Mulher e negra. A vice-presidente que faz história nas Américas

Epsy Campbell é a primeira afrodescentente a assumir este cargo no continente. Apesar de representarem 30% da população da América Latina, negros são só 1,5% dos eleitos

Por Susana Salvador Do DN

Foto: reprodução/DN

A costa-riquenha Epsy Campbell Barr torna-se hoje na primeira mulher afrodescendente a assumir o cargo de vice-presidente no continente americano. “Esta devia ter sido uma notícia do século passado”, disse a economista de 54 anos ao jornal digital espanhol eldiario.es. “Estamos no primeiro quarto do século XXI e esta realidade ainda é excecional. É preciso celebrar, porque se rompem barreiras e se mostra uma agenda pendente de inclusão política e de desenvolvimento de mais de 200 milhões de afrodescendentes”, referiu aquela que será também a primeira mulher chefe da diplomacia da Costa Rica.

Batizada em homenagem à avó que emigrou da Jamaica para a Costa Rica, Epsy é a quarta de sete irmãos (cinco são mulheres). Nasceu em San José, em 1963, e na sua educação sempre esteve presente a música (toca saxofone) e o desporto (fez atletismo e jogou voleibol). Em casa, disse ao jornal costa-riquenho La Nacion, sempre se debateram os temas sociais, como o papel da mulher no lar ou o racismo. Já estava casada e tinha duas filhas (hoje está casada em segundas núpcias e já tem dois netos), quando foi estudar Economia, fazendo mais tarde uma pós-graduação em Ciência Política na Universidade da Costa Rica,

Esta devia ter sido uma notícia do século passado

“Cheguei à política pela minha vida anterior. Não é que quisesse ser política. Em criança, nunca pensei que esse seria o meu lugar”, contou a esse jornal, lembrando que antes trabalhou junto das comunidades. Organizou festivais culturais, passou pelo ativismo ambiental e dedicou-se aos temas das mulheres e, em especial, das afrodescendentes. “Cheguei a política por esse trabalho prévio e essa necessidade ou compromisso comigo mesma de tentar fazer as coisas pela sociedade em que vivia”, explicou.

Em 2000, esteve entre os fundadores do Partido Ação Cidadã (PAC), mas desde 1997 que coordenava a Rede de Mulheres Afro latino-americanas e Afro-caribenhas e o Fórum de Mulheres para a Integração Centro-americana. Em 2002, foi eleita deputada, assumindo depois a liderança parlamentar do partido. Presidente do PAC de 2005 a 2009, foi candidata a vice-presidente em 2006. Oito anos depois, durante os quais esteve de fora da Assembleia Legislativa, quis voar mais alto e fez campanha para ser a escolha do partido para a presidência. Acabaria contudo por desistir da corrida a favor de Luis Guillermo Solís, que seria eleito em março de 2014 e hoje deixa o poder. Nesse mesmo ano, voltou a ser eleita deputada.

Entretanto ajudou a fundar o Parlamento Negro das Américas, que reúne deputados afrodescendentes. Apesar de 30% da população latino-americana se considerar afrodescendente, isto é, cerca de 200 milhões de pessoas, os negros só ocupam 1,5% dos cinco mil lugares nas Assembleias Nacionais da região.

Para as presidenciais de 2018, a ideia de Campbell era tentar novamente ser a candidata do PAC, mas acabou por se tornar na número dois de Carlos Alvarado. O ex-ministro do Trabalho e da Segurança Social, jornalista com várias novelas publicadas, foi eleito à segunda volta, derrotando o cantor evangélico Fabricio Alvarado (sem relação de parentesco) que ganhara na primeira volta. Este polarizou a campanha em torno da família tradicional, depois de se opor aos casamentos homossexuais, indo contra a decisão do Tribunal Interamericano dos Direitos do Homem que defendem que estes sejam legalizados.

Campbell será também a primeira mulher chefe da diplomacia na Costa Rica. E num governo onde elas são maioria. Executivo tem 14 mulheres e 11 homens

Campbell, que será também a chefe da diplomacia num governo com 14 mulheres e 11 homens, assumirá interinamente o poder da Costa Rica quando o presidente Carlos Alvarado se ausentar do país. Entretanto, a partir da vice-presidência espera implementar iniciativas para reduzir a desigualdade do género e a brecha salariar ou dar mais recursos para responder a casos de violência doméstica.

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