‘Mr. Kong’ e o racismo à brasileira

por LUCAS RIBEIRO SCALDAFERRI

Cena do clipe

• Toda vez que se debate racismo no Brasil as classes dominantes apelam para o senso comum e perguntam: quem é negro no Brasil? A miscigenação sempre é invocada para camuflar o racismo e passar a idéia de que esse mal não existe em nossas terras. Mas, uma pequena reflexão já basta para desvendar o quanto nossa sociedade ainda é marcada pela chaga do racismo.

No Brasil, o que serve de exemplo “positivo” para a sociedade sempre tem uma ancestralidade européia. É assim, por exemplo, com as apresentadoras de programas infantis, que há mais de três décadas invadem os lares brasileiros com suas cabeças loiras e que não parecem nada com a maioria da população. As novelas também reproduzem essa falsa realidade e seus galãs ou protagonistas sempre têm o “pezinho” no velho continente.

Na educação essa realidade não é diferente. Os que hoje são adultos se lembram que nos livros didáticos as famílias negras nunca eram retratadas. As únicas figuras negras registradas eram, sempre, os escravizados ou trabalhadores domésticos.

A herança escravagista que tratava o negro como animal irracional e sem capacidade intelectual se manteve viva mesmo depois da abolição. Ser a maioria dos miseráveis e favelados nos dias atuais é o exemplo categórico do racismo no Brasil. Ao contrário dos Estados Unidos da América (EUA), onde leis garantiam a segregação até os anos 70, o Brasil não precisou de artifícios jurídicos.

“Kong”, um desserviço e uma ofensa às mulheres e aos negros

É por todos esses exemplos que a população negra, e em especial os jovens, precisam ter referências positivas. Pelé, o atleta do século, perdeu a chance de ser um embaixador da luta anti-racista no Brasil; como foi o maior pugilista de todos os tempos, Muhammad Ali, nos EUA. Quando alguns negros conseguem ultrapassar o filtro racista da sociedade brasileira se espera deles, no mínimo, uma postura crítica perante a situação do negro no país.

O cantor Alexandre Pires, que foi líder do grupo Só Pra Contrariar, gravou recentemente um clipe que não traz nada que possa ajudar a população negra a ser tratada com dignidade. O clipe que leva o nome da música “Kong”, uma referência ao gorila “king Kong”.

O inicio do vídeo é marcado por uma invasão de gorilas (homens fantasiados) numa casa cheia de mulheres. As cenas são protagonizadas por três negros: o próprio Alexandre, o jogador de futebol Neimar e o cantor Mr. Catra. Este último, durante o filme, se intitula com Mr. Kong. Uma passagem da música diz: “é no pelo do macaco que o bicho vai pegar”.

As imagens só reforçam o estereótipo animalesco do homem negro como viril. O desserviço prestado por Alexandre, além de fortificar o racismo, é sem dúvida machista. O movimento negro deve repudiar essa manifestação evidente de racismo, que passa como se fosse uma coisa natural, típica característica do racismo à brasileira.

 

 

Fonte: PSTU

+ sobre o tema

Estudo mostra o impacto do fator racial materno no desenvolvimento infantil

O ganho de peso e o crescimento dos filhos está diretamente relacionado ao fator etnorracial...

Primeira favela brasileira surgiu há 120 anos

Em 1897, aproximadamente 10 mil soldados voltaram da Guerra...

para lembrar

Prefeitura de São Vicente assina com o Estado convênio contra o racismo

Vítimas de racismo agora podem formalizar denúncia na própria...

Obama pede investigação de morte de jovem negro por vigia na Flórida

Morte de Trayvon Martin, 17, nas mãos de vigia...

Campanha contra racismo chega a Esporte e Polícia

Antonio Carlos Arruda, coordenador de Políticas para a População...
spot_imgspot_img

A natureza se impõe

Mundo afora, sobram sinais — de preocupantes a desesperadores — de fenômenos climáticos. Durante a semana, brasileiras e brasileiros em largas porções do território,...

Criminalização e Resistência: Carla Akotirene e Cidinha da Silva discutem racismo institucional no Sesc 24 de Maio 

No dia 16 de outubro, quarta-feira, às 19h, o Sesc 24 de Maio promove o bate-papo Criminalização, encarceramento em massa e resistência ao punitivismo...

Violência política mais que dobra na eleição de 2024

Foi surpreendente a votação obtida em São Paulo por um candidato a prefeito que explicitou a violência física em debates televisionados. Provocações que resultaram...
-+=