Casa Grande, casa da família que detinha o poder sobre os escravos.

Para Jorgilene Maciel, integrante do Movimento Negro, o espaço glamoriza, fetichiza e reforça a sexualização dos corpos pretos. “Sabemos que pra uma pessoa fazer um empreendimento ela costuma pesquisar se há mercado. E se a pessoa levou a frente é porque ela de algum modo sabe que vai lucrar, que vai ter público. Ou seja, não é um problema apenas de quem empreende para capitalizar em cima da dor. Mas do conjunto de pessoas que se propõe a consumir e participar disso”, comenta a economista.

Fachada do Motel Senzala – Reprodução

O motel ganhou repercussão nas redes sociais nesta terça-feira, após o portal Mundo Negro publicar uma matéria denunciando o lugar. No entanto, há dois anos o espaço já tinha gerado polêmica na Internet. A única medida do estabelecimento, porém, foi desativar a página no Facebook. “Brasileiro tem um grande fetiche com a dor negra, digo, a dor negra, porque nunca vamos encontrar motel ou restaurante com o nome ‘holocausto’ e ‘campo de concentração'”, escreveu um internauta em 2016.

“No exemplo do campo de Auschwitz sabemos porque ninguém nem tenta fazer né. Porque brancos são humanos e sua dor ganha empatia e solidariedade mesmo sendo algo ocorrido do outro lado do Atlântico “, conclui Jorgilene.

O DIA tentou por diversas vezes contato com o Motel Senzala, mas ninguém foi encontrado para comentar. A reportagem foi informada que somente o gerente do local poderia conceder entrevista, mas o homem não foi localizado nesta terça e quarta-feira. O espaço está aberto para manifestação.

Suíte Senzala – Reprodução

‘Escravidão foi marcada por estupro de corpos negros’, diz socióloga

Cento e trinta anos após a abolição da escravidão, a socióloga Eliane Oliveira explica que o período, que durou 300 anos, foi marcado pelo estupro dos corpos negros de forma naturalizada, porque os escravos não eram vistos como humanos.  “Desumanizar é uma forma de justificar a violência, como se tivesse justificativa para anos de cativeiro e castigos físicos. As mulheres negras eram estupradas por seus senhores e engravidavam. Dessa gravidez geravam filhos bastardos que, na maioria das vezes, eram apartados da mãe e vendidos como escravos”, diz a pesquisadora, que também administra a página “Preta e Acadêmica” no Facebook.

“Os homens negros eram tratados como procriadores, ou seja, os corpos negros não foram usados apenas como força de trabalho escravizado, mas também para gerar outros corpos negros que foram comercializados por seus senhores. As mães negras perdiam seus filhos para o comércio de escravos, destituía-se famílias. Não havia possibilidade de se criar laços de parentesco dentro das senzalas”, completa Eliane.

Suíte Grilhões – Reprodução

Suíte Grilhões – Reprodução

Segundo a socióloga, não há como fetichizar um espaço como a senzala pois para os negros aquele era um lugar de aniquilação. “Destruíram nossos corpos e nossa ancestralidade”, afirma. Sobre o motel associar a senzala ao prazer, Eliane é enfática: “Fetiche está relacionado à prazer e é impossível para nós pensarmos que a violência ocorrida dentro desse contexto histórico possa ser esquecida ou naturalizada a ponto de alguém achar tranquilo entrar num motel e achar sedutor ser escravizado.”

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